Nelson M. Mendes
O título pode parecer paradoxal: uma sombra que ilumina? Esperemos
que, ao final deste ensaio, a luz se tenha feito sobre a sombra. Ao leitor que não tenha ficado muito confortável diante deste cipoal de paradoxos e
jogos de palavras, direi apenas: confiai e tende esperança!
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A ilusão
Um amigo venezuelano, professor universitário e refinado
poeta, invejava a inocência animal. Gostaria de poder “morir como un perro”,
sem esperar nem temer a morte.
Em página da Internet dedicada à
chamada “terceira idade”, registram-se opiniões de algumas celebridades sobre o
envelhecimento: “uma merda”, para Débora Bloch; “uma loucura”, para Rita Lee;
“uma porcaria”, para Marília Gabriela. Mas a autora da matéria diz que as “pessoas
sempre lembram que a alternativa ao envelhecimento é morrer mais cedo. Isso
também ninguém quer”.
De
fato, o medo da morte sempre acompanhou o homem. O animal também teme
instintivamente a morte – mas só quando há perigo imediato. O animal não pensa na morte, não fica a cismar sobre
se há ou não algo depois que a vida se esvai do corpo físico. O sábio
Krishnamurti explica: “Desejamos saber se sobreviveremos porque temos medo da
morte. Queremos a garantia de uma continuidade.”
As múmias são exemplos da
patética aspiração humana por uma imortalidade corporal. Ao que tudo indica,
povos antigos realmente pretendiam, ao fazer embalsamamentos e encher as tumbas
de objetos úteis e joias, prover uma frankensteineana maneira de permitir à
pessoa o trânsito para o outro mundo. A ingenuidade estava evidente na crença
de que o morto pudesse vir a precisar dos pertences que usava em seu corpo
físico. Não se sabe se isso não era apenas uma medida simbólica, cerimonial;
nesse caso, os orgulhosos homens do século XXI nada poderiam falar, uma vez que
suas cerimônias estão carregadas de prosaicas simbologias.
O homem contemporâneo não mais
pratica a mumificação. Acha uma bobagem que antigos povos egípcios, andinos,
etc., preparassem os corpos para a viagem ao Além. Mas concebeu a criogenia
(sonho ainda irrealizável), na esperança de que pessoas padecendo hoje de
doenças incuráveis possam ser descongeladas no futuro, quando houver tratamento
para essas doenças. Aqui, mais até do que no caso das antigas mumificações,
manifesta-se de fato o desejo da imortalidade física.
A ciência trata de encontrar
novos tratamentos para doenças – incluindo procedimentos cirúrgicos radicais. A
engenharia genética e outros ramos da ciência médica buscam maneiras de
contrariar o natural envelhecimento das células. Se nada disso der certo, sempre
se podem providenciar órgãos artificiais e próteses biônicas. Os documentários
de TV falam, esperançosos e orgulhosos, da futura construção de corpos
meio-homem, meio-máquina. A palavra de ordem é retardar ao máximo o
envelhecimento; se possível, matar a morte.
A verdade
Em
sua maravilhosa autobiografia (um livro indispensável), Paramahansa Yogananda
registra uma explicação dada por seu ressurrecto mestre Sri Yuktéswar sobre a
morte: “Amigos de vidas passadas facilmente se reconhecem uns aos outros no
mundo astral. Rejubilando-se com caráter
imortal da amizade, eles experimentam a indestrutibilidade do amor, de que
tantas vezes se duvidou na hora das tristes e ilusórias separações na Terra.”
O encantador Ramana Maharshi
(uma espécie de São Francisco indiano) lembra que o problema é a identificação
com o corpo físico: “Você não é o corpo. Você é pura consciência. O Ser não se
move. Assim, mesmo depois do que pareça ser sua despedida daqui, você está aqui
como ali e em toda parte. Apenas cenários mudam.”
Ramana Maharshi propõe uma solução
aparentemente drástica (mas na verdade o destino inevitável de todos) para
afastar o medo da morte: “Mate o ego! Não há medo da morte para quem já está
morto. O Ser permanece depois da morte do ego.”
Krishnamurti faz sugestão
parecida: “Morrer significa morrer para todas as experiências, todos os laços;
é deixar de ser eu, ego. Quando a mente se liberta do
conhecido, não há mais medo à morte. A mente já não busca a imortalidade
pessoal.”
Passo
a palavra novamente a Paramahansa Yogananda. Ele cita a Bíblia: “Se um homem guardar a minha palavra (permanecer
ininterruptamente em Consciência Crística),
ele jamais conhecerá a morte. (João, 8:51).” E explica:
Nesta afirmação, Jesus não se
referia à vida imortal no corpo físico - um confinamento monótono com que
dificilmente se castigaria um pecador, e muito menos um santo! 0 homem
iluminado de quem Jesus falava é aquele que despertou do transe mortal da
ignorância para a Vida Eterna. A natureza essencial do homem é Espírito onipresente
e sem forma. 0 invólucro carnal, compulsório ou cármico, é o resultado de avídya,
ignorância. As Escrituras hindus ensinam que o nascimento e a morte são
manifestações de maya, ilusão cósmica.
Nascimento e morte só têm sentido
no mundo da relatividade.
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