LIBERALISMO E
NAZIFASCISMO POSSUEM MAIS AFINIDADES DO QUE VOCÊ IMAGINA
Seria mesmo o Liberalismo o maior inimigo do Fascismo?
Texto original:
Texto editado / NMM:
Em
tempos nos quais o cinismo impera, vem sendo bastante difundida a máxima de que
“o maior inimigo do Fascismo é o Liberalismo”. No entanto, há fatos
para desmistificar tal falácia.
Um liberal na gênese do Fascismo
Vilfredo
Pareto,
economista liberal e sociólogo, inimigo mortal de qualquer protótipo de socialismo,
contrário a qualquer intervencionismo no mercado e defensor da dominação das
elites, foi um dos teóricos que produziram a ideologia precursora do Fascismo.
Pareto argumentou que a democracia era uma
ilusão e que uma classe dominante sempre irá subsistir; acreditava que as
desigualdades sociais faziam parte de uma ordem natural. Ele reivindicou uma
redução drástica do Estado e conceituou o regime de Benito Mussolini como uma transição para
esse Estado mínimo. “Nos primeiros anos de seu governo, Mussolini literalmente
executou a política prescrita por Pareto, destruindo a liberdade política.” (BORKENAU, Franz. Pareto. Nova Iorque: John Wiley
& Sons, 1936. p. 18.)
Pareto
considerou o triunfo de Mussolini uma confirmação de suas ideias, especialmente
a importância da força e seu desprezo por um sistema igualitário. A importância
dele para o Fascismo foi equivalente à de Karl Marx para o Socialismo científico.
O Liberalismo como agenda das
políticas econômicas de Mussolini
De 1922 a 1925, Mussolini e seu governo totalitário deram
continuidade à política econômica do laissez-faire.
“Depois da nomeação de Mussolini como primeiro-ministro,
os industriais sentiram-se ainda mais recompensados
com a designação de
Alberto De Stefani, um intransigente liberal, como ministro das Finanças.
De Stefani reduziu
impostos, aboliu isenções fiscais que beneficiavam contribuintes de baixa renda,
facilitou as transações com ações e a evasão fiscal reintroduzindo o anonimato
(abolido por Giolitti), eliminou a regulamentação dos aluguéis, privatizou os
seguros de vida (introduzidos por Giolitti) e transferiu a gestão do sistema de
telefonia para o setor privado.” (SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo.
Rio de Janeiro: Agir, 2009. p. 120)
Ademais, a ascensão do Fascismo (tal como a do Nazismo de Adolf
Hitler na Alemanha) só foi possível com a colaboração e o suporte financeiro de
grandes corporações ainda hoje poderosas: BMW, Fiat,
IG Farben (Bayer), Volkswagen, Siemens, IBM, Chase Bank, Allianz, entre outros
grupos de mídia, que financiaram esses regimes com o objetivo de frear o avanço
do socialismo soviético na Europa.
“Os industriais não confiavam em
Mussolini, que deu-se conta disto, tratando, em 1921, de adaptar sua linguagem para o
liberalismo econômico e abandonar os princípios de intervencionismo estatal até então apregoados por ele. Em 1922, para todos os efeitos,
aderira plenamente ao liberalismo econômico.”
(…)
“Os industriais, ao longo de 1922,
mantiveram-se calados, como se não
conseguissem reunir coragem para apoiar abertamente o Fascismo. À medida que os fascistas se fortaleciam, os
industriais passaram a simpatizar com eles, como tantos outros que até
recentemente defendiam a importância da Democracia.No momento
em que Mussolini foi designado primeiro-ministro, a maioria dos capitalistas
passou a apoiá-lo praticamente sem reservas.”
(…)
“Se dependesse de sua preferência, o novo governo
seria chefiado por um liberal; apenas estavam convencidos de que os fascistas haviam
se tornado a principal força antissocialista do país.” (SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo.
Rio de Janeiro: Agir, 2009. pp. 115, 116, 118 e 119)
No dia 20 de setembro de 1922, em discurso pronunciado na cidade de Udine, Mussolini declarou:
Queremos retirar do Estado todos os
seus poderes econômicos. Basta de ferroviários estatais, carteiros estatais,
seguradores estatais. Basta deste Estado mantido à custa dos contribuintes e
pondo em risco as exauridas finanças do Estado italiano.
