Nelson M.
Mendes
Em 2018,
o Estadão publicou editorial dizendo que o eleitor brasileiro, no segundo turno
da eleição, estava diante de “uma escolha muito difícil”: de um lado estava o
Boçal Fascista, medíocre militar reformado, que nada fizera em quase 30 anos de
vida parlamentar a não ser beneficiar-se de expedientes corruptos e destilar
preconceitos e ódio; do outro, Fernando Haddad, um professor com PhD que tinha
sido excelente ministro da Educação e excelente prefeito de São Paulo, a maior
cidade brasileira.
Neste
decisivo 2022, a escrotíssima trindade do jornalismo – Estadão, Folha e O Globo
– continua fazendo o possível para desqualificar o candidato petista e relevar
falhas e crimes do Boçal Fascista, que tentará a releição. O problema para a
mídia corporativa, representante da “elite do atraso” (Jessé Souza), é que o
Boçal Fascista não é mais surpresa, não é mais o outsider que veio para
“mudar tudo o que está aí”. Não há mais ilusões, as fake news não vão funcionar.
Todos sabem que o boçal carrega todas as características de um fascista au
grand complet: é racista, cruel, misógino, homofóbico, etc. Além do mais,
do outro lado está simplesmente Lula, um dos líderes mais queridos da história
do país.
Por isso,
Chico Buarque, Caetano Veloso, Gregório Duvivier, João Gordo, Martinho da
Vila, Marieta Severo, Zélia Duncan, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho, Antônio
Pitanga e até mesmo políticos conservadores como Marcelo Ramos, Arthur Virgílio
e José Aníbal estão convencidos da necessidade de eleger Lula em 2022, de
preferência no primeiro turno. O novo presidente da ABI, Octávio Costa; o
tucano Aloysio Nunes; o ex-governador do Maranhão, Flávio Dino, o ex-governador
de Alagoas Renan Filho; e o ex-deputado federal José Genoíno concordam que
nunca foi tão fácil escolher: de um lado está Bolsonaro, representando a
desigualdade, a miséria, o fascismo; do outro está Lula, representando
igualdade, a abundância, a democracia. Segundo a socióloga Esther Solano, “correr
o risco de Lula não ganhar é inimaginável. [...] É o Brasil que está em jogo,
minha vida, sua vida. Para mim, é Lula no primeiro turno [...] . Diante da
fome, [...] da dor, não tem muito mais especulação possível.” A professora e
filósofa Márcia Tiburi é enfática: “Quem fala em votar no Lula só no segundo
turno não tem dignidade.” No próprio PDT, partido do insistente Ciro Gomes,
muitos defendem o voto útil em Lula no primeiro turno, para que Bolsonaro tenha
menos chances de ensaiar algum golpe e seja varrido imeditamente para o esgoto
da História. A filósofa Viviane Mosé acrescenta que é preciso usar estratégias
para vencer a terceira guerra mundial, que é a da verdade contra a mentira. (Nos
últimos anos a mentira venceu algumas
batalhas no Brasil: Dilma sofreu um golpe, Lula foi preso, o Boçal Fascista foi
eleito num avassalador aluvião de fake news.)
Existe
uma tendência, forjada em décadas de propaganda, a que “ideias de
esquerda” sejam consideradas retrógradas; e que os que se aventuram
a aplicá-las sejam considerados sonhadores incompetentes, apegados a ideologias
cheirando a mofo. Esse é o discurso que sustenta o Capitalismo, que há décadas
se apresenta com os trajes do Neoliberalismo. Mas a verdade – como não custa
lembrar – é que a doutrina neoliberal é em si uma farsa, engendrada para tapar precariamente
o abismo a que o mundo fora levado em 1929 pelos realistas e competentes
capitalistas.
Depois do
famoso Crash da Bolsa, em 1929, os capitalistas ficaram mais cautelosos.
Afinal, muitas fortunas, frágeis e artificiais castelos construídos com papéis,
haviam desmoronado da noite para o dia. Mas a ambição, como o fascismo, está
sempre no cio; e, passadas algumas décadas, os financistas novamente começaram
a se alvoroçar e a pressionar os governos para dar mais liberdade ao “mercado”.
