domingo, 23 de dezembro de 2007

Se as favelas crescem, é porque os salários caem

Pedro do Coutto – T. Imprensa, 22 dez. 2007.


A série de reportagens de Fernanda Pontes, Luiz Ernesto Magalhães e Selma Schmidt, que "O Globo" vem publicando sobre o crescimento ininterrupto das favelas no Rio de Janeiro, incluindo invasões de espaços urbanos e desmatamentos, faz com que as pesquisas feitas pela tecnocracia sobre o argumento de renda proporcionado pelo trabalho humano sejam observadas com mais exatidão.

Pois é aparentemente contraditório que a massa salarial tenha feito grupos de renda muito baixa evoluir de uma faixa para outra acima, quando os padrões habitacionais desabam. A favelização ininterrupta não acontece por acaso ou por prazer dos habitantes que se envolvem em tal processo crítico. Ela avança aceleradamente porque - isso sim - as pessoas não possuem recursos para pagar aluguel e, muito menos ainda, para adquirir a casa própria.

Se pudessem pagar o aluguel cobrado pelo mercado, mesmo nas residências mais modestas, não iriam subir os morros. Sobretudo porque lá encontram os criminosos e uma violência latente que pode, da noite para o dia, atingir qualquer um. Os exemplos são infindáveis. Além disso, há os confrontos entre a PM e os traficantes que vêm deixando dezenas de vítimas inocentes pelos caminhos tortuosos, que são uma conseqüência da pobreza e, por isso mesmo, construídos por ela.

Os moradores não contam com água corrente tratada, sequer um sistema de esgotos. Os padrões de higiene, assim, são péssimos. A incidência de doenças sobe. A imunologia desce. Enfim, ninguém mora na favela porque deseja. A incidência de roubos, furtos, assaltos, vem aumentando na cidade. As estatísticas comprovam. A cada dez minutos, uma pessoa é assaltada. Se os que não residem em favelas sentem-se seriamente ameaçados, e não é para menos, que dirão aqueles que moram ao lado dos criminosos? Não podem sequer recorrer à polícia.

A polícia pode ir até ao alto do morro socorrê-los. Entra nas favelas, mas sai. Quando sai, as represálias começam. Isso é nível de vida? Não é. Portanto, a única explicação para que a população favelada cresça como está crescendo só pode ser encontrada numa impossibilidade de renda. E se assim é, como pode ser possível que os rendimentos do trabalho estejam subindo? A favelização tornou-se um sistema veloz e extremamente crítico. Em 1961, governo Carlos Lacerda, a população residente em favelas era de 300 mil pessoas, correspondendo a 10 por cento do total de habitantes da cidade.
Hoje, o Rio tem 6 milhões de habitantes: dois milhões, um terço, vivem em favelas. Algumas - como foi publicado pelo "Globo" de 19/12 - estão entrando pela Floresta da Tijuca adentro, desmatando a maior reserva florestal urbana do País e do mundo, situada no maciço Atlântico, entre o mar e a montanha. A pobreza e a carência habitacional estão devastando a verde paisagem de outrora.

A qualquer momento, casas rudimentares vão emergir da mata num processo inverso àquele que marcou os tempos da colonização. A Prefeitura do Rio e o governo do Estado não tomam a menor providência. Não conseguem barrar o êxodo que surpreende o século 21 em plena era da tecnologia. Talvez até não possam fazê-lo só pela rota policial. Tal processo, para ser contido, exige a convergência de várias políticas públicas.

A começar, como digo sempre, pelos salários e pelo emprego. O desemprego encontra-se na escala de 8,5 por cento sobre a mão-de-obra ativa, formada por 94 milhões de pessoas. Os salários não acompanham a inflação desde janeiro de 95. Verifica-se uma forte compressão social conduzindo a uma situação de desespero. Tal situação sinaliza para as favelas da omissão alimentadas pelo marketing, que se empenha em tentar substituir a lógica pela mágica. Não consegue.

Em matéria de política pública, publicidade alguma pode apagar os fatos. É possível através de um esquema publicitário iludir-se parte substancial da população. Sem dúvida. Mas por este caminho é impossível resolver os seus problemas. Eles vão se acumulando e se deslocando para as encostas da cidade, exatamente por serem os pontos mais vulneráveis à ocupação indevida e duplamente perigosa.

Perigosa para os que são obrigados a residir nos morros, perigosa para todos, especialmente para os que se encontram mais próximos. Vejam só os leitores o trágico episódio do Clube Federal, onde um menino de onze anos morreu em conseqüência de um tiro talvez sem direção. Veja-se também, como Helio Fernandes comentou nas edições de terça e quarta-feiras desta TRIBUNA DA IMPRENSA, a insegurança que ronda ameaçadoramente os moradores das ruas Timóteo da Costa e Sambaíba, Alto Leblon.

Os moradores já dirigiram diversos apelos às autoridades. Como resposta, ouviram os estampidos e estilhaços causados por balas que atingiram seus apartamentos. Os repórteres Luiz Ernesto Magalhães, Fernanda Pontes e Selma Schmidt acentuaram, quarta-feira, que nada menos de 48 sítios favelados estão avançando pela Floresta da Tijuca.

Onde irão parar tais invasões? Hoje estão próximos dos limites urbanos. Amanhã poderão chegar às áreas dos condomínios. O panorama é dos mais preocupantes.

Terrível.

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