sexta-feira, 13 de agosto de 2021

O macro, o micro, e o nosso papel

 






Nelson M. Mendes

O mundo não começou ontem. Os cientistas, no século 20 (quer dizer: ontem), criaram a “teoria do big bang”, segundo a qual o universo teria surgido da explosão de um “átomo primordial” (expressão cunhada pelo padre George Lamaître, que foi o primeiro a pensar na ideia de um universo que estaria em expansão a partir de um ponto inicial de concentração absoluta.) A explosão, segundo os cientistas, teria acontecido há 13,8 bilhões de anos.

Essa ideia nos faz pensar imediatamente no que dizem as religiões a respeito da criação do universo, a um estalar de dedos de Deus. As pessoas de mentalidade racional, e que com razão criticam religiosos que cometem todo tipo de crimes em nome de Deus, não querem nem saber de religião. Natural. Alguém disse, aliás, que o conhecimento pode levar ao ateísmo; mas também foi dito que mais conhecimento pode levar a pessoa de volta à fé.

Na verdade, cabe esclarecer logo um ponto, antes de prosseguir: geralmente, a ideia de “fé” é confundida com a ideia de “crença”; ter fé é “acreditar” numa coisa – principalmente em Deus. Uma conhecida passagem da Bíblia afirma que tudo é possível a quem tem fé. Só que, no texto grego, antes da tradução para o latim, a ideia de ter fé correspondia à ideia de estar em sintonia com: tudo é possível a quem está sintonizado com Deus.

A Filosofia (que está na base de todas as grandes religiões, mesmo que seus sacerdotes e seguidores não saibam disso) explica que todos nós, potencialmente, estamos em sintonia com Deus. De fato, tudo é Deus: o universo é apenas Deus manifestado, materializado no big bang.

Neste momento, aquela pessoa racional, que leu, que estudou História, mais uma vez vai se indignar: se tudo é Deus, então Deus é uma coisa horrível! Existe tanta maldade, tanta injustiça no mundo!

Mas pergunto: quem é essa pessoa que se revolta contra as maldades do mundo, que é capaz de sentir compaixão pelos que sofrem? Respondo: ela é um aspecto desse mesmo Deus, é um átomo emanado da Fonte e que, já mais próximo de retornar a ela, expressa aquelas características mais essenciais, centrais de Deus; como compaixão e amor.

Vejam: os cientistas mergulharam fundo no materialismo. No século 19, o filósofo Nietzsche escreveu que não fazia sentido que a vida humana continuasse tendo Deus como referência; era preciso focar a terra e esquecer o céu. “Deus está morto” – sintetizou o filósofo.

A Filosofia (aquela que está na base das religiões, não aquela que é mero exercício intelectual) diz que tudo opera por ciclos. Podemos mesmo afirmar que este big bang, ocorrido há 13,8 bilhões de anos, é apenas um dos infinitos big bangs que já ocorreram e continuam ocorrendo em universos paralelos. Os cientistas, que também não estão imunes aos ritmos universais, depois de terem experimentado a expansão intelectual no sentido da materialidade, começam a viver a fase de contração, de retorno (big crunch) – e com isso ingressam na esfera da espiritualidade: começam a desconfiar que Deus é real; e muitos chegam de fato, pelo impensável caminho da ciência, a sintonizar com ele...

Os big bangs e big crunchs ocorrem o tempo todo, tanto no nível cósmico, quanto na alma humana... Podemos dizer, poeticamente, que em qualquer dos casos correspondem às batidas do coração de Deus...

E o que tenho eu a ver com tudo isso? – perguntará o leitor. Em que me ajuda saber tudo isso?

Bem, muitos de nós vagamos inquietos, angustiados, sem conseguir ver muito longe através da bruma. Em vão buscamos respostas junto a guias, de todas as religiões, que estejam disponíveis; porque também eles estão perdidos, embora muitas vezes consigam se iludir, por algum tempo, com a ideia de levitarem acima das vicissitudes em uma nave feita de dogmas, em sua maioria absurdos e inconsistentes.

Mas a verdade existe. A montanha está lá, embora não a possamos ver através da bruma.

Muitos mestres apontaram o caminho; mas é natural que a humanidade se desvie, tropece, caia: tudo isso é aprendizado. Alguns desses mestres ainda estão conosco, em corpo físico; ou acabaram de descartar a vestimenta corporal. Como Krishnamurti, que nos deixou no final da década de 80 do século 20.   

Toda alma encarna com uma missão; os hindus chamam isso de Dharma. Mesmo aquelas almas que estão prestes a desabrochar no Espírito (retornar à Fonte), ou até muitas que já desabrocharam, podem ter uma missão. 

Quando o teósofo Charles Leadbeater descobriu o menino Jiddu Krishnamurti, na Índia, percebeu nele tal potencial espiritual, que decidiu prepará-lo para uma missão: ser uma espécie de messias da nova era. Até uma organização – a Ordem da Estrela do Oriente – foi criada para divulgar a mensagem do futuro “instrutor do mundo”. Entretanto, quando a alma revestida da personalidade Krishnamurti identificou-se com a Luz, decidiu que seu trabalho na Terra seria muito diferente do planejado pela Sociedade Teosófica, a que pertencia seu mentor Leadbeater: ele dedicaria muitas décadas a atacar as ilusões em que se enreda o homem.

Krishnamurti é um remédio forte: combate as ilusões políticas, sociais, pessoais, espirituais. Por isso, deve ser tomado com muita moderação e cautelas. Porque, para 95% dos leitores, ele pode parecer um cético, um cínico, um ateu. Muita gente pode perder qualquer tipo de fé (no sentido tradicional de crença), qualquer tipo de esperança. Claro que mesmo esse tipo de desvio, de queda, será aproveitado pelo “Grande Reciclador”, em algum momento; mas, se for possível evitar mais esse motivo de sofrimento e atraso na caminhada, tanto melhor. Para isso vêm os guias.

E Krishnamurti foi um guia que se autoimpôs a missão de dissipar ilusões, clarear a mente do homem contemporâneo. Ele não queria saber de Buda, Krishna, Cristo, dos grandes gurus da Índia ou de qualquer outro lugar; ele queria que o homem olhasse para dentro e conhecesse a si próprio. Nesse sentido ele é filósofo e psicólogo.

E aqui o leitor vai entender por que toda essa volta: para nós, que vagamos conturbados, imersos na bruma, o psicólogo Krishnamurti propõe que olhemos para nossos pensamentos e emoções como olharíamos as águas de um rio. O símile é adequado: nossa mente flui como as águas de um rio: ora vagarosas, ora turbilhonantes. Mas Krishnamurti adverte: devemos olhar, simplesmente; sem tensão, sem esforço, sem “querer chegar” a um resultado.

A ideia é a de que, se nos esforçamos demasiado para chegar a algum lugar, para controlar a mente, estamos na verdade gerando conflito em nossa já conflituada mente. Devemos, pois, apenas observar com moderada atenção o fluxo de nosso rio mental.

Mas nem essa suave observação precisa ser permanente. Lembra o leitor da história dos ciclos, das batidas do coração de Deus? Pois se ao dia se segue a noite, se as estações passam, se tudo é cíclico, que também nós, em nossa busca consciente da Luz, tenhamos momentos de contração e descontração, atenção e devaneio. A saúde mental agradece.

Sabemos que o rio mental não para de fluir. Quando estamos empenhados numa determinada atividade – braçal, intelectual, esportiva, etc. –, conseguimos dar uma certa direção ao rio. Mas, nos demais momentos, estaremos ouvindo o rugir de suas águas frequentemente revoltas. Não nos inquietemos com isso. Façamos o que recomenda Krishnamurti: olhemos calmamente as águas do rio. Aos poucos, veremos que elas não são tão turvas e turbulentas quanto pareciam.

Foi essa, na nossa opinião (nunca vimos qualquer teósofo ou pensador se pronunciar nesse sentido), a missão, o Dharma autoimposto de Krishnamurti:  mostrar que o homem pode tornar-se cônscio de seu tumulto interior; e, pela consciência, encontrar a harmonia e preparar-se assim para, num momento qualquer dos ciclos cósmicos, o advento da Luz.


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A imagem de abertura traz: 1) espiral capilar de meu sobrinho-neto, na época com cerca de quatro anos; 2) uma galáxia; 3) uma planta; 4) um furacão. Todos exemplos de um padrão universal descrito pela famosa "Sequência Fibonacci".









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