quarta-feira, 19 de junho de 2019

Imprensa venal - o câncer da Democracia


Por que a imprensa venal

é o câncer da Democracia?

Diario do Centro do Mundo   

Publicado originalmente no blog do autor
Texto original:

Texto editado / NMM:

A corrupção não é o grande problema. O principal problema brasileiro é a desigualdade. Para mantê-la, os poderosos iludem as massas, inclusive com a quimera da corrupção. Prestidigitação é isso. Enquanto o mágico chama a atenção do público para detalhes sem importância, um elefante se materializa no fundo do palco.
Isso eu escrevi em outubro de 2017 no ensaio “O lawfare que fere Lula”Em muitos outros textos eu enfatizei esse trabalho sórdido realizado por todos os “quatro poderes” (a imprensa disputa o 4º posto com o MP) em prol da perpetuação da hedionda injustiça social brasileira. Mas sempre soube que discursava no deserto.
Agora que Glenn Greenwald interceptou e revelou as putrefatas mentiras e torpezas relativas ao lawfare contra Lula, o que deixou até os mais renitentes bolsonazistas e analfascistas meio descadeirados, convém ler este excelente ensaio do sempre atento sociólogo Jessé Souza.
NMM





No recente processo de desgaste da democracia brasileira, talvez tenha sido a grande imprensa a serviço do capital financeiro quem tenha desempenhado o papel principal. Uma democracia pode levar séculos para ser construída, mas sua destruição é bem mais rápida e fácil quando não há uma tradição democrática consolidada, como é o caso do Brasil.

Muita gente teve de perder a vida por defender a liberdade de expressão, que é o grande valor de uma imprensa livre. Por causa disso, impressiona e surpreende o grau de venalidade e parcialidade da grande imprensa brasileira a partir de 2013. Afinal, parecia que o Brasil havia aprendido com os anos sombrios da ditadura militar. Não foi o caso.

Além disso, é burrice atacar a democracia se a atividade que você exerce sobrevive graças às garantias que ela proporciona. Uma intervenção tópica, cirúrgica, com base na mentira e na manipulação da informação é como um bumerangue. O curto-prazismo é burrice.

Com o ataque do governo Dilma Rousseff, em 2012, à política de juros escorchantes da “dívida pública” – este grande esquema de corrupção legalizada para transferir recursos da população aos rentistas –, a relação amistosa da elite com o governo acaba. Ato contínuo, a imprensa, cujos donos não só vivem de anúncios de bancos, mas também devem boa parte do patrimônio aos bancos e têm os próprios ganhos multiplicados pela rapina rentista, aciona o modo de guerra contra o governo petista.

As assim chamadas “jornadas de junho de 2013” são a senha e a oportunidade esperada para o ataque frontal. Ali, já tinha ficado claro que, se o partido popular não fosse derrotado nas urnas, isso teria de ser feito em outro campo de batalha, no qual a imprensa venal constituiria o exército mais letal. A derrota de 2014 levou à radicalização da imprensa. Foi a partir dali que começou a campanha de destruição, não apenas do PT, mas da tenra cultura democrática que havia se desenvolvido no país.

A associação com a Lava Jato – a verdadeira organização criminosa do Brasil recente – e sua indústria de “delações premiadas” e vazamentos ilegais levou a imprensa, sob o comando da Rede Globo, ao ataque a todos os princípios e as crenças que possibilitam a vida dos direitos e do Direito. São essas garantias jurídicas que permitem a vida democrática. Sem elas, o Direito se torna uma arma política de quem detém o poder e tem mais dinheiro e influência.

Lembro-me do jornalista Merval Pereira, por ocasião de um dos milhares de ataques ao ex-presidente Lula, declarando que “vazamento ilegal sempre existe”, que é “normal” e, portanto, não é um problema real. Banalizar e tratar como “normal” vazamentos ilegais é fazer o mesmo com os ataques à presunção de inocência de alguém, o que, em países com tradição democrática mais sólida, teria levado o jornalista à prisão.

Esse tipo de ataque diário e repetido mina e corrói por dentro as crenças democráticas enquanto tais. Elas terminam sendo percebidas como “empecilho” à justiça e não como proteção universal aos desmandos de moralistas de ocasião. Se juntarmos a isso a “coação das ruas”, que passou a ser empreendida especialmente contra o STF como instância garantidora de direitos fundamentais, pelo conluio da imprensa com a Lava Jato, então temos a origem de todos os desmandos e de destruição das crenças fundamentais do acordo – quase sempre implícito, mas ainda assim acordo – democrático.

A descrença recente na democracia e na política começou aí. O outro dado fundamental foi a mentira alimentada publicamente de que todos os problemas do país decorrem da corrupção política. É óbvio e ululante que qualquer tipo de corrupção é recriminável e tem de ser punida, mas a origem dos problemas brasileiros, como a pobreza de seu povo e a desigualdade, não está apenas, nem mesmo principalmente, na corrupção política. Só a sonegação de impostos das classes mais ricas – que a imprensa nunca divulga – é pelo menos 500 vezes maior segundo os especialistas do Tax Justice Network, da Inglaterra. Mas foi dito e repetido milhões de vezes ao povo brasileiro que bastava afastar os supostos corruptos da política, ainda que por meios espúrios, que se “limparia” o país de uma vez por todas.

Como isso não aconteceu, muito pelo contrário, parte da população se convenceu de que era necessário não um xerife de toga, mas de assassinos armados para “limpar” o país. É claro que estamos aqui no mundo das representações conscientes, já que o que efetivamente moveu o ódio da maioria dessas pessoas foi a reação classista e racista à anterior ascensão social de pobres e negros e a diminuição da distância social com a classe média e com a baixa classe média branca empobrecida – o “lixo branco brasileiro” que compõe a maioria do exército bolsonarista. Mas o trabalho da imprensa permitiu travestir esse ódio de classe com categorias morais, possibilitando sua expressão como “protesto justo”. De outro modo, o ódio puro e racista dos bolsonaristas não teria legitimidade de se expressar.

A grande imprensa venal, nas eleições de 2018, sancionou, portanto, o bufão neofascista participando ativamente da fraude eleitoral da “eleição sem debate”, montada por fake news e com doadores invisíveis. Agora, ainda que existam resistências tópicas e envergonhadas ao “flato humano” que ajudaram a eleger, a imprensa venal tende a tratar como “normal” o neofascismo ao se abster de denunciá-lo e de esclarecer o público carente quanto ao perigo que ele representa. Qualquer tipo de reconstrução democrática no Brasil, demore o tempo que demorar, tem de se debruçar sobre a questão da regulação pública de uma imprensa venal que se apresenta como neutra apenas para melhor enganar e manipular seu público indefeso.

Nenhum comentário: