quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Manual de Autoajuda do Iludido político II


Nelson M. Mendes



O que está por trás da perseguição a Lula, do golpe que derrubou Dilma? O mesmo que estava por trás da perseguição a Getúlio, Jango, Brizola. Essa tecla já está gasta, de tanto que foi pressionada; mas a redundância é uma das maneiras de garantir que a mensagem chegue ao destinatário. Então é importante repetir que esses notáveis personagens da história brasileira foram perseguidos não pelos seus erros, mas pelos seus acertos: porque ousaram pensar – uns mais, outros menos – nos desfavorecidos, nas classes que historicamente dão sustentação a um grande edifício socioeconômico em cujo topo está uma classe herdeira de privilégios que, em última instância, remontam aos tempos coloniais.

É consenso entre os estudiosos que o suicídio de Getúlio Vargas adiou por 10 anos o golpe plutomilitar, que finalmente ocorreu em 1964. (“Plutomilitar” porque foi militar, mas promovido e bancado pela Plutocracia.) As “forças terríveis” (Jânio Quadros) que acossaram Getúlio finalmente conseguiam o que queriam. Alegria na terra do Tio Sam e nas oligarquias brasileiras. Os privilégios estavam mantidos. O sistema continuaria excludente. Aquele negócio de se preocupar com pobre era coisa de comunista. E o Comunismo era exatamente o perigo a ser combatido.

Em novembro de 1961, os congressistas exigiram que San Tiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores, explicasse por que o Brasil reatara relações diplomáticas com a “comunista” União Soviética. Um deputado lembrou que o Acordo ocorrera no Dia de Ação de Graças, afrontando a Igreja Católica (imaginem). Dantas disse que até os EUA mantinham pragmáticas relações com o chamado “bloco comunista”; mas todo mundo temia o “golpe comunista” no Brasil.

Esse “Medo Vermelho” era importado (o Brasil só importa o que não presta): ele assolava os norte-americanos pelo menos desde o New Deal de Roosevelt – programa com que ele salvou o Capitalismo da crise de 1929, mas que é até hoje considerado por muitos uma espécie de  ensaio do Comunismo... Choveram acusações de que o presidente estava sendo “paternalista” e “ajudando vagabundos”. Alguma semelhança com os vitupérios dirigidos aos governos do PT?

Nos anos 50, o Senador MacCarthy (o Sérgio Moro norte-americano da época) começou sua cruzada de caça aos “comunistas”: fazia acusações sem provas, usava a mídia para amplificar o alcance dos processos e para promover-se como herói da moral e dos bons costumes capitalistas. Criou-se um clima de delação civil – uma espécie de Stalinismo à norte-americana. Muitos perderam emprego, reputação e até a vida por causa da kafkiana perseguição. Muitas celebridades, como Charles Chaplin, Orson Welles e até  o cientista Robert Oppenheimer foram jogadas na lama vermelha. Claro que jamais se provou uma só acusação macarthista. Alguma semelhança com as acusações que incidiram sobre os líderes do PT – apenas para nos restringirmos às últimas décadas?

O que era aquele fantasma que apavorava os norte-americanos, a ponto de tornar possível a vergonhosa caça às bruxas macarthista e ensejar golpes de estado e guerras em vários pontos do planeta? Claro que golpes e guerras têm sempre muitos pretextos; e motivações fundamentalmente econômicas. Porém,  pode-se dizer que o grande inimigo dos EUA no século XX foi o “Comunismo”. Mas houve de fato a implantação desse sistema em algum país?

No Comunismo, não há Estado nem classes sociais, e o povo detém os meios de produção; portanto, jamais houve Comunismo no mundo. Talvez nem Socialismo: não houve regime político governado pelos trabalhadores. O que houve foram ditaduras no comando de um “Capitalismo de Estado”.
Foram os norte-americanos, durante a Guerra Fria, que começaram a “acusar” de “comunistas” alguns países; eles próprios nem se definiam como tal.
Maiores informações:

https://voyager1.net/sociedade/6-medos-do-comunismo-se-tornam-reais-no-capitalismo/


