sexta-feira, 6 de abril de 2018

Por que as elites brasileiras odeiam Lula?


Rodrigo Perez Oliveira

Texto original em:


Texto editado / NMM:

Em terras sulistas, Lula foi hostilizado pela classe proprietária, pela elite da terra.

Como entender essa violência na política Brasileira?

Muitos falam em “fascismo”.

Mas prefiro seguir uma via interpretativa doméstica para uma interpretação do Brasil.

Por que as elites brasileiras odeiam Lula?

Nem de longe Lula foi um Presidente revolucionário. As elites brasileiras não perderam dinheiro nos governos de Lula.

De onde vem todo esse ódio?

Não tem nada a ver com fascismo.

O fascismo é moderno, é o desdobramento mais grotesco da modernidade.

O ódio a Lula é arcaico, deita suas raízes na lógica da Casa-Grande.

Não é fascismo não. É o Brasil mesmo.

Em pouco mais de uma década de bonança, nos enganamos, achando que o Brasil estava mudando, melhorando. Mudou não. Melhorou não. Tá igualzinho ao que sempre foi.

Não há como falar nessa atualização do “Brasil de sempre” sem dedicar alguma atenção à “instituição Lula”.

Lula é a maior instituição política da história do Brasil.

Mas o que significa essa instituição?

Há pouco tempo, escrevi que o lulismo, ao mesmo tempo em que catapultou o PT à chefia do Poder Executivo, representou o seu colapso ideológico.

É que o lulismo aposta na conciliação de classes e ao fazê-lo acaba negando o princípio da luta de classes, que é o núcleo da identidade ideológica de qualquer partido que pretenda estar à esquerda.

O lulismo achou que era possível “ajudar os pobres sem incomodar os de cima”, na certeira formulação de Marcelo Odebrecht.

No frigir dos ovos, seria possível distribuir renda sem contrariar os interesses dos grandes capitalistas.

Dinheiro no bolso do povão, expansão do crédito, incentivo ao consumo, bancarização das relações comerciais, investimento na exportação de commodities. Todo mundo saiu ganhando, ainda que uns tenham ganhado mais que outros.

A fórmula funcionou durante dez anos. O fator “Dilma Rousseff” foi o principal elemento de desestabilização do sistema.

Dilma tensionou com o rentismo na batalha dos spreads, tensionou com a classe política, quando acreditou que a “Operação Lava Jato” seria de fato republicana.

O golpe de 2016 não foi exatamente contra o lulismo. Foi contra o dilmismo.

Pela lógica racional do mercado, do Capitalismo, não há nenhum motivo para as elites brasileiras odiarem Lula.

Os donos de terra do sul do Brasil receberam muito dinheiro do governo federal durante a Era Lula. Lula tratou o agronegócio com muito carinho, com muito carinho mesmo.

De onde vem esse ódio? Por que os proprietários sulistas tentaram matar Lula? É por causa da corrupção?

Não, não tem nada a ver com corrupção. Há outros políticos notoriamente corruptos que não despertam o mesmo ódio. Nunca é demais lembrar que os mesmos que hoje odeiam Lula aplaudiram Eduardo Cunha e votaram em Aécio Neves. O problema dessas pessoas nunca foi a corrupção.

O ódio é arcaico, é de tipo antigo.

Lula é o nordestino, trabalhador manual, homem de berço plebeu que ousou governar.

Num país em que a política formal sempre foi assunto a ser tratado entre oligarcas, Lula representa o radicalismo, ainda que tenha sido bem tímido, talvez até um tanto conservador.

É que o radicalismo de Lula independe de suas ações. Lula é o próprio radicalismo, é o radicalismo em pessoa, não importa o que faça, não importa o que deixe de fazer, não importa o quanto tente conciliar.

Com aquela “alma de pobre”, com aquelas escorregadelas nas concordâncias e nos plurais, Lula jamais conseguirá conciliar por muito tempo, pois para conciliar carece antes de ser aceito como mediador. Precisa sentar à mesa.

O aristocrata não aceita sentar à mesa com o plebeu.

As elites brasileiras têm nojo de Lula, sempre tiveram. Mesmo ganhando dinheiro durante o governo Lula, elas continuaram sentindo nojo, odiando. É que para as elites brasileiras o mais importante não é, exatamente, o dinheiro. O mais importante é a distinção.

Não importa se o aquecimento do consumo é positivo para a cadeia produtiva. Quando a empregada usa o mesmo perfume que a patroa, quando o filho do porteiro começa a estudar na universidade, é o regime da distinção que está sendo abalado.

O ódio vem daqui.

É isso: não tem nada a ver com fascismo. O que explica a escalada de violência na política brasileira é o ódio de uma elite arcaica que goza com a distinção.

Não é fascismo. O fascismo é a tragédia da Europa moderna. Nossa tragédia é outra.

É a tragédia de uma sociedade de modernização incompleta, forjada no escravismo e controlada por uma elite historicamente comprometida com o atraso.

* Rodrigo Perez Oliveira é professor de Teoria da História da UFBA.


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