Foi – digamos – a segunda fase do Neoliberalismo,
que pôde espraiar-se mundo afora livremente, graças à dissolução da União
Soviética. O resultado seria uma absurda concentração de riqueza; e a crise financeira
de 2008. Mas o Neoliberalismo era a vanguarda do pensamento econômico;
se os fatos não endossavam a excelência da doutrina, pior para os fatos. Entretanto,
muitos economistas de alto nível, como os mundialmente conhecidos Joseph
Stiglitz e Paul Krugman, apontaram as falhas do projeto neoliberal, assim como
a resistência do mundo financeiro a reconhecer as dimensões e o significado da
catástrofe de 2008.
No
Brasil, se há economistas e comentaristas econômicos alinhados ao poder
econômico transnacional – adeptos, portanto, do fundamentalismo neoliberal –,
há felizmente muitos pensadores econômicos honestos e independentes; como por
exemplo Adriano Benayon, crítico feroz da falácia neoliberal, e um dos
primeiros a anunciar a formação da bolha financeira que estouraria em 2007-2008.
Mais de mil deles, como Luiz Gonzaga Belluzo e Leda Paulani, assinaram um
manifesto, lançado em 14 de junho de 2022, em apoio a Lula, considerado no
momento o único candidato em condições de tirar o Brasil do caos socioeconômico
a que foi levado pelo Boçal Fascista eleito em 2018. O manifesto diz que “o
governo de Jair Bolsonaro implantou um projeto autodestrutivo”, de “desmonte da
economia nacional”. Na verdade, o Boçal Fascista foi contratado para
completar o mais recente capítulo do processo de saqueio do Brasil, iniciado
com o golpe contra Dilma Roussef em 2016.
Também em
meados de junho de 2022, a Conferência por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
produziu um manifesto propondo o fim do Teto de Gastos (na prática, há muito
tempo superado por Bolsonaro, sobretudo por conta do “orçamento secreto” e da
gastança eleitoreira), a volta do Bolsa-Família, e a revisão da antirreforma
trabalhista, que resultou no empobrecimento do trabalhador formal e informal. O
manifesto defende ainda o fomento da agricultura familiar e orgânica, bem como
a retirada de subsídios ao agronegócio, o qual produz apenas para exportação e
enriquece meia-dúzia de latifundiários, num país em que 125,2 milhões de
pessoas vivem em situação de insegurança alimentar (incerteza sobre se
terão o que comer), das quais 33,1 milhões passam fome no mais estrito e cruel
sentido. Lembrando que em 2014, graças aos programas sociais, como o
Bolsa-Família, bem como aos milhões de empregos gerados pelos governos
petistas, o Brasil foi retirado pela ONU do chamado Mapa da Fome. A
mesma ONU, em relatório publicado em meados de maio de 2022, registrou que a
fome no mundo se agravara exatamente a partir de 2014! Ou seja: os governos
petistas (Lula e Dilma) haviam trabalhado, tanto quanto possível, no
contrafluxo da corrente neoliberal, que produzira desigualdade e fome em âmbito
mundial. Escreve Eduardo Moreira em seu livro Travessia:
Mostrei no meu último
livro, Economia do desejo: a farsa da tese neoliberal, como a tese [...]
de que o estímulo ao lucro e à competição resulta no melhor cenário para
consumidores e empresários [...] pode
ser incrivelmente sedutora do ponto de vista lógico. Mas mostrei também como os
resultados verificados se distanciam muito do que a tese é capaz de prever
[...]
Descrevi [...] o caso
da incrível agroindústria de leite e derivados de um assentamento do MST que
visitei no interior do Paraná, onde tudo funciona priorizando a cooperação com
outras cooperativas menores e condições justas de trabalho para os
funcionários. O lucro é muito mais uma consequência [...] do que uma
prioridade. Pensando assim, eles resistiram à maior crise do setor em décadas e
transformaram [...] uma pequena agroindústria em um modelo de eficiência [...].
Nenhum livro nas prateleiras dos banqueiros vai explicar como isso é possível.
As economistas
Tereza Campello e Sandra Brandão publicaram no conservador (e até bolsonarista) jornal
Folha de São Paulo, no início de junho de 2022:
Com Michel Temer e a
emenda constitucional 95, que congelou os gastos sociais, teve início o
desmonte da estratégia reconhecida pela ONU. O desemprego passou para a casa
dos dois dígitos desde 2016, e cresceu a parcela dos trabalhadores sem direitos
trabalhistas e com renda baixa e instável. A reforma trabalhista não produziu
mais emprego [como prometido], mas resultou em mais precariedade e insegurança.
