quinta-feira, 7 de março de 2019

O capitão e a barbárie social


O real projeto do governo do capitão

é a barbárie social


Marcio Sotelo
Texto original:

A face hedionda do governo Bolsonaro mostrou-se claramente: a reforma da previdência e o código Moro se complementam.
A reforma da previdência vai aprofundar a miséria da massa trabalhadora. Uma tal estrutura iníqua de dominação não é mantida apenas com mecanismos ideológicos.
É preciso também a violência do Estado para controle dos excluídos.
Essa é uma das funções estruturais do direito penal e a realidade por trás da aparência do Projeto Moro.
A extensão da excludente de ilicitude para incluir “medo”, “surpresa” e “emoção”, na prática, significa a legalização do homicídio para a polícia. Não atingirá quem mora no Leblon ou nos Jardins.
O Estado neoliberal é grande para punir, mas encolhe para ser utilizado como instrumento de acumulação.
A reforma da previdência, a longo prazo, retira do Estado a função de gerir a previdência.
Assim, abre-se o espaço para fundos privados, dominado por grandes grupos financeiros que passam a controlar de acordo com a lógica do mercado uma massa formidável de recursos. O resultado disso no Chile estamos vendo: suicídio de idosos.
O déficit da previdência é a grande mentira do século 21, pelo menos até este ano da graça de 2019. Ele simplesmente não existe.
É uma manobra grosseira martelada incessantemente, dia e noite, pelos grandes órgãos de comunicação.
Previdência, saúde e assistência social compõem a seguridade social. Isto está no artigo 194 da Constituição Federal.
As fontes de financiamento dessas três áreas são Contribuições dos empregados e empregadores, COFINS, PIS-PASEP, importações e até loterias.
Considerando essa massa de recursos, a seguridade social tem superávit.
O que na verdade sangra o orçamento da União é a dívida pública. É ela que suga a riqueza produzida pelos trabalhadores para pagar juros e o serviço da dívida. Em 2018 foram dispendidos 380 bilhões de reais, algo entre 40 e 50% do orçamento da União.
Parte dos recursos para a dívida vem exatamente das fontes de financiamento da seguridade social que estão lá no Art. 195 da Constituição e que deveriam apenas financiar a seguridade social. Pelo mecanismo da DRU (Desvinculação de Receitas da União) esses recursos são utilizados também para a dívida pública.
Então, é preciso diminuir as despesas com a Previdência para que o superávit das fontes de receita da seguridade social esteja disponível para o pagamento dos juros e serviço da dívida.
O ajuste fiscal de que precisamos é outro. Lucros e dividendos, por exemplo, estão isentos de Imposto de Renda.
A monstruosidade aparece quando, em vez de tributar lucros, corta-se o Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos pobres com mais de 60 anos.
O ajuste fiscal precisa ser feito para que o Estado possa oferecer saúde, educação, bens sociais, investir, gerar empregos. Mas esses gastos estão congelados porque o parasitismo financeiro precisa de recursos.
Mais e mais as classes dominantes refestelam-se no capitalismo financeiro parasitário provocando a desindustrialização.
Segundo dados do IBGE, a indústria responde hoje por apenas 11 por cento do PIB, a menor desde os anos 50.
A desindustrialização gera um efeito tremendo na base da sociedade. Circulação de ativos financeiros não produz riqueza real.
Pauperiza-se a base da sociedade, que não tem como consumir, e constitui-se o círculo vicioso da desindustrialização.
Nesse cenário, que não abre qualquer perspectiva para os despossuídos, é preciso um xerife Moro para manter essa pirâmide social lotando presídios.
Transcrevo parte de uma entrevista de John Ehrlichman, assessor de Nixon:.
“A campanha de Nixon em 1968 e a Casa Branca, depois, tinham dois inimigos: a esquerda contrária à guerra (do Vietnam) e os negros (…) Sabíamos que não podíamos tornar ilegal ser contra a guerra ou ser negro, mas ao fazer com que as pessoas associassem aos hippies a maconha e aos negros a heroína, e penalizar severamente ambas as substâncias, podíamos deter seus líderes, realizar incursões em suas casas, interromper suas reuniões e difamá-los noite após noite nos noticiários. Sabíamos que estávamos mentindo sobre as drogas? Claro que sim”.
É uma confirmação empírica do conceito de direito penal como meio de dominação pelo controle da massa de excluídos.
O endurecimento das leis penais é tanto maior quanto maior a desigualdade e a irracionalidade da estrutura social. É para isto que serve o Código Moro.
No governo do capitão, as duas pontas do laço que vai apertar mais o pescoço da massa excluída estão nas mãos de Guedes e Moro.
Pouco importa para os setores beneficiados quem seja o presidente. Pouco importa que seja notoriamente despreparado, com um comportamento fora da do padrão de normalidade psicológica.
O caos e as trapalhadas desse governo somente incomodam essa elite se põem em risco a reforma da previdência, vale dizer, o capitalismo parasitário.
Aí então editoriais e colunistas irados passam uma carraspana no tresloucado presidente e deixam nas entrelinhas a ameaça de apeá-lo do poder. E eles o farão se realmente o trapalhão se revelar incapaz de conduzir a reforma que eles querem.
Bolsonaro é uma sombra. O real é esse projeto de acumulação e consequente pauperização da massa e seus condutores são de verdade o poder hoje. O real é esse projeto de barbárie social.
MARCIO SOTELO FELIPPE é advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo. É mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP

Um comentário:

Deus Carmo disse...

Este é um movimento mundial depois que demoliram o socialismo no mundo. Mas acredito no poder da dor. O sofrimento dará às massas a consciência necessária para se levantarem contra a opressão. Foi assim e assim será. Aí vale a máxima quanto pior, melhor.