Rodrigo Vianna - dezembro de 2006
TEXTO
EDITADO. Versão integral, republicada em 01 e recolhida em 05 de
fevereiro de 2013:
Quando cheguei à TV
Globo, em 1995, eu tinha esperança de fazer jornalismo que sirva pra
transformar — ainda que de forma modesta e pontual. Infelizmente, está
difícil continuar cumprindo esse compromisso aqui na Globo. Por isso, estou
indo embora.
Agüentei doze anos. E
vou dizer: costumava contar a meus amigos que na Globo fazíamos – sim – bom
jornalismo. Havia, ao menos, um esforço nessa direção. Na última década, a cada
vez que me perguntavam sobre manipulação na Globo, eu costumava dizer: “olha,
isso é coisa do passado; esse tempo ficou pra trás”.
Infelizmente, a
cobertura das eleições de 2006 mostrou que eu havia me iludido.
O que vivemos
aqui entre setembro e outubro de 2006 não foi ficção. Aconteceu. Intervenção minuciosa em
nossos textos, entrevistas de candidatos escolhidas a dedo, por um personagem
quase mítico que paira sobre a Redação.
Tudo isso aconteceu. E
nem foi o pior.
Na reta final do
primeiro turno, os “aloprados do PT” aprontaram; e aloprados na chefia do
jornalismo global botaram por terra anos de esforço para construir um novo tipo
de trabalho aqui.
Ao lado de um grupo de
colegas, entrei na sala de nosso chefe em São Paulo, no dia 18 de setembro,
para reclamar da cobertura e pedir equilíbrio nas matérias: “por que não vamos
repercutir a matéria da “Istoé”, mostrando que a gênese dos sanguessugas
ocorreu sob os tucanos? Por que não vamos a Piracicaba, contar quem é Abel
Pereira? ”
Nenhuma resposta
convincente. E uma cobertura desastrosa. Será que acharam que ninguém ia
perceber?
Quando, no JN, chamavam
Gedimar e Valdebran de “petistas” e, ao mesmo tempo, falavam de Abel Pereira
como empresário ligado a um ex-ministro do “governo anterior”, acharam que
ninguém ia achar estranho?
Faltando seis dias para
o primeiro turno, o “petista” Humberto Costa foi indiciado pela PF. No caso dos
vampiros. O fato foi parar em manchete no JN, e isso era normal. O anormal é
que, no mesmo dia, esconderam o nome de Platão, ex-assessor do ministério na
época de Serra/Barjas Negri. Deve haver uma explicação psicanalítica para
jornalismo tão seletivo!
Ah, sim, Freud Godoy. O
cara pode ter muitos pecados. Mas, o que fizemos na véspera da eleição foi
incrível: matéria mostrando as “suspeitas”, e apontando o dedo para a sala onde
ele trabalhava, bem próximo à sala do presidente… A mensagem era clara. Mas,
quando a PF concluiu que não havia nada contra ele, o principal telejornal da
Globo silenciou antes da eleição.
Não vi matérias
mostrando as conexões de Platão com Serra, com os tucanos.
Também não vi (antes do
primeiro turno) reportagens mostrando quem era Abel Pereira, quem era Barjas
Negri, e quais eram as conexões deles com PSDB. Mas vi várias matérias
ressaltando os personagens petistas do escândalo. E, vejam: ninguém na Redação
queria poupar os petistas (eu cobri durante meses o caso Santo André; eram
matérias desfavoráveis a Lula e ao PT, nunca achei que não devêssemos fazer;
seria o fim da picada…).
O que pedíamos era
isonomia. Durante duas semanas, às vésperas do primeiro turno, a Globo de São
Paulo designou dois repórteres para acompanhar o caso dossiê: um em São Paulo,
outro em Cuiabá. Mas, nada de Piracicaba, nada de Barjas.!
Um colega nosso chegou a
produzir, de forma precária, por telefone, reportagem com perfil do Abel. Foi
editada, gerada para o Rio. Nunca foi ao ar!
Os telespectadores da
Globo nunca viram Serra e os tucanos entregando ambulâncias cercados pelos
deputados sanguessugas. Era o que estava na tal fita do “dossiê”. Outras TVs
mostraram o vídeo, a internet mostrou. A Globo, não. Provava alguma coisa
contra Serra? Não. Ele não era obrigado a saber das falcatruas de deputados do
baixo clero. Mas, por que demos o gabinete de Freud pertinho de Lula, e não
demos Serra com sanguessugas?
E o caso gravíssimo das
perguntas para o Serra? Ouvi, de pelo menos 3 pessoas diretamente envolvidas
com o SP-TV Segunda Edição, que aquele diretor teria mandado cortar todas as
perguntas “desagradáveis”. A equipe do jornal ficou atônita. Entrevistas com os
outros candidatos tinham sido duras, feitas com liberdade.E isso era um segredo de
polichinelo. Muita gente ouviu essa história pelos corredores…
E as fotos da grana dos
aloprados? Tínhamos que publicar? Claro. Mas não demos a história completa,
mostrando as circunstâncias em que o delegado vazara as fotos. Justiça seja
feita: sei que eles (repórter e produtor) queriam dar a matéria completa.
Podiam até proteger a fonte, mas escancarando o que são os bastidores de uma
campanha no Brasil. Isso seria fazer jornalismo, expor as entranhas do poder. Mais uma vez, fomos
seletivos: as fotos mostradas com estardalhaço. A fita do delegado, essa sumiu!
