Nelson M. Mendes
Quando
começamos a caminhar pela vida, ainda crianças, também começamos logo a ouvir
um monte de coisas: é a avó que nos conta histórias, reais ou literárias; é a
babá que nos fala de fantasma e bicho-papão; é o primo mais velho que nos
ensina um monte de besteiras e de palavrões; é aquele vizinho sabe-tudo que
fala de política e negócios.
Em geral,
nada disso é música: é quase tudo barulho, que só serve para nos
confundir e atrapalhar.
Mas o
maior de todos os barulhos é aquele produzido pela televisão, pelo rádio, pela
Internet, pelo WhatsApp, por jornais, revistas, por todos os meios de
comunicação.
Barulho, na nossa definição, é
tudo aquilo que atrapalha e confunde. E o barulho produzido pela indústria
cultural (TV, rádio, jornal, Internet
– tudo) é feito para confundir.
Não, eu
não estou de sacanagem.
O bebê
aprende a falar na língua de seus pais, de sua família. Então ele se acostuma com todos aqueles barulhos e passa a
achá-los naturais, a achar que “o mundo é assim mesmo”. Ele a princípio se
encanta com as histórias da avó, acredita no bicho-papão, no lobo mau; depois
acha o máximo aprender besteiras e palavrões; finalmente, ainda na
pré-adolescência, começa a ser
bombardeado por todas aquelas ideias de gente grande: aprende a ser
racista, a ter ódio de comunista, a acreditar na meritocracia, e
assim por diante.
Uma das
primeiras coisas que o garoto aprende com o vizinho esperto, com a televisão e
a internet é que ser de esquerda é pior que ser ladrão. Ele aprende que houve uma coisa chamada
“comunismo” num país enorme chamado União Soviética; e que esse país se despedaçou
todo, restando apenas um núcleo chamado Rússia; e que o “comunismo”
também acabou quando a União Soviética se extinguiu. Aprende também que esse
“comunismo” era uma coisa horrível, porque ninguém tinha o direito de possuir
propriedades particulares e o governo torturava e matava todo mundo que
discordasse do regime.
Sim, eu
sei que foi isso que você viu na televisão, é isso o que fala aquele seu tio, é
isso o que sustenta aquele seu primo mais velho, é essa história que você
encontra nos principais portais na Internet.
Barulho.
Barulho para atrapalhar e confundir.
Vamos
começar do começo. Todas aquelas coisas horríveis aconteceram na União
Soviética. Mas não tinham nada a ver com o Comunismo, um sistema idealizado por
um sonhador chamado Karl Marx. O que houve foi uma ditadura comandada por um
maníaco sanguinário chamado Josef Stalin – tão sanguinário quanto Hitler, que
odiava o “comunismo” e se opunha à União Soviética.
Vamos
para antes do começo.
O
“comunismo” é odiado nem tanto porque o stalinismo (que muitos confundem com
Comunismo) matou milhões de pessoas; na verdade, houve quem se entusiasmasse
com o nazifascismo, que também matou milhões e provocou a Segunda Guerra
Mundial, exatamente por considerar que qualquer coisa era melhor do que o
“comunismo”.
Você está
confuso. Você não aprendeu nada disso. E não entende por que a palavra comunismo
aparece ora em minúsculas e entre aspas, ora em maiúsculas e sem aspas. E por
que nazifascismo vem em minúscula. É que a Gramática manda que se grafe com
maiúscula tudo aquilo que for uma doutrina, uma escola, uma filosofia. O
Comunismo idealizado por Marx é uma doutrina, com Certidão de Nascimento
e CPF; portanto, merece maiúscula. O stalinismo não é uma doutrina, é
apenas a palavra que se passou a usar informalmente em referência ao governo de
Stalin; portanto, não merece maiúscula. Nazifascismo (aqui em maiúscula porque
é começo de frase) também não é doutrina, escola; mas apenas um termo-síntese
com que historiadores passaram a se referir ao fenômeno sociopolítico que se
manifestou como Nazismo na Alemanha e Fascismo na Itália. E “comunismo” vem em
minúscula e entre aspas porque o termo passou a ser usado no lugar exatamente
de stalinismo, que dizia respeito às práticas sanguinárias da ditadura de
Stalin. O stalinismo é praticamento o oposto do Comunismo sonhado por
Marx.
