segunda-feira, 17 de março de 2008

Nossa economia e o fim de um período

Argemiro Ferreira - Tribuna da Imprensa, 17 de março de 2008.




Apesar de continuar dedicado com diligência e civismo à campanha para derrubar o presidente Lula, "O Globo" ainda parece incapaz de impor a certos jornalistas, em suas páginas, a disciplina do "silêncio obsequioso". Pelo menos é esse o caso de Elio Gaspari, cuja coluna, sindicalizada, sai também na "Folha de S. Paulo" e em outros jornais da grande mídia do país, sempre com elevado índice de leitura.

Há um par de meses Gaspari divertiu-se com o caso - pitoresco e insólito, para dizer o mínimo - da operação de uma tropa de elite (um combinado de fiscais, peritos e policiais, sob o comando do secretário do Meio-Ambiente Carlos Minc) que subiu a encosta do morro Dois Irmãos e entrou na favela Chácara do Céu. Objetivo: deter "a espantosa expansão da favela sobre as matas".

Não se sabe se a operação era para atender ao jornal, que denunciava a ameaça dos bárbaros ao meio-ambiente e aos moradores do Alto Leblon, mas o governador Sérgio Cabral já se referira à Rocinha como "fábrica de marginais". Só se encontrou, no entanto, a obra de um puxadinho de 20 metros quadrados - sumariamente demolido pelas operosas autoridades, aproveitando a ausência do dono.

Caso de alucinação demofóbica

A expansão da favela, relatou Gaspari, fora produto de "alucinação demofóbica". Mas graças a ela descobriu-se meia dúzia de quadras de tênis de um condomínio do Alto Leblon, a 200 metros do alto da favela, e três piscinas. Tudo irregular, acima da chamada cota cem. O condomínio Quinta e Quintais anexara um pedaço da mata. Ou seja, "foram procurar a invasão do andar de baixo e acharam a do andar de cima".

Se volto ao assunto hoje, quase três meses depois, é porque a mesma coluna de Gaspari contou mais uma história exemplar no último domingo, com um paralelo entre o atual governo e o dos tucanos. Coisa que a gente não costuma ler no jornal dos irmãos Marinho. "O Globo" martela a tecla de que o crescimento econômico do Brasil no período Lula se deve às "condições internacionais" e à "herança de FHC", o governo atual foi apenas "beneficiário".


Qualquer pessoa de bom senso só pode dar gargalhadas ante a obsessão com que se repete a bobagem. Mas o colunista, desobrigado do "silêncio obsequioso" em relação à linha de "O Globo", sentiu-se à vontade para escrever que afinal chegamos ao fim do período, iniciado em 1930, durante o qual "a economia foi dirigida por pessoas que colocavam o crescimento econômico em segundo (ou terceiro) plano."

Como se livrar do mercado

Ao contrário do jornalão que o publica, para Gaspari o Brasil poderia ter saído do buraco antes se os tucanos não tivessem amarrado o país ao câmbio fixo, experiência que ruiu em 1999. Crescimento tinha virado palavrão. O ministro do desenvolvimento Clóvis Carvalho caiu em setembro daquele ano por ter ousado pedir que se pisasse no acelerador, se arriscasse mais. "Excesso de cautela a essa altura será covardia", dissera ele.

Gaspari vê a data de 27 de março de 2006 como outro marco - o fim do controle rígido da economia pela equipe econômica. Foi quando Lula avisou o ministro Palocci, "moído na crise da quebra de sigilo do caseiro Francenildo", de que devia deixar o governo. Palocci achou que imporia o mais próximo auxiliar, Murilo Portugal, como sucessor, a pretexto de que "qualquer outro seria mal recebido pelo mercado".

Pelo que entendi do relato, pode ter sido aquele o grande momento de estadista de Lula. Primeiro pelo recado a Palocci, que circulava entre os tucanos, blindado por eles (seus artigos frequentam até hoje a página de opinião de "O Globo"). Segundo, por aproveitar a oportunidade para bancar a mudança de rumo, com Guido Mantega, e ignorar a ameaça "do mercado".

Um Francenildo para Meireles

Nas múltiplas CPIs lançadas para desestabilizar o governo Lula a oposição tucano-pefelê poupava ostensivamente o ministro Palocci. Como se fosse o coringa a que recorreria no desdobramento da trama golpista. O caso Francenildo teve o efeito, paradoxalmente, de livrar o governo dele. Como conclui Gaspari, Murilo Portugal saiu batendo a porta e durante três dias o mercado fez terrorismo.

Mas foi só isso. Ou melhor, enfim desfez-se o encanto do tal de mercado. Francamente, incomodava-me aquele papel desempenhado por Palocci desde o princípio - de fiador do governo junto ao mercado Num almoço no Waldorf Astoria, em Nova York, testemunhei o que me pareceu o nascimento de estranho culto a um personagem medíocre. Por que diabo era o detentor da "confiança do mercado"?

Quando Palocci saiu quem se lembrava de Pedro Malan? O ministro de FHC, como o mexicano Carlos Salinas, cursou economia nos EUA e falava inglês (Salinas fez mais vantagem: integrou o Conselho da Dow Jones). Sem curso de economia e falando português, Palocci encantava a platéia no Waldorf Astoria e no Council on Foreign Affairs. Hoje é a vez de Mantega. Mas eu ficaria mais tranquilo se algum Francenildo nos livrasse de Henrique Meireles.

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