domingo, 15 de março de 2020

O Uno, o Verso, o Karma e o Dharma


Nelson. M Mendes

Nós estamos no mundo. Podemos dizer, com Descartes: “Penso, logo existo.” Ou: “Sinto, logo existo." O fato é que temos consciência de que somos um bípede inteligente que caminha pela superfície de um planeta que chamamos Terra, que orbita uma estrela que chamamos Sol.
Isso é o que pensamos e sentimos.
Na verdade, o que pensamos e sentimos é que pisamos uma superfície sólida, estática, e aparentemente infinita. A criança e o animal têm certeza disso. Entretanto, a ciência nos informa que o planeta é finito, esférico e desloca-se velozmente pelo espaço, enquanto rodopia em torno do próprio eixo (que também varia ao longo de muitos e muitos milênios).
O que pensamos e sentimos – portanto – pode nos iludir. Mas mesmo a ciência pode iludir. Todas as ciências: humanas, biológicas, exatas... Essas palavras vêm em itálico porque nem há muita certeza quanto à correção e à legitimidade dessas categorias. Toda classificação, toda categorização é arbitrária – dizem os profissionais da Ciência da Informação. A verdade é que o homem vem há muito tempo esquadrinhando o Universo e dando nome às coisas. Como se dar nome fosse conhecer.
Aqui, no Ocidente, nós costumamos fazer referência frequentemente à chamada “filosofia oriental”. Funciona assim: nós, representantes da sapiência contemporânea, e cheios de certezas científicas, espiamos com curiosidade e complacência aqueles maluquetes miseráveis que acreditam em coisas como Karma, Dharma – e até em Deus.
Mas os hinduístas têm um outro conceito que ajuda a explicar essa soberba ocidental: Maya, que significa ilusão.
Surpresa: não existe propriamente “filosofia oriental”. O que existe é Filosofia (com maiúscula), que não é oriental, ocidental, de milhares anos antes de Cristo ou do século XXI. A própria “filosofia ocidental” conviveu com a “oriental”: Pitágoras, por exemplo, buscou iniciação na Índia; Platão, no Egito. E de onde terá vindo a sabedoria que muitos buscavam na Índia, no Egito, no Tibet? Das estrelas, talvez – de emissários alienígenas?
A Fonte é uma só. Todos os sábios, filósofos e santos são canais.
Mas nesse ponto precisamos parar para ouvir o que diz a Filosofia. Que não é ocidental, oriental, pitagórica, platônica, budista, cristã, taoísta, cartesiana, positivista, existencialista, da “Escola de  Frankfurt” ou qualquer outra.
A Filosofia diz que a Fonte se manifesta através de inúmeros raios. Tudo é Um. O significado etimológico da palavra Universo é “o Uno vertido”; o Uno desdobrado, manifestado na diversidade.
Esse Uno é o que muitos chamam de Deus. Muitas pessoas aderem ao ateísmo porque não conseguem engolir aquela ideia primitiva de Deus como um velho de barbas brancas sentado num trono de nuvens e a disparar raios na cabeça dos pecadores.
Então a ideia que está na base de todas as grandes escolas filosóficas e todas as religiões (ainda que seus adeptos nem saibam disso) é essa: o Um se manifesta na pluralidade. Isso quer dizer que nada é realmente separado de nada. O verme do canteiro é parente do mais excelso ser, talvez revestido de um corpo energético,  da mais remota galáxia...
A Filosofia descreve detalhadamente todo o processo. Mas não é necessário que o leitor entre nessa densa floresta. Basta saber que o Um, a Fonte, manifesta-se ou projeta-se na matéria; e que cada uma dessas individualidades provisórias passa por todos os reinos da matéria: o mineral, o vegetal, o animal... e o hominal.
Esse raio ou partícula emanada do Um, depois de atravessar os reinos mineral, vegetal e animal, torna-se gradativamente, ao revestir-se de um corpo humano, um átomo da consciência divina. O destino da partícula, ou centelha (o leitor pode ver que nomes importam pouco) é retornar à Fonte, levando todo o conhecimento adquirido ao experimentar as dores e prazeres do mundo material.
Nada do que está sendo dito – reitere-se – é invenção ou delírio deste filósofo amador. Esse saber está na base de todas as tradições espiritualistas, de todas as religiões.