Aquele diretor, aquele
que controla cada palavra dos textos de política, disse que só tomou
conhecimento do conteúdo da fita no dia seguinte. Quer que a gente
acredite?
Por que nunca mostraram
o conteúdo da fita do delegado no JN? O JN levou um furo, foi
isso? Não. Furada foi a
cobertura da eleição. Infelizmente.
E, pra terminar, aquele
episódio lamentável do abaixo-assinado, depois das matérias da “CartaCapital”.
Respeito os colegas que assinaram. Alguns assinaram por medo, outros por
convicção. Mas, o fato é que foi um abaixo-assinado em defesa da Globo,
apresentado por chefes!
Pensem bem. Imaginem a
seguinte hipótese: a revista “Quatro Rodas” dá matéria falando mal da suspensão
de um carro da Volkswagen. Aí os diretores da Volks têm a brilhante idéia de
pedir aos metalúrgicos pra assinar um manifesto em defesa da empresa!
Mas, também, o que
esperar de uma Redação que é dirigida por alguém que defende a cobertura feita
pela Globo na época das Diretas?
Respeito a imensa
maioria dos colegas que ficam aqui. Tenho certeza que vão continuar se
esforçando pra fazer bom Jornalismo. Não será fácil a tarefa de vocês. Olhem no ar. Ouçam os
comentaristas. As poucas vozes dissonantes sumiram. Franklin Martins foi
afastado. Do Bom dia Brasil ao JG, temos um desfile de gente que está do mesmo
lado.
Mas sabem o que me
deixou preocupado mesmo? O texto do João Roberto Marinho depois das eleições.
Ele comemorou a reação
(dando a entender que foi absolutamente espontânea; será que disseram isso pra
ele? Será que não contaram a ele do mal-estar na Redação de São Paulo?) de
jornalistas em defesa da cobertura da Globo:
“(…)diante de calúnias e
infâmias, reagem, não com dúvidas ou incertezas, mas com repúdio e indignação.
Chamo isso de lealdade e confiança”.
Entendi. Ele comemora
que não haja dúvidas e incertezas… Faz sentido. Incerteza atrapalha fechamento
de jornal. E vejam o vocabulário: “lealdade e confiança”. Organizações ainda
hoje bem populares na Itália costumam usar esse jargão da “lealdade”.
Caro João, você talvez
nem saiba direito quem eu sou. Mas, gostaria de dizer a
você que lealdade devemos ter com princípios, e com a sociedade. A Globo,
infelizmente, não foi “leal” com o público. Nem com os jornalistas.Vai pagar o
preço por isso. É saudável que pague. Em nome da democracia!
João, da família
Marinho, disse mais no brilhante comunicado interno:
“Pude ter certeza
absoluta de que os colaboradores da Rede Globo sabem que podem e devem
discordar das decisões editoriais no trabalho cotidiano que levam à feitura de
nossos telejornais, porque o bom jornalismo é sempre resultado de muitas
cabeças pensando”.
Caro João, em que
planeta você vive? Várias cabeças? Nunca,
nem na ditadura (dizem-me os companheiros mais antigos) tivemos na Globo um jornalismo tão
centralizado, a tal ponto que os
repórteres trabalham mais como bonecos de ventríloquos, especialmente na
cobertura política!
Cumpro agora um dever de
lealdade: informo-lhe que, passadas as eleições, quem discordou da linha
editorial da casa foi posto na “geladeira”. Foi lamentável, caro João. Você
devia saber como anda o ânimo da Redação – especialmente em São Paulo. Boa parte dos seus
“colaboradores” (vocabulário ideológico dos consultores e tecnocratas) está
triste e ressabiada com o que se passou.
Mas, isso tudo tem pouca
importância.
Grave mesmo é a tela da
Globo – no Jornalismo, especialmente – não refletir a diversidade social e
política brasileira. Nos anos 90, houve um ensaio, um movimento em direção à
pluralidade. Já abortado. Será que a opção é consciente?
Isso me lembra a Igreja
Católica, que sob Ratzinger preferiu expurgar o braço progressista. Fez uma
opção deliberada: preferiram ficar menores, porém mais coesos ideologicamente.
Foi essa a opção de Ratzinger. Será essa a opção dos Marinho?
Quando entrei na TV, em
95, lá na antiga sede da praça Marechal, havia um ambiente mais caseiro, menos
pomposo. Havia bares sujos, pessoas simples circulando em volta de todos nós –
nas ruas, no Metrô, na padaria. A caminhada pelas calçadas do centro da cidade
obrigava-nos a um salutar contato com a desigualdade brasileira.
Hoje, quando olho pra
nossa Redação aqui na Berrini, tenho a impressão que estou numa agência de
publicidade. Ambiente asséptico, higienizado. Confortável, é verdade.
Mas triste, quase desumano.
Mas, há as pessoas.
Essas valem a pena.
Pra quem conseguiu
chegar até o fim dessa longa carta, preciso dizer duas coisas…
1) Sinto-me aliviado por
ficar longe de determinados personagens, pretensiosos e arrogantes, que exigem
“lealdade”; parecem “poderosos chefões” falando com seus seguidores… Se
depender de mim, como aconteceu na eleição, vão ficar falando sozinhos.
2) Mas, de meus colegas,
da imensa maioria, vou sentir saudades.
Bem, pelo tom um tanto ácido
dessa carta pode não parecer. Mas levo muita coisa boa daqui.
Perdi cabelos e ilusões.
Mas, não a esperança.
Um beijo a todos.
Rodrigo Vianna
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