Sei que
tudo isso é uma chatice. Mas esses conhecimentos (de Gramática ou História)
poderão eventualmente ser úteis se você for fazer alguma prova ou concurso.
O
problema é que todos os sistemas – atômicos, cósmicos, biológicos, políticos –
têm seu nascimento, desenvolvimento e morte. Já dizia o filósofo Heráclito:
“Tudo flui.” Não existe império que dure para sempre. Não existe sistema
econômico que dure para sempre.
Mas
aquele vizinho sabe-tudo e aquele tio piloto de WhatsApp regurgitam (vomitam)
todas aquelas mentiras que absorveram com a TV, o rádio, a Internet, os
jornais. Todo aquele barulho feito para confundir.
A maior e
mais prestigiosa das mentiras é a de que o Capitalismo é o sistema perfeito e
definitivo. A doutrina que rege atualmente o Capitalismo chama-se
Neoliberalismo; o Neoliberalismo é a indumentária institucional do
Capitalismo, e foi concebida às pressas para substituir o velho Liberalismo,
que raramente funcionou e cuja inconsistência ficara demonstrada
definitivamente na crise de 1929 (o tal “crash da Bolsa”).
Mas os
comentaristas da Globo, o vizinho sabe-tudo e o tio piloto de WhatsApp nem
mencionam aquele momento em que o Capitalismo quase morreu, em 29; e insistem
em que outro grande colapso, bem mais recente, em 2008 (a tal “crise financeira
internacional”) foi apenas uma coceira passageira. Imagine a cena: a pessoa
está tendo convulsões, vomitando e evacuando sangue, e o médico diz que “não é
nada”.
E por que
os comentaristas, o vizinho e o tio agem assim? Porque eles expressam a voz
do sistema – que, como todo organismo, biológico ou social, não quer
morrer. Como homens primitivos, que gritam e batem coisas para espantar os maus
espíritos, os homens contemporâneos fazem um barulho ensurdecedor para espantar
a morte inevitável do Capitalismo.
Tudo
barulho. Para confundir. Nada de música.
Um
aspecto correlato dessa gritaria contra a morte do Capitalismo é a ideia (que
já rendeu até livros e tem muitos adeptos) de que não existe mais esquerda; que
os esquerdistas são uns psicopatas atrasados. É o “fim da História”, escreveu
um imbecil chamado Fukuyama; “There is no alternative”, dizia a megera do
Neoliberalismo, Margaret Thatcher.
Ora, a
dicotomia direita/esquerda equivale à manifestação, no universo sociopolítico,
da terceira lei de Newton – a da ação/reação. A História não chegou ao
fim, nem chegará. A História só se move para a esquerda. Até o Capitalismo já
foi esquerda um dia. Se não houvesse esquerda, se não houvesse mudanças, não
teríamos desenvolvido a agricultura, não teríamos aprendido a domesticar animais;
ainda estaríamos nas cavernas, comendo vermes e frutas silvestres.
Outra
balela alardeada pela mídia e pelos pilotos de WhatsApp é a tal da meritocracia.
Se fôssemos dissecar a palavra, chegaríamos a um significado como “governo
daqueles que têm mérito” (assim como Democracia é governo exercido pelo povo, e
plutocracia é governo exercido ou influenciado pelo poder econômico). Na
verdade, meritocracia, para a maioria das pessoas, significa aquela lei
não escrita segundo a qual cada um tem o
que merece. Então: se o sujeito é rico, é porque trabalhou e mereceu conquistar
a riqueza. Se o sujeito é pobre, é porque é vagabundo; não importa que ele
tenha nascido na miséria, tenha passado fome e nem tenha conseguido frequentar
a escola.
Vamos
analisar um pouco mais a falácia da meritocracia. A televisão, que é uma das
principais vozes da plutocracia (o poder econômico), que é quem mais deseja a
sobrevivência do Capitalismo, de vez em quando apresenta a história de uma
pessoa miserável que, graças a um esforço sobre-humano, conseguiu estudar, obter
um bom emprego, alcançar a classe média. O objetivo é óbvio: mostrar que
“qualquer um pode”. Mas qualquer um (desde que não seja um zumbi ou um idiota
completo) sabe que raríssimos são os que
saem da miséria e chegam ao sucesso social e material. É mais fácil ganhar na
loteria. Geralmente, os que alcançam sucesso vêm de famílias ricas, tiveram a
melhor alimentação e os melhores colégios. Ou simplesmente herdaram a fortuna
da família.
