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editado / NMM:
O processo
legal representa não apenas a responsabilização penal de indivíduos, mas um
acerto de contas histórico com um movimento golpista.
O evento
culminante foram os ataques de 8 de janeiro de 2023, quando uma horda de
extremistas bolsonaristas invadiu e vandalizou as sedes dos três Poderes em
Brasília.
O principal
incentivador do golpe foi o próprio Jair Bolsonaro, que desde pelo menos 2015
semeou dúvidas infundadas sobre a o sistema eleitoral brasileiro. Ainda durante
seu mandato, e mesmo após perder as eleições de 2022, o ex-presidente e seus
aliados fomentaram alegações de fraude eleitoral, envenenando seus seguidores
mais radicais.
No período
que se seguiu à eleição, numa articulação nacional, acampamentos foram montados
frente a quartéis do Exército, onde manifestantes pediam abertamente por uma
"intervenção militar", enquanto ocorria um crescendo de atos de
violência, incluindo um atentado frustrado nas proximidades do Aeroporto de
Brasília em véspera de Natal.
As
investigações revelaram que os ataques de 8 de janeiro não foram eventos
espontâneos, mas sim ações planejadas e coordenadas. Mensagens em aplicativos
de comunicação já circulavam na primeira semana de 2023 articulando a invasão
dos prédios públicos. Em janeiro, torres e linhas de transmissão de energia
foram sabotadas.
O ainda
presidente Bolsonaro e seu ministro da Defesa chegaram a consultar mais de uma
vez comandantes militares para adesão à minuta de golpe de Estado. A operação incluía
o assassinato do presidente eleito, Lula, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro
Alexandre de Moraes. Esses assassinatos estiveram a poucas horas de ocorrer,
como se constata por mensagens descobertas entre criminosos pesadamente armados
que acompanhavam à espreita cada movimento de Moraes. A intentona previa um
evento máximo: Lula não subiria a rampa.
O
financiamento dessas ações veio parcialmente de setores do agronegócio, como
ficou claro nas delações, revelando a conexão entre interesses econômicos e a
tentativa de ruptura democrática.
O papel das
Forças Armadas neste contexto é especialmente relevante. Tanto em 1964 quanto
em 2023, segmentos militares atribuíram a si mesmos o direito de definir o
destino da nação à revelia das escolhas populares. Desta vez, a mentalidade
golpista, entretanto, não encontrou eco unânime nas Forças Armadas, e a falta
de coesão foi um dos fatores que contribuíram para o fracasso do intento.
As
semelhanças com o golpe de 1964 são inegáveis, mas as diferenças são igualmente
significativas. Em 1964, os setores empresariais estavam coesos em apoio à
ruptura democrática, e os Estados Unidos forneceram apoio inequívoco aos
golpistas, chegando a enviar uma esquadra naval ao litoral brasileiro na
"Operação Brother Sam". Desta vez, tanto parcelas da burguesia
nacional quanto a comunidade internacional rejeitaram o golpe, com os EUA
deixando claro que não tolerariam uma ruptura democrática no Brasil.
O julgamento
no STF ocorre em um contexto de pressões internacionais sem precedentes. O
governo de Donald Trump impôs tarifas punitivas de 50% sobre produtos
brasileiros, suspendeu vistos de ministros do Supremo e incluiu Alexandre de
Moraes em restrições financeiras da Lei Magnitsky, citando suposta perseguição
a Bolsonaro. Essas ações contra a soberania nacional, incentivadas a partir dos
EUA por Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair, foram repudiadas pelo governo Lula e pela
opinião pública brasileira.
O processo
contra Bolsonaro e seus aliados – que incluem os ex-ministros Augusto Heleno,
Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto, além do ex-comandante da Marinha Almir
Garnier Santos e o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem – responde a acusações
graves: liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do
Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, entre outros crimes. As penas
somadas podem superar 40 anos de prisão.
A defesa do
ex-presidente argumenta que não há provas que liguem Bolsonaro diretamente aos
ataques de 8 de janeiro. Alegam ainda que o ex-presidente sempre defendeu a
democracia e o Estado de Direito...
O julgamento
representa mais do que a responsabilização individual de seus autores: é um
teste decisivo para a resistência das instituições democráticas brasileiras.
O acerto de
contas com os golpistas é necessário não por vingança, mas por justiça e
prevenção pedagógica. A impunidade para crimes graves contra a ordem
democrática cria incentivos perversos para que novos intentos golpistas sejam
tentados no futuro. Como demonstram experiências internacionais recentes,
inclusive o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos em 2021, democracias dignas
do nome não podem subestimar os riscos representados por movimentos
autoritários que se recusam a aceitar resultados eleitorais.
A verdadeira
pacificação nacional só será possível com base nas leis e na Justiça.
O Brasil não
poderia seguir adiante como se nada tivesse acontecido, varrendo para debaixo
do tapete a tentativa violenta de golpe que, após tantas iniciativas e
conspirações, irrompeu na praça do povo, em 8 de janeiro.
O julgamento
no STF, que o Brasil e o mundo acompanharão a partir desta terça-feira, é um
marco nesse longo processo de acerto de contas com o passado recente e de
reafirmação do compromisso coletivo do país com a democracia e o Estado de
Direito.
Como
assevera o jurista Pedro Serrano, membro do Conselho Editorial deste Brasil247,
nas condições históricas brasileiras, a vitória da institucionalidade é
revolucionária.
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