No filme Fascismo Inc., o cineasta Chatzistefanou esmiúça a
também estreita
colaboração de industriais e banqueiros com os nazistas para perseguir e
destruir o sindicalismo e os socialistas, a quem chamavam de “terroristas”.
Detalhe: Hitler extinguiu o Partido Comunista alemão um dia depois de tomar
posse.
Teóricos neoliberais justificaram
e legitimaram o Nazifascismo
Os
liberais do início do século XX e os liberais neoclássicos, que deram origem ao Neoliberalismo, defendiam o Fascismo
e sua variante nazista como necessários para manter a ordem capitalista.
Declaração
de Friedrich Hayek:
Hitler não precisou destruir a Democracia; limitou-se
a tirar proveito da sua decadência e conseguiu o apoio de muitos que consideravam-no
o único homem bastante forte para pôr as coisas em marcha.” (HAYEK,
Friedrich. O caminho da servidão. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal,
1990. p. 90)
Ludwig von Mises atuou como conselheiro econômico do governo
fascista de Engelbert
Dollfuss na Áustria. Em seu livro “Liberalismo — Segundo a tradição clássica”,
ele reitera que o Fascismo foi um movimento político que teve como um de seus
principais objetivos o combate ao Bolchevismo.
Nesta obra, Mises também não hesitou em legitimar, elogiar e,
até mesmo, enaltecer o Fascismo:
“Não se pode negar que o Fascismo e movimentos semelhantes,
visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções
e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito
que, por isso, o Fascismo obteve para si estará inscrito na História. Porém,
embora sua política tenha propiciado salvação momentânea, não é do tipo que
possa prometer sucesso continuado. O Fascismo constitui um expediente de
emergência.” (VON MISES, Ludwig. Liberalismo
– Segundo a Tradição Clássica / Ludwig von Mises. — São Paulo:
Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. pp. 75 e 76)
A origem totalitária do
Neoliberalismo
Antes de Augusto Pinochet liderar o golpe militar chileno que destituiu, Salvador Allende — com aprovação da burguesia e apoio financeiro dos Estados Unidos —, surgiu em alguns setores ligados à política externa dos EUA e
da Grã-Bretanha um movimento cuja intenção era encaixar os governos
desenvolvimentistas do Terceiro Mundo na lógica binária da Guerra Fria. Para os falcões, o nacionalismo seria o primeiro passo rumo
ao totalitarismo comunista.
Portanto, erradicar o desenvolvimentismo no Cone Sul tornara-se uma
meta. Agências estavam engajadas em combater o desenvolvimentismo e o Marxismo no plano
intelectual, bem como suas influências sobre a economia latino-americana. No
que tange ao Chile,
o plano consistia em financiar estudantes chilenos para aprender economia na mais reconhecidamente anticomunista escola do
mundo — a Universidade
de Chicago — de forma a combater economistas “vermelhos” como Raúl Prebisch. Naquela
universidade, predominava Milton
Friedman, um dos expoentes da Escola Monetarista e ferrenho
defensor da liberdade irrestrita de mercado e do laissez-faire. Os Chicago Boys se tornaram
verdadeiros embaixadores de ideias econômicas que na América Latina ficaram
conhecidas como “Neoliberalismo”. Muitos deles aderiram ao movimento fascista
chileno Pátria e Liberdade. Às vésperas do golpe, elaboraram um programa
econômico que nortearia as ações da junta militar, um calhamaço conhecido como
“O Tijolo”. O teor desse documento era muito similar ao livro de Friedman “Capitalismo e Liberdade” e
propunha, dentre outras coisas, privatizações, desregulamentação e cortes nos
gastos sociais, a clássica tríade do livre mercado.
Em princípio, as ideias dos Chicago
Boys não encontraram campo fértil no Chile. Só
depois do golpe de Estado foi possível pôr em prática suas ideias.
No 11 de setembro de 1973, a caserna deu as mãos à austeridade
econômica para dar origem a uma das mais violentas ditaduras da História, que
também contou com a assessoria e apoio aberto de Friedrich Hayek.
