Por que a imprensa venal
é o câncer da Democracia?
Diario do Centro do Mundo 13 de junho de 2019
Texto original:
Texto editado / NMM:
A corrupção não é o grande problema. O
principal problema brasileiro é a desigualdade. Para mantê-la, os poderosos
iludem as massas, inclusive com a quimera da corrupção. Prestidigitação é isso.
Enquanto o mágico chama a atenção do público para detalhes sem importância, um
elefante se materializa no
fundo do palco.
Isso
eu escrevi em outubro de 2017 no ensaio “O lawfare que fere Lula”. Em muitos outros
textos eu enfatizei esse trabalho sórdido realizado por todos os “quatro
poderes” (a imprensa disputa o 4º posto com o MP) em prol da perpetuação da
hedionda injustiça social brasileira. Mas sempre soube que discursava no
deserto.
Agora que Glenn
Greenwald interceptou e revelou as putrefatas mentiras e torpezas relativas
ao lawfare contra Lula, o que deixou até os mais renitentes bolsonazistas e
analfascistas meio descadeirados, convém ler este excelente ensaio do sempre
atento sociólogo Jessé Souza.
NMM
No recente processo de desgaste da democracia brasileira, talvez tenha
sido a grande imprensa a serviço do capital financeiro quem tenha desempenhado
o papel principal. Uma democracia pode levar séculos para ser construída, mas
sua destruição é bem mais rápida e fácil quando não há uma tradição democrática
consolidada, como é o caso do Brasil.
Muita
gente teve de perder a vida por defender a liberdade de expressão, que é o
grande valor de uma imprensa livre. Por causa disso, impressiona e surpreende o
grau de venalidade e parcialidade da grande imprensa brasileira a partir de
2013. Afinal, parecia que o Brasil havia aprendido com os anos sombrios da
ditadura militar. Não foi o caso.
Além
disso, é burrice atacar a democracia se a atividade que você exerce sobrevive
graças às garantias que ela proporciona. Uma intervenção tópica, cirúrgica, com
base na mentira e na manipulação da informação é como um bumerangue. O
curto-prazismo é burrice.
Com o
ataque do governo Dilma Rousseff, em 2012, à política de juros escorchantes da
“dívida pública” – este grande esquema de corrupção legalizada para transferir
recursos da população aos rentistas –, a relação amistosa da elite com o
governo acaba. Ato contínuo, a imprensa, cujos donos não só vivem de anúncios
de bancos, mas também devem boa parte do patrimônio aos bancos e têm os
próprios ganhos multiplicados pela rapina rentista, aciona o modo de guerra
contra o governo petista.
As assim
chamadas “jornadas de junho de 2013” são a senha e a oportunidade esperada para
o ataque frontal. Ali, já tinha ficado claro que, se o partido popular não
fosse derrotado nas urnas, isso teria de ser feito em outro campo de batalha,
no qual a imprensa venal constituiria o exército mais letal. A derrota de 2014 levou
à radicalização da imprensa. Foi a partir dali que começou a campanha de
destruição, não apenas do PT, mas da tenra cultura democrática que havia se
desenvolvido no país.
A
associação com a Lava Jato – a verdadeira organização criminosa do Brasil
recente – e sua indústria de “delações premiadas” e vazamentos ilegais levou a
imprensa, sob o comando da Rede Globo, ao ataque a todos os princípios e as
crenças que possibilitam a vida dos direitos e do Direito. São essas garantias
jurídicas que permitem a vida democrática. Sem elas, o Direito se torna uma
arma política de quem detém o poder e tem mais dinheiro e influência.
Lembro-me do
jornalista Merval Pereira, por ocasião de um dos milhares de ataques ao
ex-presidente Lula, declarando que “vazamento ilegal sempre
existe”, que é “normal” e, portanto, não é um problema real. Banalizar e tratar
como “normal” vazamentos ilegais é fazer o mesmo com os ataques à presunção de
inocência de alguém, o que, em países com tradição democrática mais sólida,
teria levado o jornalista à prisão.
Esse tipo de ataque diário e repetido mina e corrói
por dentro as crenças democráticas enquanto tais. Elas terminam sendo
percebidas como “empecilho” à justiça e não como proteção universal aos desmandos
de moralistas de ocasião. Se juntarmos a isso a “coação das ruas”, que passou a
ser empreendida especialmente contra o STF como instância garantidora de
direitos fundamentais, pelo conluio da imprensa com a Lava Jato, então temos a
origem de todos os desmandos e de destruição das crenças fundamentais do acordo
– quase sempre implícito, mas ainda assim acordo – democrático.
A descrença recente na democracia e na política
começou aí. O outro dado fundamental foi a mentira alimentada publicamente de
que todos os problemas do país decorrem da corrupção política. É óbvio e
ululante que qualquer tipo de corrupção é recriminável e tem de ser punida, mas
a origem dos problemas brasileiros, como a pobreza de seu povo e a
desigualdade, não está apenas, nem mesmo principalmente, na corrupção política.
Só a sonegação de impostos das classes mais ricas – que a imprensa nunca
divulga – é pelo menos 500 vezes maior segundo os especialistas do Tax Justice
Network, da Inglaterra. Mas foi dito e repetido milhões de vezes ao povo
brasileiro que bastava afastar os supostos corruptos da política, ainda que por
meios espúrios, que se “limparia” o país de uma vez por todas.
Como isso não aconteceu, muito pelo contrário,
parte da população se convenceu de que era necessário não um xerife de toga,
mas de assassinos armados para “limpar” o país. É claro que estamos aqui no
mundo das representações conscientes, já que o que efetivamente moveu o ódio da
maioria dessas pessoas foi a reação classista e racista à anterior ascensão
social de pobres e negros e a diminuição da distância social com a classe média
e com a baixa classe média branca empobrecida – o “lixo branco brasileiro” que
compõe a maioria do exército bolsonarista. Mas o trabalho da imprensa permitiu
travestir esse ódio de classe com categorias morais, possibilitando sua
expressão como “protesto justo”. De outro modo, o ódio puro e racista dos
bolsonaristas não teria legitimidade de se expressar.
A grande imprensa venal, nas eleições de 2018,
sancionou, portanto, o bufão neofascista participando ativamente da fraude
eleitoral da “eleição sem debate”, montada por fake news e com doadores
invisíveis. Agora, ainda que existam resistências tópicas e envergonhadas ao “flato
humano” que ajudaram a eleger, a imprensa venal tende a tratar como “normal” o
neofascismo ao se abster de denunciá-lo e de esclarecer o público carente
quanto ao perigo que ele representa. Qualquer tipo de reconstrução democrática
no Brasil, demore o tempo que demorar, tem de se debruçar sobre a questão da
regulação pública de uma imprensa venal que se apresenta como neutra apenas
para melhor enganar e manipular seu público indefeso.
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