Texto
original: https://theintercept.com/2020/12/06/sergio-moro-alvarezs-marsal-odebrecht/
Moro já mentiu tanto que ninguém deve acreditar que ele não
receberá pagamentos da Odebrecht
Texto editado / NMM:
Sergio Moro decidiu virar sócio-diretor da Alvarez &
Marsal, uma consultoria americana que presta serviços no Brasil para as
empreiteiras Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Sete Brasil. Sergio Moro pula para o outro lado do balcão para atuar
como um empresário que ajudará empresas que ele ajudou a quebrar com sua
atuação nos tribunais.
Enquanto juiz, Moro não se preocupou em poupar a
engenharia nacional e os empregos do setor. Mas aliviou a barra dos empresários
com generosas delações premiadas. A nova empresa de Moro já faturou R$ 17,6 milhões com
esse serviço prestado para a Odebrecht. Outras empresas, também devassadas pela
Lava Jato, contrataram a consultoria para se reestruturarem financeiramente. Ou
seja, o agora empresário Sergio Moro vai faturar alto com a desgraça financeira
de construtoras que foram atingidas pela caneta do ex-juiz Sergio Moro.
Em 2017 a defesa de Lula apresentou ao então juiz dois
documentos que atestavam que o triplex não pertencia a Lula, mas à OAS. Essas
certificações foram produzidas pela Alvarez & Marsal. Moro ignorou essas
informações produzidas pela empresa da qual hoje, três anos depois, ele virou
sócio.
O fato é que as sentenças do então juiz impuseram graves impactos
políticos e econômicos ao país, mas não para ele em particular. Pelo contrário,
Moro agora vai faturar com esses impactos. Politicamente já faturou ao se
tornar ministro da Justiça e, agora, faturará economicamente.
O repórter Rafael Neves, aqui do Intercept, foi atrás da
Alvarez & Marsal para perguntar sobre a remuneração do ex-juiz da Lava
Jato. Nos disseram que “Moro não terá nenhum benefício financeiro, direto ou
indireto, sobre projetos de outros setores da consultoria”. Mas nós só vamos
acreditar nisso se olharmos o contrato de Moro com a empresa. Pedimos uma
cópia. A resposta: “Por se tratar de documento particular, a divulgação fere o
direito à privacidade”. Conveniente, não?
Neves fez o mesmo pedido a Moro, que já disse acreditar no
valor da transparência. O ex-ministro fez que não era com ele. E aí? Então quer
dizer que o novo sócio-diretor da Alvarez & Marsal não vai atuar nos casos
mais lucrativos da empresa? Não vai colocar à disposição todo seu conhecimento
adquirido no serviço público em casos de interesse da empresa? Qual é a
garantia disso? A palavra de Moro? Aquela que jurou jamais entrar na política pouco
tempo antes de virar ministro da Justiça do governo Bolsonaro?
Me parece óbvio que, no período em que atuou como juiz da
Lava Jato, Moro teve acesso a documentos e provas envolvendo os réus que agora
são seus clientes.
O Intercept já mostrou que ele mentiu sobre não ter
estratégia de investigação na Lava Jato – esta reportagem deixou
claro que ele coordenava e orientava o trabalho do Ministério Público, e esta outra, o da Polícia
Federal.
Moro também mentiu quando disse, várias vezes, que não
entraria para a política. Não só entrou como já fazia política quando ainda era
juiz, inclusive se encontrando em segredo com um
pré-candidato à presidência em 2018. Assim, a palavra dele – e de
seu empregador – sobre sua remuneração não valem nada.
E a recusa em entregar o contrato ou mostrar a cláusula em
que está expresso que ele não será remunerado pelos contratos da Alvarez &
Marsal com Odebrecht, OAS, Sete Brasil e Queiroz Galvão só levanta a suspeita
de que ele e a empregadora estão mentindo.
Muitos desses documentos ainda estão sob sigilo e podem
resultar em novas investigações. O novo sócio-diretor da empresa, trazido a
peso de ouro, não usará essas informações privilegiadas em benefício dos seus
clientes? Estamos diante de, no mínimo, um flagrante caso de falta de ética. A
imoralidade está dada, resta saber agora se há ilegalidades.
A nova empresa de Moro não tem as melhores credenciais
éticas do mercado. Segundo Diogo Schelp, os
consultores da Alvarez & Marsal são conhecidos no mercado pelas técnicas de
vale-tudo com que buscam atingir seus objetivos. Esse é o perfil dos novos
colegas de trabalho do homem alçado à condição de paladino da moralidade da
nação.
Um exemplo de imoralidade da Alvarez & Marsal foi a
estratégia elaborada por ela para a recuperação judicial da Editora Abril. Um
mês após ter contratado a consultoria, a editora promoveu uma demissão em
massa. Mais de 800 funcionários foram para rua. Dez dias depois, a Editora
Abril entrou com pedido de recuperação judicial. Isso foi feito
estrategicamente antes do término do prazo para pagar as indenizações
trabalhistas.
A estratégia da consultoria americana foi um sucesso:
demitiu em massa e depois deu calote em massa nos demitidos — tudo dentro da
lei. Se levarmos em contas as credenciais éticas do então juiz Moro, que “sempre violou o sistema
acusatório”, podemos dizer com tranquilidade que ele se sentirá
confortável nesse novo trampo.
Era para ser um escândalo de grandes proporções, afinal de
contas, o herói do combate à corrupção do país abandonou a toga para faturar
alto em uma consultoria cujos principais clientes foram seus réus. Mas, para o
espanto de ninguém, o lavajatismo que assola a grande imprensa fez o assunto
passar apenas de forma lateral no noticiário, quase sempre de maneira acrítica.
Se por enquanto não há nada que indique uma ilegalidade, a imoralidade é
flagrante e inegável. Isso deveria ser o suficiente para indignar os sempre
indignados colunistões da Globo, mas não.
Houve os que silenciaram e os que trataram o caso como se
fosse algo corriqueiro. A irrelevância dada ao episódio é tanta que nem parece
que estamos falando de alguém que colocou um ex-presidente na cadeia ignorando
a Constituição, foi ministro da Justiça e é um potencial candidato à
presidência da República.
Há quem acredite que a entrada de Moro na iniciativa
privada enterrou de vez a possibilidade dele vir ser candidato em 2022. Eu não
a descartaria tão cedo. Pelo histórico do juiz, a possibilidade dele enriquecer
por um ano na iniciativa privada e de repente surgir como candidato são
enormes. Moro troca de lado no balcão como quem troca de cuecas. E, mais uma
vez, ele contará com a benevolência do grosso da grande mídia para escamotear
seus absurdos.
Colaborou Rafael Neves
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