Assim,
a primeira experiência neoliberal não se deu na Inglaterra de Thatcher ou nos
Estados Unidos de Reagan. Nasceu, isso sim, gêmea de um sangrento regime
militar. Em 1977, de quebra, Pinochet ainda entregou o Ministério das Finanças
ao Chicago Boy Sérgio
de Castro.
Considerações finais
A essa altura do texto já fica fácil compreender
por quê:
- o primeiro bloco de
privatizações aconteceu na primeira nação fascista
que o mundo conheceu, a Itália, nos anos 1920 (a publicação inglesa The
Economist cunhou o termo “privatização” para denominar a política econômica
fascista);
- o segundo bloco de privatizações em massa (que
inclusive superou a italiana fascista) ocorreu na segunda, a Alemanha
nazista, nos anos 1930; e
- após nascerem em berço fascista durante os
anos que antecederam a 2ª Guerra Mundial, as privatizações voltaram a
aparecer nos anos 1970, no governo fascista do ditador chileno Augusto
Pinochet.
Não pretendemos colocar um sinal de igualdade entre
Liberalismo e Fascismo. Porém, o Liberalismo não se constituiu em um entrave ao
Fascismo, ele inclusive forneceu as justificativas ideológicas para sua
expansão europeia — e mais tarde sul-americana.
A História comprova-nos que Fascismo e Liberalismo podem atuar em consonância, fundamentalmente no propósito do combate a
seus maiores inimigos comuns: social-democratas, socialistas, comunistas,
bolcheviques, marxistas… Isto é, todos aqueles que tinham uma visão crítica
do capitalismo, propondo sua superação ou mesmo propondo políticas reformistas.
Fontes:
• UFCG – Bio de Vilfredo Pareto
• PARESCHI, Lorenzo; TOSCANI, Giuseppe – Interacting Multiagent Systems: Kinetic Equations and Monte Carlo Methods
• EATWELL, Roger; WRIGHT, Antony – Contemporary Political Ideologies. London: Continuum. (páginas 38–39).
• AMOROSO, Luigi (janeiro de 1938). “Vilfredo Pareto”. Econometrica.
• UFSC – AUTORITARISMO E CHOQUE
• Jacobin – Capitalism and Nazism
• USP – A formulação do pensamento neoliberal na América Latina em perspectiva comparada: o pensamento econômico de Eugênio Gudin (Brasil), Martinez de Hoz (Argentina) e Sergio de Castro (Chile) (PDF)
• Cambridge Journal of Economics – The first privatisation: selling SOEs and privatising public monopolies in Fascist Italy (1922–1925)
• BARBIERI, Giovanni. Pareto e il fascismo.
• BORKENAU, Franz. Pareto. Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1936.
• SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
• PARESCHI, Lorenzo; TOSCANI, Giuseppe – Interacting Multiagent Systems: Kinetic Equations and Monte Carlo Methods
• EATWELL, Roger; WRIGHT, Antony – Contemporary Political Ideologies. London: Continuum. (páginas 38–39).
• AMOROSO, Luigi (janeiro de 1938). “Vilfredo Pareto”. Econometrica.
• UFSC – AUTORITARISMO E CHOQUE
• Jacobin – Capitalism and Nazism
• USP – A formulação do pensamento neoliberal na América Latina em perspectiva comparada: o pensamento econômico de Eugênio Gudin (Brasil), Martinez de Hoz (Argentina) e Sergio de Castro (Chile) (PDF)
• Cambridge Journal of Economics – The first privatisation: selling SOEs and privatising public monopolies in Fascist Italy (1922–1925)
• BARBIERI, Giovanni. Pareto e il fascismo.
• BORKENAU, Franz. Pareto. Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1936.
• SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
3 comentários:
Brilhante este trabalho, nos mostra com clareza, pelo comparativo histórico o que vem ocorrendo no Brasil,onde Guedes de forma clara nos apresenta os modelos que acredita e segue
Brilhante este trabalho, nos mostra com clareza, pelo comparativo histórico o que vem ocorrendo no Brasil,onde Guedes de forma clara nos apresenta os modelos que acredita e segue
Brilhante este trabalho, nos mostra com clareza, pelo comparativo histórico o que vem ocorrendo no Brasil,onde Guedes de forma clara nos apresenta os modelos que acredita e segue
Postar um comentário