A não correção dos benefícios do Bolsa-Família diminuiu sua capacidade de sustentar
a renda dessa parcela de brasileiras e brasileiros.
Com Jair Bolsonaro, o
desmonte foi aprofundado. [...]
Para superar a fome
novamente, o Brasil precisará voltar a crescer, é certo, mas precisará também
reconstruir e aprimorar políticas públicas.
Com o
Boçal Fascista, naturalmente, tudo piorou; porque ele conseguiu trazer o
Brasil, na prática, para o que os economistas chamam estagflação – uma
combinação nefasta de estagnação com inflação. Desemprego altíssimo,
precarização do trabalho, abandono das políticas sociais, entrega das riquezas
nacionais, estagnação econômica, inflação: foi a isso o que nos trouxe a
famigerada Ponte para o Futuro, projeto lesa-pátria que está na própria
origem do golpe contra Dilma. (O selo do desastre veio no dia 6 de julho de
2022, quando a ONU divulgou oficialmente que o Brasil havia sido novamente
incluído no Mapa da Fome.) De fato, a prisão ilegal de Lula foi o
segundo movimento dessa sinfonia sinistra, que previa retirar dos
brasileiros o Brasil e principalmente o futuro.
Bolsonaro é o terceiro e último movimento dessa sinfonia – ou ópera
bufa.
Em 31 de
maio o de 2022, foi lançado em São
Paulo, num evento que contou com a participação de inúmeros artistas, o Livro “Querido
Lula”, que reúne 46 das 25 mil cartas que Lula recebeu enquanto esteve
ilegalmente preso em Curitiba. Nesse período Lula recebeu também inúmeros
presentes e muitas visitas, dentre as quais: o sociólogo português Boaventura
de Souza Santos; o filósofo e linguista estadunidense Noam Chomsky; o cantor,
compositor e escritor Chico Buarque; o Nobel da Paz Perez Esquivel; o sociólogo
italiano Domenico De Masi; o ator e ativista estadunidense Danny Glover; o
escritor Fernando Morais; o economista Bresser Pereira; o teólogo e escritor Leonardo
Boff; o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica; a ex-presidente Dilma Roussef; e
– claro – muitas lideranças sociais e partidárias, como João Pedro Stédille
(MST), Guilherme Boulos (MTST), Gleisi Hoffman (PT), Fernando Haddad (PT),
Carlos Lupi (PDT), Vagner Freitas (CUT), etc. Lula também recebeu lideranças
religiosas, como a monja Cohen e Pai Caetano de Oxóssi, dentre outras.
A verdade
é que o ex-presidente Lula, apesar de toda a perseguição judicial e midiática,
jamais deixou de contar com o carinho e o respeito de grande parcela do povo
brasileiro. Também continuou sendo considerado mundo afora como um dos maiores
líderes do nosso tempo. (O jornalista Leonardo Attuch gracejou certa vez que,
se houvesse uma eleição para presidente do mundo, Lula ganharia. Acreditamos
que sim, até porque, além do prestígio e do carisma, ele certamente conta com
um dos menores índices de rejeição dentre todos os possíveis postulantes a um
hipotético cargo de presidente mundial...)
Expressão
de carinho e respeito foi a Vigília Lula Livre, coordenada
pela Frente Brasil Popular, formada por movimentos sociais como o Movimento dos
Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB); e por partidos progressistas, com natural
destaque para o Partido dos Trabalhadores (PT): diariamente dezenas de pessoas,
de todas as partes do Brasil, se reuniam nas proximidades do prédio da Polícia
Federal para gritar em coro, várias vezes, as saudações correspondentes ao
momento do dia: “Bom dia, presidente Lula!”; “Boa tarde, presidente Lula!”;
“Boa noite, presidente Lula!”. O ex-presidente confessou que, embora de sua
cela não pudesse ver os manifestantes, aquelas saudações lhe incutiram grande
energia moral. E, ao que se sabe, o caso é inédito na história mundial; assim
como, segundo a historiadora francesa Maud Chirio, organizadora do livro “Querido
Lula”, é inédito o caso de livro de cartas recebidas pelo prisioneiro,
porquanto o comum é a publicação de “cartas [...] escritas por líderes
encarcerados para o público”.
