Nelson M. Mendes
Esse é um nervo sensível: o
sistema vigente há séculos, o Capitalismo. Ele já se vestiu de Liberalismo. Depois
que o Liberalismo, um feixe de falácias que raramente funcionou, implodiu com a
crise de 1929, Hayek, Friedman, Mises et caterva se reuniram em Paris e confeccionaram
a nova indumentária: o Neoliberalismo.
Um dos nomes cogitados para a doutrina
de proveta foi “Liberalismo interventor”: o Crash da Bolsa, em
29, deixara claro que aquela história de “mão invisível do mercado” não
funcionava. Era preciso que o Estado (sim, o Estado) controlasse a ganância
irresponsável (eventualmente suicida) dos especuladores.
Ia tudo mais ou menos até o
começo dos anos 80. Até Reagan e Thatcher. Começou a haver um movimento para
tornar o Neoliberalismo mais liberal. Regras demais atrapalhavam o
crescimento, a produção de riqueza. “No regulations” passou a ser o mote. O
Estado – aquele mesmo Estado que salvou o Capitalismo tantas vezes – só atrapalhava.
“Greed is good” (a cobiça é boa).
Leonardo Boff, em artigo recente, lembra que esse é o lema de Wall Street; e eu
lembro que, nos manuais do Neoliberalismo, os operadores econômicos são estimulados
a desenvolver o “animal spirit” (espírito animal). Ou seja: o Neoliberalismo,
sobretudo depois de Reagan e Thatcher, é o uniforme que o Capitalismo usa para
ir à guerra.
É isso o que se espera do
século 21, da “Era de Aquário”?
E o que tem tudo isso tem a
ver com o Brasil?
Bem, a chamada “globalização”
é um fenômeno antigo; mas a palavra virou até moda a partir dos anos 80 do
século 20. Era preciso que não houvesse barreiras ao Neoliberalismo
liberalizado. “Greed is good.” Era preciso permitir que o Capital
Transnacional superasse as fronteiras nacionais.
O fantoche encarregado de
abrir as portas para o Capital Transnacional, no Brasil, foi Fernando Collor.
Assim como o atual chama-se Jair Bolsonaro.
Décadas de lavagem cerebral
haviam preparado o brasileiro para rejeitar qualquer coisa vagamente parecida
com Socialismo e acolher entusiasticamente todos aqueles temas: livre-mercado, globalização, privatização, Estado mínimo. Tudo aquilo era “modernidade”; o resto era
atraso.
O sociólogo “comunista” seria
o encarregado de manter entre nós a farsa neoliberal a gosto do Capital Transnacional.
Os governos petistas não mudaram a direção do ônibus; mas deram um pouco mais
de conforto aos passageiros mais pobres, alguns dos quais viajavam pendurados
do lado de fora. Foi o suficiente para que a primeira classe providenciasse a
demissão da motorista.
Depois que o motorista substituto,
fantoche por excelência, tornou pior a situação de todos e apontou o ônibus
para o abismo no breve período em que o dirigiu, os passageiros foram convocados
a cumprir o rito já previsto de escolher o novo motorista.
A lavagem cerebral funciona. No
Brasil, como em todo o mundo.
Com a queda do Muro de Berlim,
no final da década de 80 do século 20, caiu talvez a última barreira à expansão
do Neoliberalismo liberalizado. A riqueza até aumentou, mas
concentrou-se em cada vez menos mãos. Multidões empobreceram, mesmo nos países
ricos, centrais. Mas todos tinham sido devidamente doutrinados a acreditar nas
virtudes do Neoliberalismo. Quando a vida ficou muito ruim, o que fizeram?
Passaram a clamar por mudanças... na direção do Neoliberalismo.
Aqui no Brasil, onde muitos
nunca leram um livro e se informam pelo Jornal Nacional, a adesão às falácias
neoliberais foi imediata e profunda. Mesmo pessoas de certo nível cultural, mas
com altas doses daquele egoísmo basal que, juntamente com a ignorância, é
um dos componentes da personalidade do pequeno-fascista, adotaram sem
restrições o discurso neoliberal. (Lembrando – caso alguém esteja estranhando
alguma coisa – que o Neoliberalismo foi pela primeira vez ensaiado na Itália de
Mussolini.)
É o que explica a eleição do
Boçal Fascista. (Em maiúsculas, porque assim são escritos nomes e sobrenomes.)
O Capital Transnacional teria
preferido um boneco mais bonitinho e de melhores modos. Mas não era momento
para escolher muito. Havia o perigo de que um professor de Ciência Política e
doutor em Filosofia, representando o abominável Partido dos Trabalhadores,
ganhasse a eleição!
A lavagem cerebral funciona. E
funcionou a pleno vapor para que o fantoche fascista (não há contradição entre
os termos!) fosse eleito. (Claro que uma fraude judicial fora usada para
neutralizar o candidato original pelo PT, favorito absoluto nas pesquisas.) As pessoas
tinham sido ensinadas a odiar “a esquerda” e a amar o Neoliberalismo. Então, já
“imbecilizadas” (como gostam de dizer Milton Temer e Jessé Souza), acolheram
passivamente todas as absurdas, sujas e ridículas fake news engendradas contra
o PT; e começaram a tratar por “mito” o candidato sabidamente racista,
misógino, homofóbico, belicoso... e burro.
Mas eis que, com pouco mais de
um ano de um governo em que o filhote de Hitler tem tentado cumprir sua missão
de destruir o país em favor do Capital, surge o Coronavírus.
Por essa a burricada (coletivo
de burro) não esperava. O Capital não esperava. O boneco, de tão burro e tosco,
já não vinha desempenhando corretamente seu papel. A vida estava ruim para o
trabalhador; mas nem banqueiros e megaempresários estavam muito satisfeitos com
os resultados do trabalho sujo que haviam encomendado ao Boçal Fascista. E
agora um vírus para atrapalhar os negócios!
Boçal, ministros, filhos e
empresários zurram que não se pode parar a economia por causa de “uma gripezinha”.
Parte da burricada faz eco. Mas apenas a parte mais comprometida moral e
intelectualmente. A parte menos degenerada resolve ouvir os especialistas, a
Organização Mundial de Saúde, os intelectuais não comprometidos com o esforço
inútil para dar sobrevida a um sistema que – talvez – venha a ser abatido por
um vírus. E adere ao “isolamento social” – única maneira realmente eficaz de
evitar o contágio.
O que nem burricada, nem Boçal
nem Capital Transnacional imaginam é que é possível uma civilização sem
Capitalismo. E desejável!
Krishnamurti afirma que a
solução dos problemas humanos requer inteligência. Mas inteligência, segundo
ele, significa rejeitar guerras, preconceitos, radicalismos nacionalistas... Ou
seja: assumir que “greed is bad”, abandonar o “espírito animal”, deixar-se “cair
para cima”[1], de modo a encontrar a
empatia, a solidariedade, o amor.
Não é isso a Era de Aquário?
Cair para cima / deixar-se
amorosamente / levar ao céu / onde moram os sonhos /
e a sabedoria. / Mergulhar
os pés / no cálido oceano / que tudo permeia /
e de que somos todos parte.
/ Fundir-se na luz / que a tudo estrutura /
princípio e fim de tudo. /
Eis o que significa / retornar / à morada do coração.
NMM
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