terça-feira, 26 de maio de 2020

Insetos fascistas


Abaixo, texto editado (porque muita gente tem medo de ‘textão’) do jornalista José Eduardo Gonçalves, que publicou a  versão integral no Facebook. O título foi dado pelo editor, NMM.
 _____

Não sei quando foi que pessoas que eu até admirava se transformaram em seres irracionais, defensores de ideias fascistas. Quando foi, afinal, que pessoas que tinham uma conduta social equilibrada viraram esta coisa? Em Kafka, um sujeito acorda pela manhã transformado em um inseto asqueroso. Nesse filme de quinta categoria ao qual estou me referindo, apenas acordei um dia e vi como o meu mundo anda cheio de insetos repugnantes. Também não foi assim tão de repente, mas hoje sinto como se esses bichos escrotos tivessem se consolidado à minha frente. Eu os enxergo em toda a sua pequenez.

O estopim desta clarividência foi o vídeo da fatídica reunião ministerial do dia 22 de abril. O vídeo é assustador, mas quero falar, em primeiro lugar, da reação de pessoas.

Muito bem, de ontem pra hoje me peguei lendo opiniões de muita gente sobre o tal vídeo onde se pregou a desobediência sanitária na base da porrada, a prisão de representantes eleitos pelo povo, a desqualificação de adversários, a intromissão na Polícia Federal para proteger os entes queridos, o desmantelamento das leis ambientais na calada da noite etc etc etc. Um monte de gente reagiu dizendo que o vídeo é o passaporte para a reeleição do Ogro. No meio desta gente que aplaude e acha adequado esse conjunto de sandices há pessoas que conheço. Como é que essas pessoas se tornam, de repente, cúmplices de uma barbárie colossal?

Convivo até com pessoas de uma direita civilizada, educada, capaz de divergir sem agredir. Os ex-amigos não se colocam no campo da direita civilizada. Porque Bolsonaro não é isso. Não é um conservador, nem um bocó simplesão, é o radical fundamentalista da extrema direita em sua pior versão. Ele tem como herói o único torturador reconhecido e condenado como tal no Brasil.

Mas isso é história já sabida.

Voltemos ao vídeo estarrecedor, ao revelar o que pensam os bolsonaristas e o que eles estão tramando, em todas as frentes – na saúde, na educação, na segurança pública, na questão ambiental, na diplomacia internacional, na convivência com a democracia. Está tudo lá, sem retoques.

Fui capaz de entender aqueles que se desapontaram com os rumos da economia e com as revelações sobre corrupção no centro do poder, prática secular no país. Mas era preciso optar pelo esgoto, pela escuridão, a ignorância e a truculência? Não fui eu que tachei Bolsonaro de o pior líder mundial da atualidade. Nem foi a mídia esquerdista ou comunista. Quem está chocado com o Ogro são os jornalões da direita global. É o The Economist, é o Financial Times, é o The Guardian, é o New York Times. É a grande mídia conservadora do mundo que está assustada com o baixíssimo nível de quem ocupa a presidência no Brasil.

A reunião ministerial de 22 de abril de 2020 é um registro cru dos intestinos da gente que nos governa. Quem é Bolsonaro que assuma o ônus de carregar o pacote de ideias que ele encarna. Depois de ver aquelas imagens podres não há saída: ou se está de um lado ou de outro.

O mundo é uma construção coletiva. E o mundo pelo qual luto é cheio de defeitos, mas é um mundo de razoável civilidade. De valores consagrados universalmente. Aos trancos e barrancos, a sociedade brasileira vinha construindo um percurso de avanços desde a redemocratização. Estão aí conquistas como a criação do SUS, a estabilização da moeda, a universalização do ensino, o avanço dos direitos humanos, os programas de redução da desigualdade social (como o Bolsa Família), entre tantas outras. Hoje a ordem é destruir o que está aí.

Aos que continuam apoiando o genocida de plantão, que aplaudiram as infâmias ditas no vídeo, sugiro que façam camisetas com os seguintes dizeres:

EU SOU BOLSONARO E EU APOIO:
– A tortura e os torturadores
– O povo armado contra as medidas de controle da epidemia
– A prisão de governadores e ministros do Supremo
– O uso da Polícia Federal para proteger minha família e meus amigos
– A quebra das leis de proteção ambiental
– Qualquer ataque à cultura, às artes e aos artistas
– O sucateamento da universidade pública e da ciência
– O extermínio dos povos indígenas
– A milícia e os heróis milicianos
– A censura à produção intelectual
– As hostilidades contra a Imprensa e os jornalistas

Façam isso, ex-amigos e conhecidos. Quem apoia Bolsonaro é cúmplice desse pacote de horror. Nessa altura da nossa história, não existe meio termo. Ou você é ou não é a favor dessas ideias.

No momento em que escrevo o Brasil é o segundo país do mundo em casos confirmados de contaminação pelo coronavírus. Enquanto isso, o presidente que os traidores da democracia elegeram cospe seus perdigotos defendendo que se arme a população para lutar contra as medidas de contenção da epidemia. Se isso não é a barbárie, então o que seria?

2 comentários:

Aníbal Bragança disse...

Nelson,
você manteve o principal do texto. É contundente com os falsos ingênuos que continuam apoiando o genocida no governo do Brasil.
Ficou muito bom.

Leny disse...

Excelente texto. Vou compartilhar!