É um
curioso exercício imaginar se o Boçal Fascista, uma vez escorraçado do poder
pelo voto popular, e devidamente encarcerado, para pagar pelos seus muitos
crimes, receberá cartas, presentes e visitas. (Aliás, as redes sociais
publicaram muitos memes dando conta de que, enquanto o presidiário Lula
recebia celebridades brasileiras e estrangeiras, o Boçal Fascista, no cargo de
presidente, só conseguia posar ao lado de milicianos, de artistas de extrema
direita e de políticos do baixíssimo clero.)
Apesar de
boçal, o fascista sabe que seu destino é a cadeia. Por isso se empenha
tanto em tumultuar, colocar em dúvida o sistema de voto eletrônico, que o
elegeu sucessivas vezes por quase 30 anos. O seu desejo é melar as
eleições de alguma forma, de modo a obter uma prorrogação do mandato e a permanência
de suas imunidades. Talvez, nas profundezas asquerosas daquela mente malévola, ele
imagine que um improvável encadeamento de fatos lhe permita continuar como uma
espécie de presidente vitalício...
O sonho do
Boçal seria um pesadelo mundial. Por isso, jamais acontecerá. O embaixador
Celso Amorim declarou: “Nunca houve golpe no Brasil sem apoio da grande mídia,
da elite brasileira e dos Estados Unidos. Bolsonaro não tem nenhum dos três
elementos.”
É bem
verdade que a grande mídia, tradicionalmente representante do poder econômico,
nunca teve simpatia por Lula; é verdade, obviamente, que essa elite econômica
tampouco morre de amores pelo ex-metalúrgico; e é desnecessário dizer que os
Estados Unidos preferem líderes que funcionem como despachantes ou capatazes ao
sul do Equador. (O Boçal Fascista, se não fosse tão xucro e peçonhento – uma
espécie de Hitler degenerado –, seria o presidente brasileiro ideal para os
Estados Unidos.)
Entretanto,
a grande mídia, que começou a perseguir Lula já nos anos 70 e construiu a
narrativa mentirosa (em negrito, porque não há outro termo) que resultou
na sua prisão em 2018, já não parece tão determinada a demolir o ex e futuro
presidente. É bem verdade – mais uma vez – que a mídia corporativa gostaria de
um candidato de centro-direita, um fascista “limpinho e cheiroso”. Por isso,
acalentou durante algum tempo a quimera da “terceira via” (nem Lula, nem o
Boçal Fascista), e tentou a todo custo inflar a imagem de Sérgio Moro, o “juiz
ladrão” (segundo a irretocável definição
do deputado Glauber Braga). Mas não deu certo: o próprio ex-juiz, que
não decolava nas pesquisas, terminaria desistindo da candidatura à presidência,
e hoje tenta voo político mais modesto, lá no seu Paraná de origem. A motivação
de Moro, mais do que ambição política, é conquistar as famosas “imunidades
parlamentares” – para pelo menos adiar a prisão com que terá de pagar não só
pelos crimes cometidos no âmbito jurídico, em sua perseguição inquisitorial a
Lula, mas pela destruição que produziu na economia brasileira.
Mesmo a
famosa Faria Lima – a nossa Wall Street – parece contar os dias para ver pelas
costas o Boçal Fascista. O financista Marcelo Kayath reconhece: “O melhor
presidente para o mercado de capitais e para a Bolsa foi Lula. [...] O mercado
de capitais decolou. É verdade que ele se beneficiou do ciclo de commodities,
mas também há um ciclo hoje e o Brasil não tem se beneficiado.”
O
economista Paulo Nogueira Batista Júnior também concorda que Lula não é nenhum
bicho-papão para o poder econômico-financeiro, muito pelo contrário: “Lula nunca
foi hostil aos empresários e sempre foi ‘frente-amplista’.”
Lula foi
melhor em todos os sentidos. Eduardo Moreira traduz em números o sucesso dos
governos Lula, e, demonstrando que ninguém saiu perdendo, diz que só o ódio de
classe pode explicar que setores da elite e da classe média continuem avessos
ao ex e futuro presidente. (Leonel Brizola dizia que era odiado pela elite
exatamente porque ousara proporcionar aos pobres melhores condições de saúde,
alimentação e educação, com o projeto dos CIEPs.)
Enquanto
isso, o Boçal Fascista segue apresentando provas de que é exatamente o pior
presidente da História: incompetente, tosco, covarde, ignorante, machista,
racista, disseminador de ódio.
Em 24 de
maio de 2022, a polícia do governador bolsonarista Cláudio Castro (o famigerado
BOPE), associada às polícias Federal e Rodoviária Federal, promoveu o que
ficaria conhecido como Chacina da Vila Cruzeiro: 23 pessoas foram
executadas. Um ano antes, também no Rio de Janeiro, havia ocorrido uma operação
ainda mais letal, a Chacina do Jacarezinho: 29 mortos. (Os números podem
variar para mais, de acordo com as fontes.) O ativista André
Constantine, negro e favelado, diz que o Estado pratica o “genocídio” do povo
negro nas favelas, verdadeiros “campos de extermínio”. As chacinas se institucionalizaram
de tal forma, que viraram verbetes na Wikipédia. Na descrição do episódio da
Vila cruzeiro, consta que “em apenas um ano, ocorreram 39 chacinas no Estado,
deixando 182 mortos”.
A
truculência policial não foi invenção de Cláudio Castro ou mesmo do igualmente
fascista Wilson Witzel, o governador que sofreu impeachment e de quem Castro
era vice. Mas, com o Boçal Fascista no Planalto, a violência não só não foi
reprimida, como na verdade foi incentivada. Os assassinos e torturadores de
farda foram – para usar a palavra que nos últimos anos se enraizou no idioma – empoderados.
Tanto que o ridículo e farsesco empresário Luciano Hang (o “véio da Havan”),
tradicional aliado do Boçal Fascista, se sentiu à vontade para reproduzir piada
que andou circulando entre as hostes bolsonaristas: “O IBOPE aumenta o número
de eleitores de Lula, e o BOPE diminuiu.” (O instituto de pesquisas, de fato,
deixou de existir, em sua configuração tradicional, em 2021; mas não seria por
esse detalhe crono-institucional que os bolsonaristas iriam perder a piada.)
Nem havia
secado o sangue na Vila Cruzeiro, e no dia 25 de maio, na cidade de Umbaúba,
Sergipe, agentes da Polícia Rodoviária Federal detiveram o motoboy Genivaldo de
Jesus Santos, que estava sem capacete. Genivaldo foi colocado na mala da
viatura, onde morreu sufocado por spray de pimenta e gás lacrimogêneo. O Boçal
Fascista, que havia elogiado o comportamento dos policiais no massacre da Vila
Cruzeiro, tentou justificar a execução na câmara de gás e disse que a
imprensa está “sempre ao lado da bandidagem”.
No final
de maio de 2002, andaram circulando vídeos de uma certa Alfacon – escola de
preparação de policiais. Num dos vídeos, o policial rodoviário Ronaldo Bandeira
ensina exatamente como transformar uma viatura policial em uma “câmara de gás”.
Noutro vídeo, divulgado já em 2020, o ex-policial militar Norberto Florindo
Júnior diz que, nas favelas, “entrava chacinando”: matava “mãe, filho, bebê”. E
justificava: “Uma vagabunda criminosa só vai gerar o quê? Um vagabundinho
criminoso.”
Em tempo:
o Boçal Fascista, já no cargo de presidente, fez propaganda para a Alfacon –
uma espécie de versão doméstica e em ponto pequeno da famigerada Escola das
Américas (School of the Americas), criada pelos Estados Unidos na
década de 40 para ensinar a como dar golpes de Estado, praticar tortura e
outras amenidades. (A escola ganhou fama tão ruim, que hoje está hipocritamente
rebatizada como Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em
Segurança.) A familícia tem relações íntimas com a Alfacon: foi numa
visita à escola que Eduardo, filho do Boçal Fascista, fez a bravata de que
bastariam um cabo e um soldado para fechar o STF.
Em 5 de
junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Philips
foram dados como desaparecidos na amazônia. O governo federal nada fez para
agilizar as buscas; o Boçal Fascista estava em visita aos EUA, para participar
da Cúpula das Américas, e seria pelo menos incômodo se a notícia do assassinato
do jornalista e do indigenista explodisse na imprensa internacional exatamente
no momento em que se discutiam assuntos como genocídio indígena e desmatamento
– fenômenos inextricavelmente relacionados às mudanças climáticas que cada vez
mais assombram a humanidade nesse começo de século XXI. A notícia,
convenientemente, só sairia 11 dias depois, quando a IX Cúpula das Américas já
se havia encerrado. De volta ao Brasil, o Boçal Fascista, que já havia tentado
atribuir a culpa às vítimas, que teriam participado de uma “aventura”, dizendo
ainda que Dom Philips era “malvisto” pelos garimpeiros e madeireiros,
participou de uma de suas vexaminosas motociatas exatamente em Manaus – talvez
a capital mundial da emergência climática –, como que escarnecendo dos mortos,
da questão indígena, da questão ambiental.
