Nelson M. Mendes
Trata-se de dois perfis muito
comuns. (Diga-se, de saída, que “esquerdoente” nada tem a ver com o termo “esquerdopata”,
criado pelos analfascistas.) Os analfascistas, produzidos em massa pela Indústria Cultural, são obviamente muito
mais numerosos; e muito mais nefastos. Entre eles estão, por exemplo, os que
têm um ódio apriorístico por Lula. A eles passo a dirigir a palavra.
Vamos ser francos: você não
odeia Lula porque ele é “corrupto”. A mídia, juízes, procuradores e políticos,
todos comprometidos com uma proposta que só interessa aos grandes poderes
econômicos, procuram convencer o respeitável público da “corrupção” de Lula;
até greve de fome pela sua prisão procurador faz – o que motivou lícitos e
bem-humorados comentários nas redes sociais de que seria muito melhor encontrar
as provas dos crimes supostamente cometidos
por Lula.
Você odeia Lula porque as
classes dominantes (às quais você remotamente espera chegar um dia, pela
varinha de condão da “Meritocracia”) também o odeiam; e você foi doutrinado
para replicar o discurso da classe dominante.
Diga-me se estou mentindo:
você foi ensinado – pela mídia, pelos filmes, telenovelas, e também pelos seus
amigos e parentes – a desconfiar de tudo o que pudesse estar associado à ideia
de esquerda. Você, como grande
defensor de um sistema que torna possível que oito pessoas tenham tanta riqueza
quanto metade da população mundial, persegue ferozmente quaquer um que
represente o menor desvio em relação a esse sistema. É por isso que você odeia
os “comunistas”, os “populistas”, os que lutam pelo direito à terra e moradia (no
país da grilagem e da segregação imobiliária), os defensores dos direitos
humanos; e, de quebra (embora às vezes com vergonha de assumir),
odeia também negros, índios e quaisquer das chamadas “minorias” que, como dizia
aquele personagem da Escolinha do
Professor Raimundo, de Chico Anísio, “astravancam o pogréssio”.
Você prefere votar no
candidato fascista a votar no candidato que pense nas classes desfavorecidas –
porque isso é coisa de “comunista”.
Entenda: sistemas nascem,
crescem, envelhecem e morrem. Isso é verdade no mundo natural, como no universo
humano. Ou você nunca leu nada de História, nunca viu um documentário
científico?
O Capitalismo (que você,
“pobre de direita”, defende com unhas e dentes) já foi esquerda um dia.
Finalmente instalou-se, passou a representar a direita. Mas seu tempo passou.
Há muito é um doente que sobrevive por aparelhos.
Um desses aparelhos é
exatamente a chamada Indústria Cultural,
que é a responsável por fazer você odiar qualquer questionamento ao sistema.
Ressalte-se que a mera
mudança de sistema econômico ou regime politico pode não representar o
passaporte para o Paraíso. Platão já falava disso: Tal homem, tal Estado; os governos variam como variam os caracteres dos
homens [...] Como são encantadoras as pessoas! [...] Fazem experiências com a
legislação e acreditam que, por meio de reformas, terminarão com as
desonestidades e canalhices da espécie humana - sem perceberem que na realidade
estão desferindo golpes nas cabeças de uma hidra. Na verdade, muitos sábios
contemporâneos falam a mesma coisa: a mudança social (verdadeira, profunda,
profícua) terá que ser antecedida pela mudança pessoal. A qualidade da água de
um rio depende da qualidade das infinitas gotas que o formam.
A ilusão detectada por Platão
e tantos sábios é o que explica, em última instância, muitas tentativas
frustradas de instalar na Terra a Utopia. No século XX a utopia chamou-se “Comunismo”
– sistema que, como esclarecido no Manual de Autoajuda do Iludido Político II, de fato jamais foi implantado no
planeta, porquanto o sistema idealizado por Marx previa a posse pelo povo dos meios de produção, a ausência de
classes sociais e até do Estado. Do ensaio O ódio a Lula e a Fábrica de Zumbis, extraio a seguinte passagem: Os desatinos cometidos por governos
autoritários em regimes ditos “comunistas” (o Comunismo de verdade prevê até o
desaparecimento do Estado) em nada ajudaram na difusão da nova proposta. Quando
o ego avulta, leis e regimes importam muito pouco.
A Utopia falhou, mas o sonho
não morreu. Haverá sempre homens pensando em reformar a sociedade para combater
a injustiça e a desigualdade. Os grandes líderes que admiramos têm quase todos
esse perfil: de Gandhi a Mandela, de Luther King a Tiradentes. O próprio Jesus
Cristo não deixou de ser um reformador social, embora tivesse deixado bem claro
que meu Reino não é deste mundo.
Esses grandes homens
certamente não desconheciam o fenômeno da hidra
platônica. Mas sentiam que precisavam tentar. Como ignorar a miséria, o
sofrimento, a fome?
Hoje há muitos viúvos da Utopia. São todos
genericamente considerados de esquerda
– e o são, realmente. Mas há muitas variantes ideológicas e comportamentais. A
mais nobre e fecunda é a do esquerdista
esclarecido – aquele que coloca Marx, Platão, Gandhi e Cristo na mesma
sopa, temperada com pragmatismo, bom-senso e amor.
Para exemplificar: Chico
Alencar e Leonardo Boff.
Porém, há também aqueles que,
em nome de obsessões doutrinárias e sectarismos ideológicos, são capazes até de
se irmanar a coxapaneleiros, bolsuínos e analfascistas em geral na perseguição a Lula. São os esquerdoentes.
Não preciso exemplificar.
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