Outra
coisa que a mídia e o tio piloto de WhatsApp adoram divulgar (sempre no
interesse da plutocracia, do poder econômico) é a ideia de que o Estado (o
governo) só atrapalha. Você já ouviu falar nisso: é aquela história do “Estado
mínimo”. Ou seja: para que a economia cresça, para que haja mais riqueza para
todos, o governo deve intervir o mínimo possível, deve deixar banqueiros e
empresários livres.
Entretanto,
essa atitude, em primeiro lugar, jamais resulta no desenvolvimento da
sociedade como um todo; jamais resulta em distribuição de riqueza. Em
segundo lugar, termina resultando em graves crises do próprio sistema – como em
1929, como em 2008. Em terceiro lugar, apesar do discurso liberal, os
governos sempre trataram de intervir na economia. Na verdade – e também apesar
do discurso liberal – , não há na História registro de país que tenha se
desenvolvido realmente sem a interferência e os investimentos do Estado,
contando apenas com a chamada “iniciativa privada”. E o pior de tudo é que é
muito forte a tendência a que os governos intervenham, sim, na economia; mas
não em favor do povo, de um desenvolvimento socialmente justo – e sim em favor
dos mundos corporativo e financeiro. Isso ficou muito claro em 2008: banqueiros
e especuladores, que haviam provocado a crise, foram socorridos pelos países
(pelo Estado) com bilhões e bilhões de euros e dólares. Aliás, quando o
Neoliberalismo foi concebido, seus teóricos estabeleceram que o Estado deveria
intervir, sim – mas para salvar o mercado. Portanto: quando o tio piloto
de WhatsApp vier com essa história de “estado mínimo”, que também está sempre
na boca dos jornalistas desonestos, diga que ele está na contramão das ideias
dos próprios criadores da doutrina neoliberal, como Friedich Hayek e Ludwing
von Mises.
Sabe outra
coisa que a mídia, o vizinho e o piloto de WhatsApp adoram? Falar de
“corrupção”. Fazem um barulho danado. Vamos examinar o assunto.
O crime
organizado representa aproximadamente um terço dos desvios que drenam as economias nacionais;
um absurdo. Entretanto, grandes bancos e empresas transnacionais, através de
manobras variadas, são responsáveis por até 65% da sangria. A tal “corrupção
política”, sobre a qual a mídia vendida adora produzir notícias que são
rapidamente compartilhadas pelos pilotos de WhatsApp, representa apenas 3% dos
desvios. (Essas informações não vêm de pesquisadores comunistas, mas de
norteamericanos totalmente integrados ao sistema capitalista.)
Mas o
Grande Capital (responsável por 65% da roubalheira), através de jornalistas,
legisladores, policiais federais, procuradores e juízes (muitos devidamente remunerados,
outros por amor à causa) usa a “corrupção política” como pretexto para atacar
os políticos que atrapalham os negócios. É só pesquisar um pouquinho sobre a
História de Brasil nas últimas décadas, que você vai encontrar vários políticos
que foram vítimas dessa guerra suja: Getúlio Vargas, João Goulart, Brizola,
Lula, Dilma... Até um fantoche produzido exatamente pelo Grande Capital, como
Fernando Collor de Mello, pode não cumprir exatamente o combinado e ser
derrubado. O mesmo poderá acontecer com o filhote de Hitler que ainda ocupa,
nesse começo de 2020, a cadeira de presidente.
Portanto:
esteja consciente de que, assim como, ao caminhar pela rua, você ouve muito
barulho e raramente música, ao caminhar pela vida você ouve – da mídia, do
WhatsApp, das redes sociais, do vizinho sabe-tudo – uma barulhada infernal que
só serve para confundi-lo.
Parafraseando
o slogan da Rede Globo: “Notícia honesta – a gente não vê por
aqui.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário