quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Dilma e Aécio são a mesma coisa?



A esquerda e o segundo turno das eleições no Brasil

Por Atilio A. Boron
Tradução de Renato Kilpp e Gabriel Eduardo Vitullo
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Texto editado por NMM. Original recolhido em post de Milton Temer no Facebook em 21/10/2014. 
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Obedecendo a uma ordem direta de Adolf Hitler, em 18 de Agosto de 1944, Ernst Thälmann morria fuzilado pelas SS no campo de concentração de Buchenwald depois de passar onze anos na prisão de Bautzen, para onde fora enviado pouco depois da ascensão de Hitler ao poder, em 1933, cumprindo a pena pelo imperdoável delito de ter sido o fundador e o dirigente máximo do Partido Comunista Alemão.

Thälmann havia aprovado uma linha política ultra-esquerdista, absoluta proibição de acordos com os partidos socialdemocratas ou reformistas. Nem o irresistível avanço do nazismo na Alemanha e do regime fascista na Itália conseguiram mudar esta diretriz. León Trotsky se opôs a ela e a condenou imediatamente. Antonio Gramsci confessava que este lema que debilitava a resistência ao fascismo “era uma estupidez”. Tanto o revolucionário russo quanto o fundador do PCI eram conscientes de que o sectarismo dessa tática terminaria por abrir as portas ao nazismo, comprometendo as perspectivas da revolução socialista na Europa.

A Terceira Internacional abandonou essa postura em seu VIIº Congresso, em 1935, para adotar as teses das frentes únicas antifascistas. Mas o suposto subjacente da tese do “socialfascismo” era que todos os partidos, à exceção dos comunistas, constituíam uma massa reacionária.

Marx e Engels haviam escrito no Manifesto Comunista que “os comunistas não formam um partido à parte, oposto a outros partidos operários... Os comunistas só se distinguem quando destacam e fazem valer os interesses comuns a todo o proletariado, independentemente da nacionalidade; e quando, nas diferentes fases pelas quais passam as lutas entre o proletariado e a burguesia, representam sempre os interesses do movimento em seu conjunto”.

Lenin, por sua vez, reiteradamente ressaltou a necessidade de que os bolcheviques elaborassem alianças, com outras forças políticas, que fizessem avançar o processo revolucionário.

Havia, tanto nos fundadores do materialismo histórico como no líder russo, uma clara ideia de que poderia haver partidos operários, ou representantes de outras classes, com os quais se poderia forjar alianças, e que nada poderia ser mais prejudicial que subestimar essa possibilidade e abrir as portas à vitória das expressões mais recalcitrantes e violentas da burguesia. 

Os parágrafos anteriores vem à mente porque muitos companheiros e amigos do Brasil anunciavam suas intenções de abster-se no segundo turno de 26 de outubro, com o argumento de que tanto Aécio quanto Dilma eram o mesmo e que o governo, em qualquer caso, estará a serviço do grande capital e contra os interesses populares.

A tese de que Aécio e Dilma “são o mesmo” vai provocar, caso triunfe o primeiro, terríveis consequências para as classes populares do Brasil e de toda a América Latina.

A análise marxista ensina que, em primeiro lugar, resolver os desafios da conjuntura exige, como tantas vezes dissera Lenin, uma “análise concreta da situação concreta” e não somente uma manipulação abstrata de categorias teóricas.

Dizer que Aécio e Dilma são políticos burgueses é uma caracterização tão grosseira como dizer que o capitalismo brasileiro é o mesmo que existe na Finlândia ou na Noruega – os dois países mais igualitários do planeta e com maiores índices de desenvolvimento humano.

Nenhuma análise séria do capitalismo pode limitar [-se às] determinações essenciais que o caracterizam como um modo de produção específico. Muito menos quando se trata de analisar uma conjuntura política.

Cometer esse erro é cair no infantilismo esquerdista que proliferou na Europa nos anos 20 e 30 do século passado. Dizer que Hitler e León Blum eram dois políticos burgueses não permitiu avançar um milímetro na capacidade para enfrentar a ameaça fascista. Em um caso tratava-se de um déspota sanguinário, fervoroso anticomunista; no outro caso, tratava-se de um primeiro ministro socialista da França, que acolhia os alemães e os italianos que fugiam do fascismo e que se opôs, sem sucesso, aos planos de Hitler.

