Nelson M. Mendes
Na
busca espiritual, há que se tomar cuidado com o ego, que facilmente pode
assumir o protagonismo também aí, nos levando por caminhos equivocados.
Na
verdade, muitos, enclausurados nos limites encouraçados do ego, confundem a caminhada
espiritual com a aquisição de poderes sobrenaturais.
A
primeira frase do belíssimo e fundamental livro “A voz do silêncio”, de Helena Blavatsky, é a
seguinte: “Estas instruções são para os
que ignoram os perigos dos Iddhis
inferiores.” Em nota de rodapé, explica-se que os Iddhis (termo páli correspondente a Siddhis, no
Sânscrito) são as “faculdades psíquicas, os poderes anormais no homem”. Bem
mais adiante está dito: “O nome da
segunda sala é a Sala de Instrução. Nela tua Alma achará as flores da vida, mas
debaixo de cada flor está uma serpente enrolada.” Em nota, explica-se que
essa sala é “a região astral, o mundo psíquico das percepções supersensíveis e
visões enganosas – o mundo dos médiuns, (...) da Grande Ilusão.” Continua o
livro: “Se queres atravessar seguro a
segunda sala, não te detenhas a aspirar o aroma de suas narcóticas flores.” O grande sábio Ramana Maharshi faz advertências
semelhantes: “Visões e sons devem ser
encarados como distrações e tentações.” “Os
poderes ocultos estão apenas nas limitações da mente pensante. Não são
inerentes ao Ser.” “Aquele que não se dedica a nenhum tipo de prática
espiritual está em melhores condições do que os que buscam os poderes mentais.”
Os
Siddhis (poderes psíquicos) podem vir
como um bônus aos que realizaram o Ser. Não está dito na Bíblia que tudo será
dado por acréscimo àquele que chegou ao Pai – e que de nada mais precisa?
Alguns, cercados de precauções éticas e imbuídos dos mais nobres propósitos –
teosofistas sérios, médiuns sérios, pesquisadores sérios – optam por
desenvolver faculdades psíquicas latentes a fim de colocá-las a serviço da
fraternidade, da verdade, da luz. Há ainda aqueles que já nascem dotados de
tais poderes, e com a missão de
empregá-los pelo bem da humanidade; esse é o seu Dharma – como explica Prem Baba no livro “Propósito”.
É
preciso dizer uma coisa: a atração pelos poderes sobrenaturais e até mesmo o
desejo de adquirir uma erudição
espiritual, um verniz exotérico com o qual “fazer amigos e influenciar as
pessoas” não são a priori coisas condenáveis e nefastas.
O
útil instrutor brasileiro Prem Baba, no já citado livro, explica que servir sem esperar
nada em troca proporciona grande satisfação; e que muitos se propõem ao serviço
esperando exatamente sentir tal alegria. Acrescenta Prem Baba: “Mas não há nada
de errado nisso. Você começa a partir do
interesse em experimentar a alegria, até que possa se entregar ao serviço de
forma desinteressada.”
Do
mesmo modo, a egoica atração pelos mistérios pode levar a que a pessoa
finalmente se defronte com o Mistério. O ego ou personalidade (o uso dos termos
varia segundo as escolas filosóficas) percebe então que não passa de um “feixe
de tendências” (Ramana Maharshi), um “software instalado num hardware neural”
(Nelson Mendes); ou que simplesmente “não existe” (Cordélia Figueiredo).
Seja
como for, é preciso estar em guarda contra a avidez espiritual, o desejo de adquirir poderes, “despertar
kundalini”, acumular uma bagagem exotérica.
Essa
atitude leva a que os “conhecimentos espirituais” sejam agregados ao ego
exatamente como são adicionados adereços a uma fantasia. Por isso, muitos
sábios – diretamente, como Krishnamurti, ou indiretamente, como Ramana Maharshi
– não aprovam a expressão “expansão da consciência”; porque ela pode dar a
ideia de que se trata da “expansão”, do crescimento a partir de um centro – a partir do ego.
Em
suma, o que muitos desejam é tornar-se “super-heróis espirituais”. E a
sabedoria é exatamente o oposto disso: é a nulificação do ego. É a dissolução
da gota no oceano.
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