Quem sabe faz a hora
Por Marilena Chaui*
Considerações
sobre o Manifesto “O Brasil não pode ser destruído por
Bolsonaro”.
“Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer” (Geraldo Vandré)
Texto
original:
Texto editado / NMM:
O
Manifesto “O Brasil não pode ser destruído por Bolsonaro” é
uma convocação para agirmos no momento oportuno.
Seu acerto é
duplo. Em primeiro lugar, por propor agir como uma frente nacional contra a incitação
ao homicídio feita por Bolsonaro ao se opor ao isolamento social, e sua demora
em tomar providências mínimas para assegurar a vida de milhões de brasileiros.
Em segundo
lugar, o Manifesto acerta ao propor a renúncia de Bolsonaro e não seu
impeachment, pois este acrescentaria à crise atual mais uma crise num momento
em que a sociedade brasileira clama por clareza de objetivos e de ações.
Para não esquecer
Durante os
últimos 35 anos, vimos surgir e agir uma personagem batizada de “O Mercado”,
dotado de onisciência e onipotência. Onisciência porque sabe sempre e os rumos
corretos e necessários do Capitalismo. Onipotência porque possui um poder
incontestável de decisão sobre as ações dos Estados e das sociedades e sobre os
corações e as mentes dos indivíduos. “O Mercado”, como sabemos, é o apelido do
Capitalismo neoliberal.
Ora, nas últimas
semanas com a expansão do coronavírus, a palavra “mercado” desapareceu como por
um golpe de mágica. Jornalistas, políticos, governantes e cidadãos passaram a
empregar duas palavras que haviam sido banidas do vocabulário: economia e
Estado. Como conseqüência, de repente, não mais que de repente, o vocabulário
da Socialdemocracia – controle estatal da economia e políticas sociais – é
retomado.
Exemplifiquemos com o caso do Brasil.
Sem a menor
vergonha na cara, agora é feito o elogio [dos programas sociais, do SUS]. Por
sua vez, o “empresário de si mesmo”, os trabalhadores informais, os
desempregados e os moradores de favelas e de rua passaram a receber uma nova
designação: “vulneráveis”, como se sua vulnerabilidade tivesse surgido por
conta da Covid-19 e não da aliança entre “O Mercado” e o governo neoliberal.
É espantoso o uso
da palavra “solidariedade” por aqueles que, até um mês atrás, se empenhavam do
elogio irrestrito à competição e à “meritocracia”. Com igual
descaramento, o governo federal exige que os cientistas das universidades
públicas e dos centros públicos de pesquisa tragam rapidamente soluções para
aquilo que deixou de ser “histeria”, sem que se diga que não houve investimento
algum nas pesquisas públicas. Exemplos não faltam se lembrarmos tudo o que foi
dito e feito desde o golpe contra Dilma e a prisão de Lula.
É preciso
resgatar e unificar por meio dos partidos de oposição as lutas e manifestações
de movimentos sociais e populares que, desde o governo Temer, se espalharam
pelo país, mas eram sempre fragmentadas, esporádicas e sobretudo
criminalizadas. Os chamados “vulneráveis”, a despeito da ideologia neoliberal
sobre a “nova classe média brasileira”, constituem, na verdade, o que chamo de
“nova classe trabalhadora brasileira”, fragmentada e isolada, desprovida de uma
visão social e política que lhe dê um lugar na luta democrática e socialista.
Esse resgate de lutas e essa unificação de classe poderão, agora, encontrar eco
na sociedade brasileira em sua rejeição a Bolsonaro.
Para nos ajudar a compreender
O artigo de
Harvey “Política anticapitalista na época do Covid19”, é
iluminador sobre a situação planetária do Capitalismo e da crise do Neoliberalismo,
bem como sobre o lugar da Covid-19 na luta de classes. Harvey traça com firmeza
o panorama planetário do Neoliberalismo vitorioso, das lutas contra ele e dos
efeitos da Covid-19 sobre ele, assinalando a ironia histórica do surgimento de
uma perspectiva socialista no centro do mundo neoliberal.
O artigo de
Paulo Capel Narvai, “A estratégia da pinça”, salienta que o que está em
jogo não é a pandemia, mas as eleições de 2022. É particularmente significativa
sua análise sobre a luta do grupo bolsonarista contra os governadores, que
serão responsabilizados pelo péssimo desempenho da economia, e sobretudo sua análise
do papel de Mandetta nesse jogo, isto é, do discurso técnico aparentemente
oposto ao discurso psicótico de Bolsonaro.
Uma proposta para discussão
Algumas
pesquisas indicam que, no Brasil, os mais penalizados pelos efeitos da Covid-19
são exatamente os eleitores dos partidos de oposição, aqueles de cujas
organizações e lutas nasceram os projetos e programas dos partidos de esquerda,
e também aqueles, destroçados pela economia e política neoliberais, que hoje
buscam a criação e garantia de direitos. Os partidos de oposição (esquerda e
centro) devem a eles sua presença na política brasileira e por isso faço aqui
uma proposta.
O Manifesto apresenta
uma lista de ações necessárias a serem exigidas do governo federal, mas essa
frente nacional também pode agir diretamente no atendimento emergencial dos que
foram os mais atingidos pela destruição dos direitos sociais, pois são os que
mais dependem dos serviços públicos e das garantias trabalhistas. Proponho dirigir
os fundos partidários para ações emergenciais, de maneira a deixar claro que o
Manifesto é político e social. Isso configuraria uma espécie de governo
paralelo? Que assim seja.
*Marilena Chaui é
Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
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