Miruna,
filha de Genoino: “A grande mídia parecia sentir prazer em nos sufocar”
[Texto editado por NMM.]
Texto original, publicado em
19 de fevereiro de 2017:
José
Genoino foi um político de esquerda respeitado por todo mundo, até mesmo pelos
adversários. A partir de 1982, quando foi eleito deputado federal pelo PT pela
primeira vez, Genoino se tornaria um dos mais brilhantes e habilidosos
parlamentares que o Congresso já conheceu. Depois do mensalão, tudo mudou.
Genoino, que jamais acumulara bens além da casa simples em que vive até hoje,
em São Paulo, seria tratado como um pária, um ladrão, um corrupto. E sua
família, assediada e perseguida por uma imprensa feroz e sádica em sua sanha
antipetista. Nenhum dos repórteres que cobriam a Câmara no auge do petista como
parlamentar foi capaz de defendê-lo da injustiça. “Esta atitude da imprensa
magoou demais meu pai, porque ele não esperava este tratamento unilateral, sem
espaço para a verdade”, diz Miruna. “Ele rememorava toda a luta na ditadura por
uma imprensa livre, mas, quando precisou, foi achincalhado. Não respeitaram
meus filhos, pareciam sentir prazer em nos sufocar. Muito triste ter vivido
isso.”
A
educadora, primogênita de Genoino, vai lançar, em março, o livro Felicidade
Fechada, onde transmite a visão dos familiares do petista sobre uma
das maiores injustiças da história recente do país. É uma obra delicada, onde o
olhar carinhoso da filha aparece em primeiro plano, sem lugar para rancor,
mágoa ou vingança. “Nessa história, não vou falar de dados e informações. Não vou ficar explicando que meu pai é
inocente, porque os empréstimos que ele assinou foram registrados na
Justiça Eleitoral e já foram pagos pelo PT e aceitos pelo Tribunal de Justiça
Eleitoral. Isso foi relatado e é verdade. Não vou dizer que não existiam provas que o condenassem. E vou tentar não ficar
aqui soando como uma magoada, repetindo que
o acontecido foi um tribunal de exceção. Não pretendo falar de tudo, porque
quero contar a verdade desde dentro, desde quem viveu cada momento, desde quem
cresceu sendo criada por um pai exemplar, que se tornou um avô iluminado e que
jamais roubou nada de ninguém, nem deixou de seguir os princípios de justiça e
igualdade que sempre o guiaram”, adverte, na introdução.
No livro
aparecem poucos nomes. “Alguns nomes específicos ficaram fortes neste percurso?
Sim. Mas não foram estes nomes que decidiram, foi um movimento grande. Foi a
grande imprensa, foi a opinião pública, que acreditou, foi o STF como um todo,
não um juiz. Nosso foco é no processo, como um todo, que foi injusto.”
“Meu
livro não trata de vingança. Meu livro trata de vida, quer deixar um registro de
que José Genoino é inocente. E isso é o mais importante, não as decepções.”
Um dos
momentos mais tocantes é quando a família, reunida após um almoço descontraído
com amigos, recebe, de repente, a notícia de que Genoino será preso.
Foi
quando o telefone do meu pai tocou. Ele mudou sua expressão, foi falando e se
levantando, e nós não conseguíamos falar. Ele desligou e disse: ‘Saiu o papel.
Chegou a hora pessoal’ Com a mala pronta, esperando o advogado, meu pai foi
para a cozinha e disse: ‘Vamos lá pessoal, é uma injustiça, mas eu estou forte,
vamos lá, vamos começar logo com isso’. Meu pai não aguentava mais a tortura de
esperar e mostrava que já que era para viver a injustiça, que começasse logo de
uma vez.”
Para
visitar Genoino na Papuda, tinham que vestir-se completamente de branco. “Desde
que soube que isso era assim, pensei e busquei todo tipo de explicação para
essa obrigatoriedade, e só penso em uma coisa: marcar as famílias. Marcar e
humilhar as famílias com a mesma vestimenta que qualquer preso."
Causa
indignação ler o relato de Miruna sobre a extrema agressividade de repórteres e
fotógrafos no contato com a família do então deputado federal, e a forma como a
imprensa se portou diante do problema de coração que ele teve durante o
processo. “A maior ferida de todas é aquela causada por terem conseguido,
mídia e pessoas covardes, colocar em dúvida a real condição de saúde do meu
pai. Quem dera não tivéssemos que passar por juntas médicas, que olhavam meu
pai como um enganador de sua própria condição de saúde.”
Pergunto
a Miruna como é o estado de espírito de José Genoino hoje, fora da prisão, seu
cotidiano…
– Ele
também pretende escrever um livro?
– Meu
pai se dedica a conversas sobre sua paixão, que é a política, e a sociedade
democrática e justa. Está estudando, e está se dedicando muito à família, em
especial aos netos, fazendo com eles o que não pôde fazer por mim e por meus
irmãos por conta da política. E sim, quando chegar o momento meu pai vai falar,
vai contar a sua verdade e sua história.
– Como
vocês estão acompanhando a nova prisão de Zé Dirceu e a Lava-Jato?
– Nós
sentimos muito esta prisão do Zé Dirceu. A Lava-Jato nos preocupa, e precisamos
repensar esta relação mídia e justiça, pois quem é citado tem seu nome jogado
nas manchetes, sua casa invadida, e isso é uma injustiça por si só, ser
condenado antes de ser julgado com imparcialidade.
– Você
diz no livro que aguarda Justiça. Que tipo de Justiça ainda poderia ser feita?
– Um
novo julgamento deste processo todo. Que sejam analisadas as provas, e não os
“achismos”, as situações de “ele deveria saber”. Que um dia se prove que meu
pai nunca cometeu crime algum. Sua história não é de dinheiro, mas sim de luta
por seus ideais, de forma democrática e humana.
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