Para quem acha que um texto em inglês é mais chique e credível:
Neste texto, o autor, Philip Blump, colhe explicações do Dr. Lawrence Quill, “chairman and professor of political science at San Jose State University: ‘Capitalism arose in the 17th century. In Adam Smith's  Wealth of Nations, is recognition that capitalism is going to make the lives of a good majority of the population miserable, and that there will be a need for government intervention in society and the economy to offset the worse effects.’”
Em seguida, Blump entrevistou Tori Waite, “who teaches high school history”. E observou que, tanto para Quill como para Waite, os Estados Unidos “não são uma sociedade capitalista pura”.
Ó horror! Ó heresia! Então os EUA não são devotos fervorosos do Deus-Mercado? É tudo de mentirinha? Só da boca para fora? Ou das fronteiras norte-americanas para fora, onde as “leis de mercado” são impostas com bombas e mísseis?!...
Agora só falta dizerem que a “Meritocracia” é outra balela, outra mentira para enganar os trouxas que acreditam que poderão ficar ricos e famosos mesmo com deficiências decorrentes da subnutrição na infância, do sucateamento da Educação, da existência passada em condições insalubres. Daqui a pouco vão dizer também que entidades como o SEBRAE, em tese dedicadas a fomentar o empreendedorismo, não passam de órgãos de propaganda das excelências do Capitalismo, iludindo o respeitável público com o sonho do sucesso e da riqueza... E vão dizer ainda que, acima de tudo, está a gigantesca máquina de propaganda norte-americana, um polvo com mil tentáculos.
O objetivo deste manual é ajudá-lo a compreender os motivos pelos quais você tem tanto ódio pelo PT, pelo “Bolivarianismo”, pelo “Socialismo”, pelo “Comunismo”, tanto preconceito de classe, tanto desprezo pelo pobre. Irá ajudá-lo também a entender por que você berrou obscenidades vergonhosas (que seus filhos e netos não saibam disso) contra a presidente Dilma, sob a regência de personalidades que terão triste registro em nossa História, ao lado de muitos criminosos e traidores do povo brasileiro. Vai ajudá-lo ainda a entender por que você bateu panelas, clamando pelo golpe de 2016, que colocaria no poder os sabotadores da esperança do povo, assim como as marchas “da família com Deus pela liberdade” soaram como convocação ao golpe plutomilitar de 1964. Como diria Prem Baba, um psicólogo e instrutor espiritual brasileiro que ganhou esse nome depois de uma imersão de três anos num ashram na Índia, a libertação em relação às crenças que foram “instaladas no nosso sistema” só é possível pelo autoconhecimento.

        Procure se lembrar da primeira vez em que você ouviu a palavra “Comunismo”. Eu me lembro. Nem foi propriamente a palavra que designa um sistema econômico, etc. O que ouvi pela primeira vez foi a palavra “comunista”. Ouvi de minha mãe. Para ela, “comunista” era um ser diabólico, traiçoeiro e não muito diferente de um ladrão, porque “pegava” a propriedade dos outros.
Minha mãe era tipicamente um produto da propaganda norte-americana no pós-guerra: tinha como ideal de vida o “american way of life”, sonhava com os filmes de Esther Willians e achava que os comunistas eram bandidos que roubavam, matavam e ainda delatavam seus parentes e amigos às autoridades tirânicas.

Muito mais tarde, já adulto jovem, eu ouviria a mesma palavra – “comunista” – pronunciada por minha avó, e com o mesmo clima de terror e suspeita.

Brizola estava sendo cogitado como candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro; e, pelo que eu já tinha lido, a mim me parecia uma ótima ideia. Minha avó então arregalou os olhos: “Mas Brizola é comunista!” E acrescentou que, caso ele fosse eleito, “seria uma tragédia”. É claro que eu ignorei os terrores irracionais de minha mãe e minha avó, e votei em Brizola.

A palavra “comunista” tinha uma carga tão forte que, se usada como adjetivo, automaticamente adquiria caráter de substantivo, que engolia a pessoa e neutralizava todas as demais características.

Por que a paranoia anticomunista não foi “instalada no meu sistema”? (Atenção, porque estou usando o meu caso apenas como exemplo – como situação-espelho em que muitos poderão ver a si próprios.) No Manual de Autoajuda do Iludido Político, eu pergunto, referindo-me à lavagem cerebral (expressão significativamente criada por um norte-americano) sofrida pelo brasileiro: “É você uma inocente vítima do Sistema? Nem tanto. O plano da Plutocracia só funciona por 3 motivos, frequentemente superpostos: você é ignorante (não lê, acredita na grande mídia); é egoísta (desconhece a empatia); e é ambicioso (sonha meramente com a ascensão pessoal).” Ou seja: as teses da “Meritocracia”, da “Democracia”, do “Livre-Mercado” (sempre com aspas) encontraram, no seu egoísmo, terreno fértil para prosperar. Assim, muitos bebem prazerosamente o vômito de Tio Sam.

No texto Os Efeitos da Radioatividade Midiática, eu explico por que algumas pessoas são imunes a essa influência da propaganda, explícita ou implícita, que eu chamo de radioatividade midiática: “primeiro, porque não há nelas, muito desenvolvido, aquele egoísmo basal em que se enraíza o pensamento de direita (...) segundo, porque (...) leem, pesquisam, refletem. Essa é a vacina contra a radioatividade.

Sei que esta segunda versão do Manual de Autoajuda do Iludido Político é um ingênuo discurso no deserto. Mas assim são as coisas. Há dois mil anos espera-se que certas verdades sejam assimiladas. Portanto, quem sou eu para querer audiência?
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Nota: a ilustração de abertura é uma 'caricatura fotográfica' do 'filósofo' Olavo de Carvalho, apóstolo do Neomacarthismo e guru dessa excrescência histórica (gerada exatamente no ninho do Neomacarthismo) chamada Jair Bolsonaro.

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