terça-feira, 29 de janeiro de 2013

EUA: um registro raro e cruel



Jimmy Carter (The New York Times)

TEXTO EDITADO. Versão integral, publicada em 28 de janeiro de 2013:

Revelações de que altos funcionários do governo dos Estados Unidos decidem quem será assassinado em países distantes, inclusive cidadãos norte-americanos, são a prova das violações de direitos humanos cometidas pelos EUA.

Esse desenvolvimento começou depois de 11/9/2001; e tem sido autorizado por atos do executivo e do legislativo, sem  protesto popular. Resultado disso, os EUA já não podem falar, com autoridade moral, sobre esses temas cruciais.

Sob liderança dos EUA, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adotada em 1948, como “fundamento da liberdade, justiça e paz no mundo”. Aquele compromisso fixava direitos iguais para todos, à vida, à liberdade, à segurança pessoal, igual proteção legal e liberdade para todos, com o fim da tortura, da detenção arbitrária e do exílio forçado.

É gravemente preocupante que, em vez de fortalecer esses princípios, as políticas de contraterrorismo dos EUA vivam hoje de claramente violar, pelo menos, 10 dos 30 artigos daquela Declaração, inclusive a proibição de qualquer prática de “castigo cruel, desumano ou tratamento degradante.”

FORA DA LEI

Legislação recente legalizou o direito do presidente dos EUA manter pessoas sob detenção sem fim, no caso de haver suspeita de ligação com organizações terroristas ou “forças associadas” fora do território dos EUA. (A aplicação da lei está hoje bloqueada, suspensa por sentença de um(a) juiz(a) federal). Essa lei agride o direito à livre manifestação e o direito à presunção de inocência, protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Além de cidadãos dos EUA assassinados em terra estrangeira ou tornados alvos de detenção sem prazo e sem acusação clara, leis mais recentes suspenderam direitos de privacidade, legalizando a prática de gravações clandestinas e de invasão das comunicações eletrônicas. Outras leis autorizam a prender indivíduos pela aparência, modo de trajar, locais de culto e grupos de convivência social.

Qualquer pessoa assassinada por aviões-robôs (drones)  é automaticamente declarada inimigo terrorista; os EUA já consideram normais e inevitáveis também as mortes que ocorram ‘em torno’ do ‘alvo’, mulheres e crianças inocentes, em muitos casos. Depois de mais de 30 ataques no Afeganistão, o presidente Hamid Karzai exigiu o fim desse tipo de ataque.

Mas os ataques prosseguem em áreas do Paquistão, da Somália e do Iêmen, que sequer são zonas oficiais de guerra – todos eles aprovados e autorizados pelas mais altas autoridades do governo federal em Washington. Todos esses crimes seriam impensáveis há apenas alguns anos.

TERRORISMO

Altos funcionários da inteligência e oficiais militares afirmam que uso dos drones está empurrando famílias inteiras na direção das organizações terroristas; enfurece a população civil contra os norte-americanos; e autoriza governos antidemocráticosa usar os EUA como exemplo de nação violenta e agressora.

Simultaneamente, vivem hoje 169 prisioneiros na prisão norte-americana de Guantánamo, em Cuba. Metade já foram considerados livres de qualquer suspeita e poderiam deixar a prisão. Mas nada autoriza a esperar que consigam sair vivos de lá. Autoridades do governo dos EUA revelaram que vários prisioneiros foram torturados por torturadores a serviço do governo dos EUA. Espantosamente, o governo dos EUA alega que são práticas autorizadas por alguma espécie de ‘lei secreta’ indispensável para preservar alguma “segurança nacional”.

Muitos desses prisioneiros – como, noutros tempos, outros inocentes mantidos em campos de concentração na Europa – não têm qualquer esperança de algum dia receberem julgamento justo nem, sequer, de virem a saber de que crimes são acusados.

Os EUA deveriam estar lutando para fortalecer os princípios da justiça listados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A repetida violação de direitos humanos, pelo governo dos EUA e seus agentes em todo o mundo, só faz afastar dos EUA seus aliados tradicionais; e une, contra os EUA, inimigos históricos.

Como cidadãos norte-americanos preocupados, temos de convencer Washington a mudar de curso.

*Jimmy Carter é Prêmio Nobel e ex-presidente
dos EUA. Matéria enviada por Sergio Caldieri.
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