Nelson M. Mendes
Alguém disse certa vez que comentarista esportivo é aquele sujeito que, terminada a batalha, entra em campo e mata todos os feridos. Alguns dos próprios comentaristas se assumem, muitas vezes, como “engenheiros de obras prontas”; ou profetas do que já passou.
O que eu
tenho a dizer é que os comentaristas parecem alimentar a ilusão de que seja
possível equacionar esse extraordinário conjunto de imponderáveis denominado
esporte. Houve um paciente psiquiátrico, Arthur Bispo do Rosário, que tentou explicar
ou mapear o universo, desenvolvendo para isso uma escrita, feita
de cordões, pedras – o que lhe caísse nas mãos – que resultou numa produção de intrigante apelo
artístico. A pessoa sensível, diante de seus trabalhos, percebe seu esforço
para fugir ao caos, encontrar a ordem, o sentido.
Essa
ânsia por entender e organizar as coisas não é coisa de maluco:
muitos cientistas e filósofos a sentem. Aldous Huxley a chama de “vontade de
ordem”, e diz que ela pode inclusive levar esses pensadores a elaborar sistemas
que pretensamente abrangem o todo – mas que são tão arbitrários e precários
quanto os ingênuos esquemas do Bispo do Rosário. Que grande cientista, filósofo
ou poeta não imaginou um dia ter encontrado a resposta, a solução, a explicação
final? O próprio Einstein não morreu sonhando com uma “teoria de tudo”?
Entretanto,
não bastasse a Teoria da Relatividade, não bastasse a Física Quântica, a
ciência nos trouxe ainda mais um fantasma para atrapalhar nossos sonhos de um
universo ordenado, previsível: a Teoria do Caos...
É por
isso que os comentaristas esportivos erram. (Muitos economistas erram também
por isso – porque se iludem com a ideia
de que a Economia seja uma ciência exata; outros, entretanto, erram
porque são pagos para mentir em favor da Plutocracia.)
E que
dizer dos profissionais ou leigos que se aventuram a fazer previsões políticas?
Ou a comentar os resultados eleitorais?
Aí mesmo
é que é o caos; sem teoria: na prática...
As
eleições municipais de novembro deste conturbado 2020, como de praxe,
produziram muitos videntes e analistas. Havia a expectativa de
que, depois de dois anos de trapalhadas fascistas do pior presidente da
História, o eleitor faria, como se diz no jargão político, uma “opção mais à
esquerda”.
As urnas
frustraram as otimistas previsões. Nem Marília Arraes em Recife, nem Guilherme Boulos
em São Paulo, nem Manuela d’Ávila em Porto Alegre. Os analistas registram que o
PT (Partido dos Trabalhadores) não elegeu nenhum prefeito de capital.
O eleitor
mostrou sua face conservadora; sua ignorância política; seu medo visceral do ‘comunismo’.
Os videntes
e analistas, leigos ou profissionais – alguém tem de dizer isso –,
estão ainda presos a conceitos marxistas, a noções corretas, porém desgastadas,
de esquerda/direita. Ninguém, mais do que este articulista, tem afirmado que não
chegamos ao “fim da História”; que o Capitalismo não é a solução; que a
antinomia direita/esquerda é uma espécie
de manifestação, na esfera sociopolítica, da 3ª lei de Newton, a da
ação/reação; e que a esquerda, na verdade, é o motor da História. No entanto...
Não
podemos nos permitir ser vítimas da “vontade de ordem”, da pretensão de,
ancorados em Marx, Platão, Cristo, Kant – quem seja –, elaborar diagnósticos e
prognósticos no que se refere aos fenômenos sociais, políticos e econômicos.
Vamos relembrar: a Teoria do Caos surgiu quando a ciência assumiu que nem mesmo
os fenômenos físicos eram perfeitamente previsíveis!
E repito:
os velhos instrumentos teóricos já perderam o fio. Marx, na opinião de muitos
estudiosos, é o maior analista, de todos os tempos, desses fenômenos sociais,
políticos e econômicos. Ele foi aliás ressuscitado para explicar a crise
financeira de 2008, que havia surpreendido todos os especialistas;
e que talvez seja um dos últimos espasmos do sistema moribundo. Mas mesmo Marx
não dá conta de explicar tudo. As turbulências da História (“turbulência” é um
termo muito usado na Teoria do Caos) são imprevisíveis; e mais ainda nesses
tempos em que todos os processos estão acelerados.
As massas
não serão “educadas”, não “aprenderão a votar”. Em primeiro lugar, como tem
este ensaísta amador insistido, existe no coração de cada ser humano aquilo que
ele denominou egoísmo basal; é neste solo, em cuja composição há também
muito de ignorância, que se enraíza a rejeição ao ‘comunismo’ e a qualquer
ideia de ‘esquerda’. Em segundo lugar, os poderes estabelecidos há muito tempo
tratam de explorar esse pânico ‘anticomunista’, e lançam no solo as sementes do
fascismo – com ou sem aspas, em versão analógica ou digital.
O
resultado? Derrotas impensáveis das propostas ‘de esquerda’.
Alguém
também tem que dizer isto: precisamos renunciar às nossas crenças infantis, aos
nossos heróis políticos. Deu trabalho superar as tolices teológicas que nos
foram incutidas desde a infância; entender como a religião foi e ainda é usada
para legitimar as injustiças sociais. Mas agora é hora de darmos um passo
adiante.
Cristo
não nos irá salvar. Mas Marx também não.
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Na foto de abertura, a
assustadora Manuela d’Ávila, que não foi eleita prefeita de Porto Alegre por ser
filiada ao abominável Partido Comunista do Brasil.
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