sábado, 8 de março de 2008

A nova Idade Média


Sebasatião Nery – T. Imprensa, 08 mar. 2008.

Renan (o francês, não meu amigo alagoano da praia do francês), Ernest Renan, escritor, historiador, ex-padre, autor dos clássicos "Vida de Jesus" (primeiro volume da "História das origens do cristianismo"), "O futuro da ciência", tinha pavor da Idade Média: "Um peso colossal de estupidez esmagou o espírito humano. A pavorosa aventura da Idade Media, essa interrupção de mil anos na história da civilização, vem menos dos bárbaros do que do triunfo do espírito dogmático nas massas".

Em 1992, Felipe Gonzalez, o mais talentoso e competente dos líderes espanhóis depois da ditadura de Franco, disse a Fernando Collor, em Madri, quando os dois eram presidentes, que o problema dos imigrantes estava levando a Europa a "levantar os muros de uma nova Idade Média".

Os muros

O brutal e desumano da barreira européia contra os imigrantes é que a Europa só é mais rica hoje porque colonizou, sugou e devastou esses mesmos povos que agora repele e rejeita. Durante séculos a Europa raspou a África, pilhou a Ásia, rapinou a América Latina, inclusive o Brasil, roubando-lhes as riquezas e martirizando seus povos.

Agora, querem impedir sua entrada lá. É dantesco o permanente espetáculo que se vê, a olho nu, no sul da Espanha, da França, da Itália, de uma África miserável, aidética e terminal, pedindo misericórdia e tentando atravessar o Mediterrâneo. E a Europa, velha colonialista, batendo-lhes as portas na cara. Eles vão chegando aos bandos, como magotes de animais, sem documentos, com documentos falsos, irregulares, desafiando a sorte. Antes, os muros da nova Idade Media eram só contra os africanos. Agora, são também contra os asiáticos, os latino-americanos. E o Brasil.

Espanha

Até contra o Brasil, e sobretudo, surpreendentemente, a Espanha. Logo ela, que nos últimos anos desembarcou aqui, ganhou até bancos, como o Banespa, criminosamente doado por Fernando Henrique ao Santander, e se apossa de enormes fatias de alguns dos mais importantes setores da economia nacional, como telefônicas, petróleo, estradas, energia.

A contrapartida da Espanha a essa crescente invasão está nas manchetes de TVs e jornais: "Chega a 15 o número de entradas negadas a brasileiros por dia, só no aeroporto de Barajas, em Madri" (452 no mês passado). E não se trata de quem queira ficar lá. É de quem, por força das rotas aéreas, se vê obrigado a fazer simples conexão para outros países. Desceu no aeroporto, passa dias preso, agredido, humilhado e deportado.

A situação chegou a tal ponto de inexplicável agressividade, que até experientes e serenos diplomatas, como o embaixador José Viegas e o cônsul geral Gelson Fonseca, já sugeriram ao Itamaraty e ao governo brasileiro que o Brasil comece a responder na mesma exata medida, impedindo a entrada de espanhóis em número igual ao dos nossos vetados. Que tal devolver funcionários espanhóis das empresas deles aqui?

Eleições

E ainda pode piorar. Amanhã, haverá eleição para o novo Congresso e a escolha do novo presidente (como é uma monarquia parlamentarista, o primeiro-ministro é o presidente). Se a direita, hoje oposição, ganhar, ela é ainda mais radical contra os imigrantes do que a esquerda agora no governo.

Se o Partido Socialista (PSOE) mantiver a maioria parlamentar, José Luiz Zapatero, que venceu em 2004, terá mais quatro anos de chefia do governo. Se vencer o PP (Partido Popular), assumirá Mariano Rajoy.

O PP, que governou oito anos com o ex-presidente Aznar, é o PSDB de Fernando Henrique. Aznar também saiu do Ministério da Fazenda (era funcionário), fingia de social-democrata, como Fernando Henrique, mas na verdade era, como é seu partido, da "direita sociológica e neoliberal".

O Partido Socialista também só é socialista no nome. Desde Felipe Gonzalez, que governou de 1982 a 96, o PSOE, ele sim, é social-democrata e, construindo a social-democracia, comandou a modernização da Espanha.

Províncias

Quem vai decidir as eleições de amanhã são as províncias. Elas cada dia mais brigam por suas autonomias. Já não falo da sangrenta luta da província basca, que há mais de três décadas sustenta uma guerra de atentados terroristas para conquistar a independência e separar-se da Espanha e por isso tem a esmagadora repulsa do país.

Falo da Catalunha, Andaluzia, Galícia, Saragoza e outras, que não desejam a separação mas querem aprofundar suas autonomias políticas e econômicas. E sobretudo a Catalunha, por ter história, cultura, língua, política e partidos mais diferenciados. E ter a incomparável Barcelona.

Catalunha

Em 2005, lá em Barcelona, vi o parlamento local, por grande maioria e com apoio de seu governo, aprovar uma emenda à Constituição, pondo seu orçamento separado do do país. Foi um terremoto. O rei, que pouco fala e quase sempre se cala, veio a público avisar que a unidade nacional é sagrada e ele, como chefe das Forças Armadas, é o fiador da Constituição.

O presidente socialista Zapatero conseguiu negociar a rebeldia catalã através do governo do partido socialista catalão, seu aliado. Amanhã, as províncias decidirão a eleição votando naquele partido que elas entenderem que lhes facilitará o maior aprofundamento das suas toleradas autonomias. E a nova Idade Média, não se iludam, continuará com um ou com outro.

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