O Boçal
Fascista, como se sabe, foi em grande parte construído pela mídia; que, a serviço
da “elite do atraso”, havia também, décadas antes, construído outro canditado “antissistema”,
que vinha para “revolucionar”: Fernando Collor, o “caçador de marajás”.
(Recentemente Collor protagonizou cena ridícula, ao gritar repetidas vezes, num
evento em Maceió, o nome do Boçal Fascista. Depois se soube que o BNDES decidiria
perdoar 70% da dívida do grupo Collor.)
Num país
com milhões de analfabetos (funcionais ou de fato) e milhões de pessoas com
problemas cognitivos relacionados à desnutrição na primeira infância (talvez as
principais preocupações do saudoso Brizola), é natural que as massas sejam
hipnotizadas pelas prestidigitações políticas e midiáticas. Elas não conseguem
entender certos problemas, não conseguem ir à essência das coisas. Mas todos
conseguem entender a canalhice, a desumanidade, a crueldade.
O núcleo
duro de apoiadores do Boçal Fascista (que gostamos de chamar de “fascistas
congênitos”) não se deixa impressionar pelas demonstrações de psicopatia dadas
pelo boçal. Eles o elegeram sabendo de todas as suas nefandas
características; talvez até por causa delas.
Mas os
eleitores menos convictos, que foram ludibriados pela mídia e pelas fake news
veiculadas pelas redes sociais – esses podem eventualmente ficar chocados com
certas atitudes do Boçal Fascista. Por exemplo: quando ele, no auge da pandemia
de Covid-19, imitou pacientes na agonia da falta de oxigênio (problema que
afetou particularmente Manaus, em razão da negligência criminosa do governo
federal), alguns eleitores entenderam que aquilo era a gota d’água: como o
presidente podia ser tão insensível, debochar daquela maneira do sofrimento
alheio?
Os
assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips tiveram
naturalmente efeito devastador, internacionalmente, na imagem há muito em
putrefação do Boçal Fascista. O núcleo duro, entretanto, não foi muito
afetado pelo caso; ele não está preocupado com índios, floresta, mudança
climática.
Até que,
no dia 10 de julho de 2022, em Foz do Iguaçu, o bolsonarista Jorge José
Guaranho invade a festa particular em que o militante petista Marcelo Arruda
comemorava seus 50 anos, e, depois de gritar “Aqui é Bolsonaro!” e “Luladrão!”,
mata a tiros o aniversariante.
O Boçal
Fascista, como não poderia deixar de ser, tentou negar o caráter político do
episódio, e resumir tudo a “uma briga entre duas pessoas”. Nos dias
subsequentes, procurou inclusive fazer contato com irmãos bolsonaristas da vítima,
na esperança de que eles, numa coletiva de imprensa, pudessem apresentar dos
fatos uma versão que não comprometesse o Psicopata do Planalto. Pamela Silva,
viúva de Marcelo, objetou: “Os irmãos de Marcelo não estavam na festa
[...]”
A História
tem desses turning points: aquele fato que dispara um gatilho, aquele
lance que dá nova configuração ao tabuleiro.
Depois do
assassinato de Marcelo Arruda, a popstar Anitta, que tem dezenas de
milhões de seguidores nas redes sociais, publicou no Twitter: “Eu havia falado
aqui nas redes que não apoiaria Lula nas eleições por querer algo novo [...]
Mas a postura extremamente agressiva e antidemocrática dessa gente não me deixa
outra opção. É ‘Lula-lá’... [...]” A cantora faz agora campanha para que Lula vença
no primeiro turno.
A
jornalista Hildegard Angel comentou o crescimento da candidatura Lula, agora anabolizada
(ou anittabolizada) pelo apoio da cantora de projeção internacional:
“É uma onda forte, um tsunami de amor ao Brasil [...] arrebatando todos nós.”
Um
tsunami, como previu Dilma Roussef, que não deixará pedra sobre pedra.