Então o leitor já pode começar a entender que nada é por acaso; que dores e prazeres são na verdade (as dores mais que os prazeres) nossos mestres; que não devemos ficar infelizes por não sermos felizes.
Tenhamos em mente: cada um de nós é um átomo da consciência divina. O corpo físico, o intelecto, o ego – tudo isso é instrumento.
O conceito de Dharma (propagado pelo Hinduísmo, mas em verdade um dos pilares da Filosofia sem nome, data ou local de nascimento), explica que cada pessoa está num estágio da peregrinação rumo à Fonte; e que cada pessoa, por isso, tem uma missão – o que é, em termos sumários, o significado de Dharma.
Karma, também em termos sumários, significa aquela lei segundo a qual cada um colhe o que planta, recebe os efeitos dos seus “pensamentos, palavras e obras”. A associação de Dharma e Karma explica a vida de cada pessoa.
Há na Bíblia uma passagem que se refere a este mundo como “vale de lágrimas”. Mas é principalmente o rio formado com essas lágrimas que leva a alma ao oceano do Espírito. Para dar sentido à metáfora, explicamos: o oceano, que abraça todos os continentes e regula o clima do planeta, é a verdadeira fonte; é dele que evapora a água que, sob forma de gotículas (individualidades), irá chover sobre a terra e fluir por riachos e grandes rios.
Temos todos a tendência natural a fugir do sofrimento e buscar o prazer e  felicidade. É claro que o sofrimento não deve ser cultivado, como fazem algumas pessoas de temperamento mórbido.Mas – como foi dito acima –, o sofrimento não é exatamente uma coisa ruim. No fundo, ou da perspectiva do Absoluto, tudo serve a um Grande Plano, tudo converge para levar a Alma de volta a Casa, que é onde encontrará uma felicidade que não consegue conceber nem nas suas mais exaltadas fantasias. Alguém escreveu que, num dado momento, a pessoa atinará com o sentido desse Grande Plano: “Compreendereis a finalidade oculta de todas as coisas; e abençoareis as trevas como abençoais a luz.”
Portanto: estamos no mundo. Caminhamos sobre a superfície do planeta. Temos um Karma (débitos e créditos); e um Dharma (missão a cumprir).
“Desesperar, jamais.” Devemos construir nossas vidas, estudar, trabalhar, ajudar os outros, lutar contra as injustiças sociais. Tudo isso faz parte do Grande Plano. E, assim que começarmos a sentir o apelo da Fonte, devemos deixar-nos atrair por Ela, ou caminhar resolutamente para Ela.
Só um último lembrete: você, que já está despertando, que já é mais que um simples animal esperto e já tem noção de seu papel na Terra, não deve se preocupar em aprender tudo, em realizar tudo. Pisando o solo com firmeza e cuidado, mas orientando-se pelas estrelas, esteja consciente de que esta vida atual é apenas uma das muitas que você viveu e viverá. Terá outras oportunidades para aprender e até realizar seus desejos, sejam quais forem.
Sim, estamos falando de reencarnação. O conceito fazia parte da doutrina cristã, segundo alguns respeitáveis estudiosos (Paramahansa Yogananda, por exemplo); o próprio Jesus faz algumas vezes referência à ideia de reencarnação. Mas, no ano 553, por pressão da mulher do imperador Justiniano, Teodora, que temia reencarnar como escrava, o papa Virgílio decretou que não existia reencarnação. Coloco esses detalhes prosaicos para que o leitor tenha a noção de como foram urdidos certos dogmas que talvez o tenham oprimido desde a infância.
Então, recapitulado: apenas a forma do que é aqui dito foi elaborada por este escriba aprendiz e filósofo amador. O conteúdo não pertence a ele, a Jesus, a Buda, a Platão, a Pitágoras, a Kant, Spinoza ou Walter Benjamin. Pertence à humanidade, que é o estágio em que a Matéria se faz Espírito. Está em todas as Escrituras (para quem sabe ler), foi expresso por todos os sábios de todas as épocas.
E é agora modesta e carinhosamente expresso pelo escriba aprendiz. Porque essa é sua missão, esse é o seu Dharma.



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