Era evidente que ambos não eram o mesmo. Mas o sectarismo ultra-esquerdista facilitou a consolidação dos regimes fascistas na Europa.

Por suas convicções ideológicas, por sua inserção em um partido como o PSDB e por sua trajetória política, Aécio Neves representa a versão dura do neoliberalismo: império irrestrito dos mercados, desmantelamento do “nefasto intervencionismo estatal”, redução dos investimentos sociais, “permissividade” ambiental e apelo à força repressiva do estado para manter a ordem e conter aos revoltados.

Foi por isso que o Clube Militar – um antro de golpistas reacionários, nostálgicos da brutal ditadura de 1964 – decidiu brindar-lhe com seu apoio.

Seria imprudência que a esquerda não percebesse o processo de fascistização de amplos setores das camadas médias, o clima macartista que satura diversos ambientes sociais e que subestimasse a transcendência do que significa o explícito apoio a Aécio de parte dos militares golpistas.

Depois de Aécio o mais certo é que se inicie um ciclo de longa duração onde as alternativas à esquerda, inclusive de um processo “light” como o do PT, desapareçam, como ocorreu depois do golpe de 1964. É ilusório pensar que, sob Aécio, as classes e camadas populares irão dispor de condições mínimas para reorganizar-se; e que novos movimentos sociais poderão atuar com liberdade numa esfera pública cada vez mais controlada pelos aparelhos repressivos do estado; ou que novas forças partidárias poderão irromper para disputar, a partir das ruas ou das urnas, a supremacia da direita.

É óbvio que a opção no próximo 26 de outubro passa pela restauração conservadora que representa Aécio Neves ou pela continuidade de um neodesenvolvimentismo levado ao Planalto por aquele que foi o mais importante partido de massas da esquerda na América Latina.

Em que pese a capitulação perante as classes dominantes do Brasil, sua incapacidade para compreender a ameaça imperialista sobre o seu país – o país mais cercado por bases militares norte-americanas de toda a América Latina! – e o abandono de seu programa original, o PT conserva ainda um certo compromisso com as aspirações emancipatórias das classes populares que em 1980 o fizeram nascer.

Por isso, e diante da desaceleração da reforma agrária, Dilma pelo menos tem que explicar ao MST as razões do seu comportamento. Já Aécio não tem nada a ver com o MST nem com os camponeses brasileiros, e responderá com a polícia militarizada.

É bom ressaltar que o PT passou de uma organização moderadamente progressista a um típico “partido da ordem” e que sequer lhe serve adequadamente o adjetivo reformista.
Também não se desprende da nossa argumentação a necessidade ou a conveniência de que as forças de esquerda estabeleçam uma aliança com o PT. Mas na atual conjuntura, o voto em Dilma é o único instrumento disponível no Brasil para evitar um mal maior, muito maior.

Os companheiros que advogam pela neutralidade deveriamassinalar qual é a outra força política que poderia impedir a vitória do Aécio.

A esquerda não pode se refugiar numa pretensa neutralidade. E caso se consiga derrotar a reação conservadora, caberá aproveitar os quatro anos para reorganizar o campo popular desmobilizado pelas políticas do PT. E submeter o segundo governo de Dilma a uma crítica implacável, empurrando-a a um ataque a fundo contra a pobreza e a desigualdade, contra a prepotência dos oligopólios e contra as chantagens das classes dominantes aliadas ao imperialismo.

No plano internacional o trunfo dos tucanos teria gravíssimas consequências porque colocaria no Planalto a uma força política submetida por completo aos ditames da Casa Branca; sabotaria os processos de integração supranacional em andamento como o Mercosul, a UNASUL e a CELAC; serviria como ponta de lança para atacar a Revolução Bolivariana e os governos de esquerda e progressistas da região; para isolar a Revolução Cubana e para oferecer apoio material e humano do Brasil para as infinitas guerras do império.

Este tem lançado uma fortíssima campanha para que seu candidato, Aécio, triunfe. Se tal coisa chegasse a acontecer, uma longa noite cairia sobre a América Latina e o Caribe.
Sem exagerar nas analogias históricas, conviria meditar sobre a sorte corrida por Thälmann graças à tese que sustentava a igualdade essencial de todos os políticos burgueses."
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