sábado, 27 de julho de 2019

A Justiça vendida e a classe média ludibriada


Jessé Souza:

a Lava a Jato desqualificou a Justiça

Sociólogo explica em Paris o Brasil de Bolsonaro

Por Leneide Duarte-Plo
Texto original:

Texto editado / NMM:

Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, criou a expressão “sicários da Plutocracia” (mercenários) para designar aqueles vermes que, travestidos de jornalistas, ganham para mentir e ludibriar em favor do poder econômico – o Poder Real. Não preciso citar nomes; são em geral os principais ‘articulistas’, ‘comentaristas’ ‘analistas econômicos’ e editores dos maiores órgãos da mídia.
Por isso, fico feliz quando encontro matérias como esta, da Carta Maior, reproduzindo o pensamento desassombrado de homens que ousam dizer a verdade, na linha de saudosos intelectuais como Barbosa Lima Sobrinho, Darcy Ribeiro e Alceu Amoroso Lima, entre outros (felizmente).
Trata-se de um pensamento que eu próprio, nas redes sociais e aqui mesmo neste blog, tenho expressado frequentemente, e que é a seguir apresentado, com muito mais embasamento e propriedade, na forma de extratos de uma conferência dada pelo sociólogo Jessé Souza em Paris.
NMM



«Como se imbecilizou o povo a esse ponto para levá-lo a pensar que o problema do país é a corrupção política? O alfa e o ômega da história brasileira é criminalizar a soberania popular e os pobres e ter o Estado para os ricos.»

O sociólogo Jessé Souza vai
dar aulas na Sorbonne. O anúncio foi feito no final de sua conferência no Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine. O brasileiro foi apresentado pelo professor Gérard Wormser, diretor da revista Sens Public, que publicou recentemente o artigo de Jessé Souza «Bolsonaro, raciste en chef du Ku Klux Klan et des petits blancs du Brésil».

Souza apresentou o Brasil
dominado por um sistema racista de uma elite cínica, que manipula a classe média com uma falsa narrativa anticorrupção e, na verdade, usa o Estado para enriquecer. Diante desse governo, se debate uma esquerda sem bússola.

«A esquerda não tem nenhuma narrativa política para o Brasil, mas é arrogante pois pensa que tem. O Brasil tem uma esquerda sem as armas simbólicas para efetivamente criar uma narrativa que tenha uma direção para o futuro». Ele citou o sociólogo francês Pierre Bourdieu para explicar a violência simbólica da elite brasileira com o objetivo de dominar o imaginário da classe média.

Depois de resumir a história do Brasil, sua origem escravagista, Jessé desconstruiu o que ele chama de «mitos» caros a intelectuais que formaram várias gerações de brasileiros, como Sérgio Buarque de Hollanda.

«A transmissão cultural não se dá pelo sangue. A fraude de dizer que o Brasil vem de Portugal foi inculcada desde sempre. É a escravidão que estrutura a sociedade brasileira.
Todos os grandes pensadores repetiram e naturalizaram a mentira».

Para ele, o Brasil é até hoje marcado pela escravidão e suas consequências.

Bolsonaro, o mais corrupto entre os corruptos

«Jair Bolsonaro é fruto da Lava a Jato, cujo projeto era ganhar do PT por meios não-eleitorais. Antes era o projeto da UDN. Bolsonaro é o pior político que o Brasil já fabricou em 500 anos.


«Bolsonaro é
o ‘lixo branco’ – uma expressão dos Estados Unidos para designar o branco socialmente  inferior e que só tem a cor da pele como vantagem. Por conta disso, ele é o maior racista dos EUA. Nas famílias brancas do interior de São Paulo, o maior crime que você pode cometer é casar com um negro. Bolsonaro vem desse meio. A política de Bolsonaro é o holocausto de pobres e negros. Ele fala ao branco remediado pobre. Bolsonaro é a vingança deste lixo pobre branco sobre o negro e o pobre que melhorou de vida. Essa baixa classe média fascista existe no Brasil há cem anos. O movimento fascista brasileiro, o Integralismo, tinha 500 mil inscritos; é a mesma canalha que apoia o Bolsonaro.»

Segundo Jessé Souza, a imprensa é a aliada de sempre dos que querem manter os privilégios dos cem mil brasileiros que mandam no Brasil. Ela bombardeia a todos com a suas mentiras.

«A escravidão não é somente um processo de exploração econômica, mas a
humilhação cotidiana e desumanização do escravo. Nada define mais o Brasil e o brasileiro de classes dominantes do que o prazer em humilhar» Para o sociólogo, o brasileiro interiorizou a idéia de que somos emocionais, incapacitados à reflexão. Tentar destruir a auto-estima de um povo é a melhor maneira de mantê-lo subalterno.

