Joseph Stiglitz
[Encontrado originalmente em O Globo de 12 de julho de 2011 e capturado digitalmente em: http://juniordeleca.blogspot.com/2011/07/joseph-stiglitz-crise-ideologica-do.html ]
"Nada foi absorvido da recente crise financeira que mostrou a necessidade de maior igualdade, regulamentação mais forte e melhor equilíbrio entre mercado e governo", constata Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 09-07-2011.
Eis o artigo.
Alguns anos atrás, uma ideologia poderosa - a crença em mercados livres e irrestritos - levou o mundo à beira da ruína. Mesmo em seu apogeu, do início dos anos 80 até 2007, o capitalismo desregulado ao estilo americano só trouxe um maior bem-estar material para os muito ricos dos países ricos do mundo. Aliás, no curso de sua ascendência ideológica de 30 anos, a maioria dos americanos sofreu um declínio ou estagnação da renda ano após ano.
De mais a mais, o crescimento da produção nos Estados Unidos não foi economicamente sustentável. Com tanta renda nacional americana indo para tão poucos, o crescimento só poderia continuar via o consumo financiado por um endividamento crescente.
Eu estava entre os que esperavam que, de algum modo, a crise financeira ensinaria aos americanos (e a outros) uma lição sobre a necessidade de maior igualdade, de uma regulamentação mais forte, e de um melhor equilíbrio entre mercado e governo. Pobre de mim, não foi o que ocorreu. Ao contrário, o ressurgimento de uma economia de direita, impelida, como sempre, por ideologia e interesses especiais, ameaça uma vez mais a economia global - ou, ao menos, as economias da Europa e dos Estados Unidos onde essas ideias continuam prosperando.
Nos Estados Unidos, esse ressurgimento da direita, cujos adeptos evidentemente tentam refutar as leis básicas da matemática e da economia, ameaça provocar um calote da dívida nacional. Se o Congresso ordenar gastos que excedam as receitas, haverá um déficit, e esse déficit tem de ser financiado. Em vez de pesar cuidadosamente os benefícios de cada programa de gastos do governo contra os custos de elevar impostos para financiar esses benefícios, a direita procura usar um malho - não permitir que a dívida nacional aumente obriga os gastos a se limitarem aos impostos.
Isso deixa em aberto a questão de quais gastos terão prioridade - e se os gastos para pagar juros da dívida nacional não entrarem nessa categoria, um calote será inevitável. De mais a mais, cortar gastos agora, no meio de uma crise acarretada pela ideologia do livre mercado, com certeza prolongará inevitavelmente a recessão.
Uma década atrás, em pleno boom econômico, os Estados Unidos enfrentaram um superávit tão grande que ameaçava eliminar a dívida nacional. Cortes de impostos e guerras insustentáveis, uma grande recessão, e a elevação dos custos do sistema de saúde - alimentados, em parte, pelo compromisso do governo de George W. Bush de dar carta branca para as companhias farmacêuticas estabelecerem seus preços, mesmo com dinheiro do governo em jogo - transformaram rapidamente um superávit enorme em déficits recordes em tempo de paz.
As soluções para o déficit americano decorrem imediatamente desse diagnóstico: colocar os EUA de novo para trabalhar com o estímulo da economia; acabar com as guerras insensatas; frear os custos militares e farmacêuticos; e elevar impostos, ao menos dos muito ricos. Mas a direita não fará nada disso, e está promovendo novos cortes de impostos para corporações e para os ricos, junto com cortes de gastos em investimentos e proteção social que colocam em perigo o futuro da economia americana e os farrapos que restam do contrato social.
Enquanto isso, o setor financeiro americano vem fazendo um lobby duro para se livrar de regulamentos, para poder voltar a seus modos desastrosamente irresponsáveis do passado.
Mas as coisas não estão muito melhores na Europa. No momento em que Grécia e outros enfrentam crises, o remédio da moda se limita a pacotes de austeridade ultrapassados e privatizações que meramente deixarão os países que os adotarem mais pobres e mais vulneráveis. Esse remédio falhou no Leste Asiático, na América Latina, e alhures, falhará na Europa desta vez, também. Aliás, ele já falhou na Irlanda, Letônia e Grécia.
Existe uma alternativa: uma estratégia de crescimento econômico sustentado pela União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. O crescimento restauraria a confiança de que a Grécia conseguiria saldar suas dívidas, causando uma queda nas taxas de juros e deixando mais margem de manobra fiscal para investimentos para fomentar o crescimento.
O crescimento em si alimenta a arrecadação de imposto de renda e reduz a necessidade de gastos sociais, como o seguro-desemprego. E a confiança que isso engendra promove ainda mais crescimento.Infelizmente, os mercados financeiros e os economistas de direita consideram o problema exatamente o inverso: eles acreditam que a austeridade produz confiança, e que a confiança produzirá crescimento.
Mas a austeridade mina o crescimento, agravando a situação fiscal do governo ou, ao menos, promovendo menos melhoras do que os defensores da austeridade prometem. Nos dois casos, a confiança é solapada, e uma espiral descendente é acionada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário