terça-feira, 27 de novembro de 2007

Horrores de uma "escola"


Argemiro Ferreira – T. Imprensa, 29 out. 2007.


Como já foi comentado nesta coluna, a escola do Pentágono que ensina tortura, atrocidades e golpismo a militares da América Latina continuará a existir pelo menos por mais um ano. A emenda proposta pelos deputados James McGovern e John Lewis, para cortar verbas e fazer morrer de inanição a infame Escola das Américas, que já mudou de nome mas continua a mesma, foi derrotada em junho por 11 votos (203 contra 214).

Devido aos crimes, contra a democracia e os direitos humanos, praticados por seus alunos no passado, o Pentágono percebeu a conveniência ao menos de rebatizar a instituição nefanda. Agora ela atende pelo nome de WHINSEC, Western Hemisphere Institute for Security Cooperation (Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação de Segurança), que tem duas vantagens para os EUA: 1. ninguém conhece ainda; 2. é grande e difícil de guardar.

O antigo, ao contrário, tinha a desvantagem de ser conspícuo demais - prontamente identificado no mundo inteiro. A School of the Americas (SOA) celebrizou-se porque ali se formaram alguns notórios ditadores, torturadores e criminosos da América Latina. Essa gente, ao retornar aos respectivos países, passa a conspirar contra a democracia e os interesses nacionais, e a favor dos senhores do império americano.

Uma galeria de diplomados

Criada a pretexto de ajudar a defender a segurança nacional dos EUA, como parte da Lei Autorização de Defesa Nacional (NDAA), a escola instalou seu primeiro centro de treinamento em 1946 na Zona do Canal de Panamá, então ocupada pelo Pentágono e onde também funcionava o Comando Sul. Despejada pelo novo tratado (Torrijos-Carter) do canal, transferiu-se em 1984 para Fort Benning, na Georgia.

Com mais de seis décadas de existência, ela já teve uns 60 mil alunos. A particularidade é a inclinação dos diplomados. São chegados a golpes militares, derrubada de presidentes, destruição de democracias, tomada do poder, violação dos direitos humanos, torturas e atrocidades variadas. Dali vieram, entre outros, ditadores como Leopoldo Galtieri e Roberto Viola, da Argentina; Manuel Noriega, do Panamá; e Hugo Bánzer, da Bolívia.

Como a maioria não chega à cúpula do poder, houve os que optaram por fundar esquadrões da morte para executar críticos de regimes militares - caso do major Roberto D'Aubuisson, de El Salvador, responsável pelo assassinato do bispo Oscar Romero E ainda os que ordenaram crimes hediondos, no papel de "homens fortes" de governos fracos - como o peruano Vladimiro Montesinos, sinistro homem forte nos mandatos de Fujimori.

Um manual de atrocidades

Vários países latino-americanos já suspenderam o envio de seus militares para cursos na Escola das Américas, cujos críticos no continente preferem chamar de "escola de assassinos", "escola de ditadores", "escola de torturadores", etc. A tendência nesse sentido cresceu depois de ser descoberto o conteúdo de um "manual" de atrocidades, contendo algumas das técnicas de tortura ensinadas aos alunos.

Os mais recentes presidentes que colocaram a execrável escola no seu Index foram o argentino Nestor Kirchner, em 2006, e o costarriquenho Oscar Arias, este ano. Na Bolívia, Evo Morales prometeu o mesmo para breve. O Uruguai anunciou há meses que continuará sua política, adotada anteriormente, de não mais enviar militares para treinamento na SOA/WHINSEC. E na Venezuela isso está suspenso desde 2004.

Dentro dos EUA existe há 17 anos um movimento para fechar definitivamente a escola, embora o Pentágono teime em mantê-la, convencido de que basta mudar o nome e prometer "reformas". Uma organização que se propõe mantê-la sob vigilância é a School of the Americas Watch (Vigilância sobre a SOA); funciona há algum tempo, criada pelo padre católico Roy Bourgeois, da Ordem Maryknoll, que teve missionárias assassinadas na década de 1980 pelo regime militar de El Salvador.

O "supervisor" Otto Reich

Uma das alegações do Pentágono para insistir em mantê-la é de que suas atividades hoje estão sob a supervisão de um conselho de "alto nível". É dúvidoso esse "nível", já que até há pouco tempo quem representava o Departamento de Estado nele era o cubano-americano Otto Reich, defenestrado da diplomacia por ter sido em 2002 um dos padrinhos da fracassada tentativa de golpe na Venezuela.

Outra alegação é de que agora a SOA/WHINSEC incluiu no currículo um "programa" sobre democracia, ética e direitos humanos. Na verdade isso foi inventado às carreiras devido à dura crítica no Congresso americano de que tais temas eram solenemente ignorados pelo Pentágono. Agora, alega-se, massacres como o de My Lai (Vietnã) e El Mozote (El Salvador) já são reconhecidos pelos "professores".

A votação de junho, na Câmara dos Deputados, a favor da emenda McGovern-Lewis, foi a mais elevada contra a escola, desde o início do esforço para fechá-la. Ante o risco de derrota, a máquina de relações públicas do Pentágono teve de ser mobilizada, conseguindo com pressões e promessa de recompensas mudar votos à última hora. Se apenas mais sete tivessem sido mantidos, a instituição afinal fecharia as portas.

Nenhum comentário: