Nelson.
M Mendes
Nós
estamos no mundo. Podemos dizer, com Descartes: “Penso, logo existo.” Ou:
“Sinto, logo existo." O fato é que temos consciência de que somos um bípede
inteligente que caminha pela superfície de um planeta que chamamos Terra, que
orbita uma estrela que chamamos Sol.
Isso é o
que pensamos e sentimos.
Na
verdade, o que pensamos e sentimos é que pisamos uma superfície sólida,
estática, e aparentemente infinita. A criança e o animal têm certeza disso.
Entretanto, a ciência nos informa que o planeta é finito, esférico e desloca-se
velozmente pelo espaço, enquanto rodopia em torno do próprio eixo (que também
varia ao longo de muitos e muitos milênios).
O que
pensamos e sentimos – portanto – pode nos iludir. Mas mesmo a ciência pode
iludir. Todas as ciências: humanas, biológicas, exatas... Essas
palavras vêm em itálico porque nem há muita certeza quanto à correção e à
legitimidade dessas categorias. Toda classificação, toda categorização é
arbitrária – dizem os profissionais da Ciência da Informação. A verdade é que o
homem vem há muito tempo esquadrinhando o Universo e dando nome às coisas. Como
se dar nome fosse conhecer.
Aqui, no
Ocidente, nós costumamos fazer referência frequentemente à chamada “filosofia
oriental”. Funciona assim: nós, representantes da sapiência contemporânea, e
cheios de certezas científicas, espiamos com curiosidade e complacência aqueles
maluquetes miseráveis que acreditam em coisas como Karma, Dharma
– e até em Deus.
Mas os
hinduístas têm um outro conceito que ajuda a explicar essa soberba ocidental: Maya,
que significa ilusão.
Surpresa:
não existe propriamente “filosofia oriental”. O que existe é Filosofia (com
maiúscula), que não é oriental, ocidental, de milhares anos antes de Cristo ou
do século XXI. A própria “filosofia ocidental” conviveu com a “oriental”:
Pitágoras, por exemplo, buscou iniciação na Índia; Platão, no Egito. E de onde
terá vindo a sabedoria que muitos buscavam na Índia, no Egito, no Tibet? Das
estrelas, talvez – de emissários alienígenas?
A Fonte é
uma só. Todos os sábios, filósofos e santos são canais.
Mas nesse
ponto precisamos parar para ouvir o que diz a Filosofia. Que não é ocidental,
oriental, pitagórica, platônica, budista, cristã, taoísta, cartesiana,
positivista, existencialista, da “Escola de Frankfurt” ou qualquer outra.
A
Filosofia diz que a Fonte se manifesta através de inúmeros raios. Tudo é
Um. O significado etimológico da palavra Universo é “o Uno
vertido”; o Uno desdobrado, manifestado na diversidade.
Esse Uno
é o que muitos chamam de Deus. Muitas pessoas aderem ao ateísmo porque não
conseguem engolir aquela ideia primitiva de Deus como um velho de barbas
brancas sentado num trono de nuvens e a disparar raios na cabeça dos pecadores.
Então a
ideia que está na base de todas as grandes escolas filosóficas e todas as
religiões (ainda que seus adeptos nem saibam disso) é essa: o Um se manifesta
na pluralidade. Isso quer dizer que nada é realmente separado de nada. O verme
do canteiro é parente do mais excelso ser, talvez revestido de um corpo
energético, da mais remota galáxia...
A
Filosofia descreve detalhadamente todo o processo. Mas não é necessário que o
leitor entre nessa densa floresta. Basta saber que o Um, a Fonte, manifesta-se
ou projeta-se na matéria; e que cada uma dessas individualidades provisórias
passa por todos os reinos da matéria: o mineral, o vegetal, o animal... e o
hominal.
Esse
raio ou partícula emanada do Um, depois de atravessar os reinos
mineral, vegetal e animal, torna-se gradativamente, ao revestir-se de um corpo
humano, um átomo da consciência divina. O destino da partícula,
ou centelha (o leitor pode ver que nomes importam pouco) é retornar à
Fonte, levando todo o conhecimento adquirido ao experimentar as dores e
prazeres do mundo material.
Nada do
que está sendo dito – reitere-se – é invenção ou delírio deste filósofo amador.
Esse saber está na base de todas as tradições espiritualistas,
de todas as religiões.
Então o
leitor já pode começar a entender que nada é por acaso; que dores e prazeres
são na verdade (as dores mais que os prazeres) nossos mestres; que não devemos
ficar infelizes por não sermos felizes.
Tenhamos
em mente: cada um de nós é um átomo da consciência divina. O corpo físico, o
intelecto, o ego – tudo isso é instrumento.
O conceito de Dharma (propagado pelo Hinduísmo, mas em verdade um dos
pilares da Filosofia sem nome, data ou local de nascimento), explica que cada
pessoa está num estágio da peregrinação rumo à Fonte; e que cada pessoa, por
isso, tem uma missão – o que é, em termos sumários, o significado de Dharma.
Karma, também em termos
sumários, significa aquela lei segundo a qual cada um colhe o que planta,
recebe os efeitos dos seus “pensamentos, palavras e obras”. A associação de Dharma
e Karma explica a vida de cada pessoa.
Há na
Bíblia uma passagem que se refere a este mundo como “vale de lágrimas”. Mas é
principalmente o rio formado com essas lágrimas que leva a alma ao oceano do
Espírito. Para dar sentido à metáfora, explicamos: o oceano, que abraça todos
os continentes e regula o clima do planeta, é a verdadeira fonte; é dele
que evapora a água que, sob forma de gotículas (individualidades), irá chover
sobre a terra e fluir por riachos e grandes rios.
Temos
todos a tendência natural a fugir do sofrimento e buscar o prazer e felicidade. É claro que o sofrimento não deve
ser cultivado, como fazem algumas pessoas de temperamento mórbido.Mas –
como foi dito acima –, o sofrimento não é exatamente uma coisa ruim. No
fundo, ou da perspectiva do Absoluto, tudo serve a um Grande Plano, tudo
converge para levar a Alma de volta a Casa, que é onde encontrará uma
felicidade que não consegue conceber nem nas suas mais exaltadas fantasias. Alguém
escreveu que, num dado momento, a pessoa atinará com o sentido desse Grande
Plano: “Compreendereis a finalidade oculta de todas as coisas; e abençoareis as
trevas como abençoais a luz.”
Portanto:
estamos no mundo. Caminhamos sobre a superfície do planeta. Temos um Karma
(débitos e créditos); e um Dharma (missão a cumprir).
“Desesperar,
jamais.” Devemos construir nossas vidas, estudar, trabalhar, ajudar os outros,
lutar contra as injustiças sociais. Tudo isso faz parte do Grande Plano. E,
assim que começarmos a sentir o apelo da Fonte, devemos deixar-nos atrair por
Ela, ou caminhar resolutamente para Ela.
Só um
último lembrete: você, que já está despertando, que já é mais que um simples
animal esperto e já tem noção de seu papel na Terra, não deve se preocupar em
aprender tudo, em realizar tudo. Pisando o solo com firmeza e cuidado, mas
orientando-se pelas estrelas, esteja consciente de que esta vida atual é apenas
uma das muitas que você viveu e viverá. Terá outras oportunidades para aprender
e até realizar seus desejos, sejam quais forem.
Sim,
estamos falando de reencarnação. O conceito fazia parte da doutrina cristã,
segundo alguns respeitáveis estudiosos (Paramahansa Yogananda, por exemplo); o
próprio Jesus faz algumas vezes referência à ideia de reencarnação. Mas, no ano
553, por pressão da mulher do imperador Justiniano, Teodora, que temia reencarnar
como escrava, o papa Virgílio decretou que não existia reencarnação. Coloco
esses detalhes prosaicos para que o leitor tenha a noção de como foram urdidos
certos dogmas que talvez o tenham oprimido desde a infância.
Então,
recapitulado: apenas a forma do que é aqui dito foi elaborada por este escriba
aprendiz e filósofo amador. O conteúdo não pertence a ele, a Jesus, a Buda, a
Platão, a Pitágoras, a Kant, Spinoza ou Walter Benjamin. Pertence à humanidade,
que é o estágio em que a Matéria se faz Espírito. Está em todas as Escrituras
(para quem sabe ler), foi expresso por todos os sábios de todas as épocas.
E é agora
modesta e carinhosamente expresso pelo escriba aprendiz. Porque essa é sua
missão, esse é o seu Dharma.
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