sexta-feira, 7 de junho de 2019

O "filósofo" e as narrativas


Aprendendo na carne sobre os novos tempos

DENIS R. BURGIERMAN
05/Jun 20h16 (atualizado 05/Jun 20h16)


Texto original:


Texto editado / NMM:



Eu já sabia que vivemos num mundo onde a verdade importa cada vez menos. Mas minha experiência com Olavo de Carvalho me fez aprender isso num nível mais profundo. Tenho estudado muito aquilo que alguns teóricos chamam de "desordem informacional". Esse fenômeno tomou o mundo na era das redes sociais e fez com que a verdade tenha simplesmente deixado de importar para o debate público – que se transformou numa guerra de narrativas, às vezes todas elas em algum grau fictícias. Tenho lido livros e pesquisas sobre o tema, entrevistado especialistas e vítimas da mentira, passo muito tempo pensando nisso. Mas uma coisa é estudar. Outra é aprender – na pele, na carne, na medula dos ossos. Foi o que aconteceu comigo quando, no começo deste ano, repórter que sou, aceitei um desafio da revista Época e me matriculei no curso online do escritor Olavo de Carvalho. Aceitei porque quero entender.
Fiz isso de maneira transparente. Matriculei-me com meu nome verdadeiro, com meu cartão de crédito, não escondi minhas intenções. Não era um trabalho de espionagem: era um trabalho de jornalismo, que é o que eu faço da vida. É simples: consiste em tentar entender algo o melhor possível e depois tentar explicar da maneira mais verdadeira e clara que eu consiga, cuidando para não deixar meus vieses interferirem.
 Como sempre faço antes de escrever sobre alguém, tentei entrevistar Olavo.. Nunca obtive nenhuma resposta. Olavo pegava trechos de minhas mensagens e publicava para seus muitos seguidores, acrescentando ofensas e teorias conspiratórias sobre minhas intenções. Olavo, pelo uso de linguagem ofensiva e sensacionalista, gera muita interação.
Depois que a reportagem foi publicada, ele ficou furioso e iniciou uma campanha de difamação contra mim, inventando uma reportagem fictícia que não escrevi e incitando o ódio a ela. Minha reportagem foi equilibrada – talvez até demais.. Mas, nos posts dele, fui retratado como um difamador esquerdista – e analfabeto – cujo único objetivo era destruí-lo. Seus seguidores responderam com fúria.
Minha história com o Olavo culminou com ele publicando o endereço de minha casa, me xingando e incitando seus seguidores a irem lá. Como jornalista que sou, prezo demais pela liberdade de expressão, mas nessa ele foi longe demais. A atitude ameaçadora me levou a prestar queixa na polícia e denunciá-lo ao Ministério Público. Independentemente do que decida a Justiça, me parece claro que ele ganhou. Eu escrevi uma reportagem de 30 páginas, que pouca gente leu nestes tempos dispersivos. Em troca, ele publicou centenas de posts inflamatórios, que se espalharam pelo mundo movidos a ultraje. No final, a versão dele – que só xingou e mentiu – influenciou mais o ambiente informacional que a minha – baseada em pesquisa e em um esforço enorme de buscar o equilíbrio. 

Não é uma história isolada. Está acontecendo por toda parte. Eu já havia notado que muita gente, como Olavo, está buscando o controle da narrativa e se nega a dar entrevistas para quem não é de dentro do grupo. Por exemplo, passei meses tentando entrevistar gente do MBL. Nunca ninguém quis sequer falar comigo.
O governo também evidentemente opera no controle das informações. Um caso gritante é o do ministro Osmar Terra, que não gostou do resultado de uma pesquisa científica sobre o uso de drogas e mandou censurá-la. A pesquisa é pura estatística, mas o ministro acusou-a de ser ideológica, porque os dados do mundo real não batem com a ideologia dele. Não está fácil ser jornalista ou cientista no mundo de hoje, mais ainda no Brasil. Profissionais treinados para buscar a verdade – e não para difundir narrativas e defender interesses – viraram inimigos de quem quer impor ideologia. E, pela própria natureza das redes sociais, suas ponderações e dados não têm chance contra os xingamentos e preconceitos de quem não quer a verdade. Precisamos de uma solução sistêmica para esse problema. E ela passa por encontrar formas de incentivar a busca de conhecimento, protegê-la das narrativas dominantes e proibir os poderosos de esconder a verdade.


Denis R. Burgierman  é jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. Foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, comandou a curadoria do TEDxAmazônia, e fez parte do time que criou o Greg News, primeiro comedy news da TV brasileira. Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras.



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