terça-feira, 22 de agosto de 2017

Manual de Autoajuda do Iludido Político


Nelson M. Mendes


Uma observação sobre o título do texto: em determinados contextos, pode ser difícil definir se um termo é substantivo ou adjetivo. No título do presente texto, pode-se perfeitamente imaginar que “político” é o substantivo que nomeia o ser humano dedicado à prática da Política (vereador, deputado, etc.); nesse caso, estaríamos provavelmente falando de um nobre e idealista político que teria sido iludido por seus colegas, por uma doutrina ou até pelo próprio povo. Mas não: “político” é que é o adjetivo. O leitor deve estar atento a essa distinção; porque ela é uma questão substantiva (“substantiva”, aqui, é adjetivo).

Mas vamos ao texto.

Se você quiser continuar com seu ódio de classe, seus preconceitos, seu desprezo pelo pobre, seu desconhecimento da História, sua pretensão a sentar-se um dia à mesa principal da Casa-grande, fique à vontade. Mas não se sinta inteligente, informado, descolado. Você é (tomando-se emprestado trocadilho alheio) um “filho da pauta”: a pauta da grande mídia de aproveitar seu visceral egoísmo e sua recalcitrante ignorância para transformá-lo num feroz defensor de um sistema injusto e cruel. Você se sente muito “moderno”, “isento” e “científico” ao classificar de “ideologias retrógradas” qualquer proposta ou simples especulação que fuja ao pensamento único neoliberal. Você nem sabe o que é Neoliberalismo; mas foi ensinado pela grande mídia, pelos mercenários intelectuais (profissionais pagos para mentir em favor do poder econômico –chamados por Paul Krugman de “sicários da Plutocracia”) a achar que “não há alternativa” (M. Thatcher) ao atual sistema, e que qualquer outra coisa é “comunismo”, “bolivarianismo”, “populismo” ou até obscurantismo. Você também não sabe o que são essas coisas; mas o importante é que você foi doutrinado a odiar tudo isso.

Mesmo no miolo do Capitalismo, no mundo corporativo, os velhos conceitos de hierarquia, competitividade e controle autoritário dos trabalhadores estão sendo superados: a tendência é dar mais responsabilidade e liberdade a cada trabalhador, e colocar ênfase no homem, em vez de no lucro; e o mais interessante é que essa postura resulta até mais lucrativa! Portanto, você que defende furiosamente certas posturas senhoriais, que execra quaisquer medidas com o mínimo teor socializante ou humanista, que berra que “nossa bandeira jamais será vermelha” (música para uma elite que pouco se importa com você), que considera “ideologia retrógrada” tudo o que destoe do utilitarismo neoliberal, saiba que seu pensamento já é considerado anacrônico até mesmo entre aqueles que continuam professando os cânones básicos do Capitalismo. Você não é “moderninho”, esperto, “anticomunista”, “antibolivariano”: você é ignorante e desatualizado; um dinossauro acéfalo.

É você uma inocente vítima do Sistema? Nem tanto. O plano da Plutocracia só funciona por 3 motivos, frequentemente superpostos: você é ignorante (não lê, acredita na grande mídia); é egoísta (desconhece a empatia); e é ambicioso (sonha meramente com a ascensão pessoal). Num vídeo da Ana Roxo (disponível no Youtube) está dito: “Se você acha normal desigualdade social, criança subnutrida, o seu problema não é político; o seu problema é ruindade: você é uma pessoa ruim, má.” Você talvez não seja exatamente mau, talvez você se comova com as campanhas piegas e hipócritas que a mídia frequentemente faz contra a fome, o câncer infantil, etc. Dar esmolas miseráveis uma ou duas vezes por ano é uma antiquíssima receita que os mais bem-aquinhoados usam para aplacar a consciência em relação a hediondas injustiças sociais. Mas que ninguém ouse mexer no Sistema! Que ninguém ouse alterar a engrenagem que (aparentemente) garante suas vantagens econômicas e seu status social!

Você estaria ao lado dos escravagistas, que consideravam a Abolição uma perspectiva suicida; estaria ao lado da nobreza  irresponsável e perdulária que seria derrubada pela Revolução Francesa; estaria entre aqueles que promoviam a caça às bruxas na Europa medieval; estaria entre os que marcharam com Hitler e Mussolini; estaria entre os que participaram da “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade”, clamando pelo golpe plutomilitar destinado à implantação de um modelo econômico excludente; estaria entre os que se opuseram à redemocratização. Hoje você está entre os que apoiaram entusiasticamente o golpe vergonhoso de 2016 contra a Presidente Dilma.

A seu lado estão os latifundiários, os banqueiros, a imprensa corporativista, o Judiciário venal; e figuras deploráveis como Bolsonaro, Malafaia, Lobão, Alexandre Frota. Você jamais poderá citar Gandhi, Mandela, Luther King ou o nosso Tiradentes. Não poderá citar Muhammad Ali, campeão do box e das causas cívicas. Ou Leon Tolstoi, segundo o qual “os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer de suas costas”. Não poderá tampouco citar Noam Chomsky, Leonardo Boff, Chico Buarque, Boaventura Santos, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Josué de Castro, Zygmunt Bauman, Barbosa Lima Sobrinho, Alceu Amoroso Lima e muitos outros homens notáveis; porque todos eles sempre se colocaram contra as injustiças da ordem estabelecida – e você é exatamente um defensor da ordem estabelecida.


Você, portanto, não é “moderninho” nem “antenado”. Exatamente o contrário. São esses grandes homens, que procuram a mudança e pensam num mundo mais igualitário e feliz, que movem a História. Se a Humanidade dependesse de pessoas como você, ainda estaria nas cavernas, coletando frutos silvestres e caçando mamutes.

3 comentários:

Maithe disse...

vou até roubar sua ideia, se me permite, lógico !!

Nelson M. Mendes disse...

Fique à vontade. Ideias devem circular, para iluminar cantos escuros.

Unknown disse...

Compartilhando, com licença.