«Como eu posso fazer a classe média servir aos meus interesses? É preciso imbecilizá-la e fazê-la agir contra seus próprios interesses de classe. É preciso conquistá-la pelas idéias. »

O racismo impediu os negros de terem acesso à educação e a uma vida digna depois da Lei Áurea.

A Lava a Jato
pode ser explicada pela tensão permanente entre os donos do poder e os interesses do povo.

Criminalização do PT, Lacerda foi o Moro de Getúlio

Segundo Jessé Souza, a ditadura maculou as Forças Armadas e a Lava Jato jogou descrédito sobre a Justiça brasileira.

«Qual o grande crime de Lula? Por que o canalha do Moro teve que construir crimes fictícios de Lula e esconder os crimes reais do sociólogo quase francês Fernando Henrique Cardoso? »

Segundo ele, a criminalização do PT vem do fato de Lula ter posto pobres e negros nas universidades.

«Passei 20 anos na minha vida sem ter um só estudante negro na minha sala. Hoje, o número de estudantes negros e pobres nas universidades é imenso. A universidade é o centro do conhecimento que querem manter como monopólio da classe média e dos ricos».

«A criminalização do povo e de seu representante começou em 1954, quando Getúlio foi vítima de uma trama das elites. Lacerda foi o Moro da época».

O crime de Getúlio, explica, foi incorporar o trabalhador nas benesses do mundo moderno. Ninguém provou que ele tinha roubado. Mas foi acuado e se matou. Depois fizeram a mesma campanha contra Jango, Lula e Dilma. O eterno pretexto da corrupção é um tema recorrente cada vez que a direita quer cooptar a classe média para defender os interesses das elites econômicas.

Quem fez dinheiro no Brasil fez à custa do Estado. A República Velha não mudou.

A seguir, outros trechos da conferência :

«Quais os dois princípios da República Velha que continuam até hoje? A elite econômica, cem mil pessoas quer o Estado para roubar, se apropriar dele. O povo, feito de imbecil, joga a culpa na política».

«Depois de 5 anos, a Lava a Jato recuperou 1 bilhão de dólares para os cofres públicos. Ora, somente a sonegação de impostos
 representa 520 bilhões de dólares.»

«Os juros brasileiros são onze vezes maiores que na França. É a transferência dos mais pobres para quem tem os títulos da dívida pública. Esse é o roubo do Brasil. Quem rouba no Brasil é a elite do dinheiro».

«O Brasil de verdade é o que abandonou os escravos nas cidades, sem acesso à terra, à
educação. Essa política atual é feita para matar negros e pobres. Foi montado um bastião racista branco para manipular a classe média. Eles dizem, não vamos eleger um ladrão do PT. Então elegem um homem que apoia torturador, assassinato, miliciano. E que é ladrão. Que moralismo da classe média é esse? O pecado do Brasil é que pobre e negro não podem ter nenhum avanço. Como num país superficialmente cristão é preciso negar o racismo, se inventa o combate à corrupção. O branco brasileiro é um canalha que se acha um ser moral».

«Para a elite, um povo humilhado, sem auto-estima, é fácil de ser manipulado. É bom para a elite brasileira e bom para a elite internacional, especialmente para os Estados Unidos, que usam a ideologia da superioridade para legitimar o saque das riquezas do Sul global.»

«O Brasil nunca pode se industrializar, pois os Estados Unidos vêm e montam um golpe de Estado. E isso é visto como normal, a maioria é indiferente ou apoia.»

«O Estado tem que ser criminalizado porque é a unica entidade forte o bastante para se contrapor ao mercado, controlar o mercado. Então é preciso criminalizar o Estado, criminalizar a política – o  que é no fundo criminalizar o povo, a soberania popular. O pensamento brasileiro vive da criminalização do povo e de todo representante popular, imediatamente acusado de populismo. O que vem do povo é ruim, quem representa o povo é ladrão e demagogo.»

«Esse pessoal branco que odeia negro e pobre é quem apoia esse regime do ódio. É preciso criar uma superfície de moralidade porque o canalha não pode ser visto como canalha. E então as pessoas que o apoiam se escandalizam com a corrupção política seletiva só de representantes do povo».

Um comentário:

Aníbal Bragança disse...

Nelson, que recorte bom você fez do texto da conferência do Jessé de Souza! Tudo lúcido, certeiro, verdadeiro. Parabéns!