terça-feira, 1 de abril de 2008

Como os jornalões insistem em mentir



Argemiro Ferreira – T. Imprensa, 30 jan. 2008.


Leitores mais antigos desta coluna sabem do meu horror à coisa chamada "relações públicas" - conhecida ainda pelas iniciais RP (ou PR, do original em inglês "public relations"). A especialidade de alguns dos profissionais dedicados a tal atividade é mentir. Fiz referência num livro a Edward L. Bernays, celebrizado como pai das "relações públicas" e teórico da propaganda.

Entusiasta da manipulação da opinião pública, Bernays escreveu: "A manipulação consciente e inteligente das opiniões e hábitos organizados das massas é um elemento importante na sociedade democrática. Aqueles que manipulam esse mecanismo invisível da sociedade constituem um governo invisível, que é o verdadeiro poder governante de nosso país". [*]

Nascido na Áustria, ele se realizou nos EUA, para onde emigrara adolescente. Ali começou como "press agent" - que consiste em "plantar" notícia em jornais. Como o pai dele era irmão da mulher de Freud, dizia-se sobrinho do mestre da psicanálise. E passou a prestar serviços como estrategista de relações públicas de multinacionais (Procter & Gamble, GE, American Tobacco, United Fruit, etc).

United Fruit contra a Guatemala

Entre as façanhas de Bernays esteve a manipulação, pela United Fruit, de todo o noticiário sobre a crise da Guatemala em 1954. Preparou a opinião pública para a invasão do país, por mercenários da CIA, para depor o presidente eleito (Jacobo Arbenz). No livro "An american company - The tragedy of United Fruit", o fato foi contado mais tarde (1976) por Thomas McCann, discípulo dele na época.

O detalhe revelador só seria conhecido muito mais tarde, graças ao testemunho do jornalista Tad Szulc: durante a operação militar, a sede da United Fruit em Boston era praticamente a única fonte da mídia. Tudo o que foi publicado nos EUA e no mundo (e distribuído por agências como AP e UPI) vinha de Boston, dos escritórios da multinacional, à qual os jornalistas recorriam de hora em hora.

Lembro o episódio histórico para ressaltar a relevância da manipulação e da propaganda mediante técnicas de relações públicas sistematizadas por Bernays. Desde 1919 ele publicou livros sobre o tema. E hoje empresas de RP proliferam como praga pelo mundo, fazendo a mesma coisa. Entre elas uma certa Edelman, inventora do "Barômetro da Confiança" (Trust Barometer).

A Edelman e a mídia golpista

A Edelman se diz "a maior firma independente de relações públicas do mundo" (3.000 empregados, 51 escritórios no mundo). Richard Edelman, CEO e filho de seu fundador, recebeu da "Advertising Age" em 2007 o título de "Executivo do Ano". E um de seus subs é Tony Blankey, ex-editor do "Washington Times" (do reverendo Moon) e ex-relações públicas do ex-líder republicano Newt Gingrich.

Mas o que eu queria dizer da Edelman é que até essa firma de RP, que navega - e reina - no universo da mentira, às vezes tem escrúpulos. Por exemplo: confessa ser a pesquisa anual dela sobre a confiança em instituições, o tal "barômetro da confiança", apenas entre as camadas mais altas - os 25% da população com maior renda familiar. Por algum motivo, só a opinião da elite interessa à Edelman.

Como no Brasil a elite arrogante, totalmente fora de sintonia com o resto da população (75%), também acha que só interessa sua própria opinião (considera-se "o povo"), o jornalão dos jornalões, "O Globo", divulgou assim o resultado: "64% dos brasileiros consideram a mídia a mais confiável das instituições". Se a Edelman dissesse isso, já seria duvidoso. Mas nem a Edelman ousou mentir tanto.

A verdade, em Londres e no Rio

A Edelman falou em 64% daqueles 25% de maior renda familiar. Ou seja, os que confiam em jornalões como "O Globo", TVs como a Globo, revistas "Veja", "Época", etc., são só 15% da população. Atrás da mídia, diz a Edelman, estão empresas (61%), ONGs (51%), instituições religiosas (48%) e, em último lugar, governo (22%). A Edelman mente, mas a mentira dela tem limite. A de "O Globo" não.

O jornalão mentiu primeiro na coluna Ancelmo Gois, no último dia 24, sob o título (que nem jurado de concurso de fantasia elegeria pela originalidade) "Sorry, periferia". Não contentes com a nota, os irmãos Marinho deram no dia seguinte mais meia página, com o texto "Brasileiros confiam mais na mídia" e ainda um box sintetizando os dados fraudados (má fé? incompetência?) da Edelman.

O leitor que estiver interessado nos dados reais da pesquisa, deturpados pelas três matérias de "O Globo", pode ir ao website da Edelman e ouvir (com imagens do YouTube) a explicação do próprio representante da empresa, gravada dia 22 de janeiro em Londres.
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[*] A propósito, convém dar uma olhada em http://niteroi-niteroi.blogspot.com/

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