terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O 25 de dezembro


Nelson M. Mendes

Todos sabemos o que acontece no dia 25 de dezembro: é comemorado o Natal. E o que é o Natal? É a data de nascimento de Jesus Cristo. E quem foi Jesus Cristo?
Em primeiro lugar: Ele não foi; Ele é, e sempre será.
Em segundo lugar: quase tudo o que se diz de Cristo é bobagem; invencionice humana; conversa fiada de papas, bispos, clérigos, pastores.
A começar pela data de Seu nascimento. Sim, o 25 de dezembro é apenas uma convenção.
Annie Besant, que tinha olhos para ver o invisível, leu tudo e conviveu com muitos mestres espirituais, explica, no livro “O Cristianismo esotérico”, que 136 datas diferentes já foram adotadas, até que o Papa Júlio I, em 337, resolveu adotar a mesma data em que os pagãos comemoravam as Brumélias, em honra a Baco, de modo que tanto pagãos quanto cristãos pudessem em paralelo e em paz fazer seus respectivos rituais.
Então já sabemos: um papa decretou que Jesus nasceu em 25 de dezembro. E que outras verdades foram estabelecidas por decreto? Muitas. A Bíblia é uma colcha de retalhos. Alguns brilham de Beleza e Verdade; outros desfazem-se facilmente ao toque da razão; há ainda os sujos e até fedorentos.  Porque o costureiro era humano. Melhor dizendo: os costureiros eram humanos.
Muita coisa mudou desde que Jesus pregou na Palestina, até que fosse finalmente pregado na cruz. Depois de morto, por anos continuou instruindo seus discípulos – é o que registra a literatura espiritualista. Mas, na versão do Catolicismo, Ele foi direto sentar-se “à direita de Deus-Pai”. Era o fim da história.
O Catolicismo decretou ou inventou muitas coisas, de acordo com conveniências políticas e interesses econômicos.
Conta Leonardo Boff (que deve conhecer um pouquinho da história da igreja) que o Cristianismo primitivo (“Cristianismo-raiz”) era uma espécie de Comunismo: amar e compartilhar eram a norma naquela sociedade. O Cristianismo posterior (“Cristianismo-nutella”) seguiu o caminho da acumulação de riqueza e poder.
Havia que baixar novos decretos. Por exemplo: um outro papa, Virgílio, por pressão de Teodora, mulher do imperador Justiniano, resolveu acabar com a ideia de reencarnação. Então, em 553, no Segundo Concílio de Constantinopla, foi decretado que não havia reencarnação. Ponto. Ora, muita gente esclarecida diz que a Bíblia está cheia de referências à reencarnação. O próprio Paramahansa Yogananda (que deve entender um pouquinho do mundo espiritual) afirma isso.
Mas as besteiras não pararam aí.
Passemos rapidamente para uma besteira contemporânea. Não da igreja, não de papas, bispos e pastores: uma besteira bem brasileira, muitíssimo comum.
Todos nós, em algum momento, já sentimos a famosa “vergonha alheia”. Eu sinto vergonha é por quem usa a expressão. Por quê? Porque eis a primeira acepção, no dicionário do Aurélio, de alheio: “Que não é nosso; que pertence a outrem.” Ora, se a vergonha é alheia, eu não a posso sentir. O que eu sinto, quando vejo as pessoas abastardando assim o vernáculo, é vergonha vicária. Vicário é que significa “no lugar do outro”, “pelo outro”.
E aí chegamos a outra besteira da igreja: a doutrina da expiação vicária dos pecados: Jesus teria morrido para pagar pelos pecados humanos. Muito cômodo, não é mesmo? Ora, isso é jogar fora todo o Plano Divino, contrariar sábios e mestres ao longo das idades, desconsiderar o sentido do Karma.
Outra bobagem é a ideia do pecado original. Huberto Rohden, que foi padre jesuíta e abandonou a batina porque não cabia entre as paredes do dogmatismo católico, chega a fazer divertidas ironias sobre o ritual com que o sacerdote expulsa o Demônio do corpo do bebê a salpicos de água-benta...
Então quer dizer que, a poucos dias do Natal, estou eu cá investindo contra todos os valores cristãos?
Claro que não: eu estou atacando as besteiras cristãs.
Mesmo Paramahansa Yogananda, hindu, e que aponta o equívoco do Cristianismo em negar a reencarnação, que fazia parte da doutrina cristã original e à qual o próprio Jesus fez referência em alguns momentos, reconhece em Cristo um emissário de Deus; assim como Krishna, assim como Buda...
Alguns céticos, prontos para negar a validade de qualquer religião e a classificar todos os sábios e santos como demagogos ou fanáticos delirantes, lembram que muitos mitos religiosos são semelhantes, o que significaria que alguém, um dia, inventou uma bela história da carochinha e todo mundo a copiou.
Mais uma vez Annie Besant, inicialmente ela própria descrente e materialista (até bater de frente com Helena Blavatsky), explica: as histórias são parecidas porque são de fato a mesma história, vivida pelo mesmo ator incorporando o mesmo personagem, embora com novo nome e nova aparência.
Paramahansa Yogananda relata uma visão ou sonho em que Krishna e Cristo caminhavam de mãos dadas. Não há, na verdade, diferença entre Eles: são ambos manifestações da mesma – vá lá o termo – entidade.
Portanto: não se trata de negar Cristo, condenar o Cristianismo, desqualificar o Natal. Trata-se de condenar este Cristianismo, tal como o conhecemos, que é um “festival de besteiras” – como diria Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.
Não é preciso falar da ignomínia que foi a Santa inquisição, que mandou para a fogueira hereges e bruxas; ou das Cruzadas, realizadas sob pretextos parecidos aos invocados pelos norte-americanos contemporâneos para justificar suas guerras; ou da participação da igreja no genocídio que foi a colonização; nem é preciso falar de sacerdotes indignos, de papas ambiciosos ou nazistas, de pastores picaretas.
Não é porque existem charlatães, que devemos descartar a Medicina; não é porque há juízes dedicados a praticar a injustiça e defender a mentira, a serviço de interesses econômicos, que devemos descartar o Direito; não é porque há homens que fazem o estilo “Don Juan” e existem mulheres infiéis, que toda a humanidade seja composta de conquistadores e adúlteras.
Charles Leadbeater (colega de Besant na Sociedade Teosófica) explica que as forças superiores conseguem usar todos os canais religiosos (mesmo os mais sujos e obstruídos) para fazer chegar alguma luz ao coração humano. Isso significa que o Cristianismo, apesar de toda a história de sangue e sujeira, reflete de fato a luz de Cristo. Isso significa que o Natal, arbitrariamente datado ou não, merece, sim, ser comemorado.
Mas que não sejam execrados aqueles que não o comemoram. Todo dia é dia de Cristo. E Aquilo que Cristo representa está em toda parte. Foi o que captei nas minhas caminhadas meditativas e registrei num poema:


O Templo

O meu templo
são as areias
da praia
A abóbada
que me cobre
não é de mármore
ou cal
é a celeste,
mesmo,
com seu azul
infinito
e as estrelas
ocultas.

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