terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Na borra de café


Nelson M. Mendes

A famosa mística Helena Blavatsky foi uma vez inquirida por um entrevistador sobre aquela ideia, divulgada em seus livros,  de que Deus está presente em todas as coisas. Queria o entrevistador saber se não era uma blasfêmia supor que Deus estivesse, por exemplo, nas cinzas do charuto sobre a mesa.

A resposta de Blavatsky perdeu-se nas cinzas da memória. Mas é óbvio que não se pode imaginar uma única infinitesimal partícula do Universo (que grafamos em maiúscula, contrariando a tradição gramatical, por considerar que trata-se de topônimo superior a todos os outros) em que não esteja presente a única coisa que verdadeiramente existe.  

Deus – é claro – está também  na borra de café.

Mensagens superiores são vertidas por meios diversos: a Astrologia, o Tarô, o I Ching... e a borra de café. Enquanto o homem não pode Ver diretamente, ele se vale desses interessantíssimos espelhos, que refletem verdades, previsões e advertências.

Mas as mensagem se revestem de símbolos. As metáforas, ao contrário do que supõem certos intelectuais com pretensões de “isenção” e “rigor científico”, não existem para ornamentar o texto: são recursos valiosíssimos quando se trata de expressar coisas sutis e muitas vezes indizíveis de outra forma. Metáforas foram  usadas por grandes pensadores: de Platão a Jung,   do mais antigo sábio hindu ao  contemporâneo astrofísico. (O que são expressões como “buraco negro” ou “horizonte de eventos” senão metáforas?) Mesmo os grandes instrutores da humanidade recorriam aos símbolos. Disse um conhecido místico a seu grupo de seletos discípulos: “A vós é dado conhecer os mistérios do reino de Deus; mas, para os que estão de fora, todas essas coisas se dizem por parábolas.”

As parábolas, no caso de Jesus, eram uma forma de dizer sem revelar. Há uma tradição milenar, presente em todas as religiões, cara a todos os respeitáveis instrutores, de que certos saberes só podem ser explícita e integralmente apresentados a quem estiver moral e intelectualmente preparado.

As parábolas e metáforas, no caso desses instrumentos em que buscamos no visível o reflexo do invisível, são a própria linguagem possível através da qual eles nos falam. Diz Annie Besant (aliás, discípula de Blavatsky): “O mito é infinitamente mais verdadeiro do que a história.” Depois de fazer uma metáfora relativa a corpos e suas sombras, Besant cita o antigo aforismo: “O que está em cima é análogo ao que está embaixo.”

O que está nas estrelas está na borra de café. Porque o Todo está em tudo.

E a borra fala – claro – na linguagem de todos os mestres e oráculos.

Coube-me viver a experiência. Eu achei que iria apenas tomar um turkish coffee; mas a leitura da borra era o brinde especialíssimo. A intérprete disse a princípio algumas coisas triviais; mas, em seguida, parecendo vagamente surpresa e intrigada, falou: “Você tem um segredo – um segredo bom. Mas não quer revelar porque acha que as pessoas não estão preparadas.”

Não entendi a que ela exatamente se referia; meu intelecto não foi alimentado. Mas meu coração soube imediatamente que ela dizia uma verdade.

Depois, ainda parecendo intrigada, ela disse: “Você tem uma chave. Mas não sabe que porta abrir com essa chave.”

Mais uma vez, meu intelecto não absorveu uma informação; meu coração, sim. E senti que a referência ao “segredo” estava de alguma forma relacionada à da “chave”. Há um segredo a ser revelado. Uma porta a ser aberta.

Meu intelecto se cala. Mas meu coração acredita que este simples relato já me aproxima da porta.

Um comentário:

Unknown disse...

Nelson, que lindo!!!! Sempre soube que a você estava reservado um propósito muito mais elevado.
Amo você.