terça-feira, 22 de setembro de 2020

O Jair que há em nós

 



O que se segue é a edição de um texto, pescado no Facebook, do sociólogo e cientista político Ivann Lago. O articulista descreve com precisão admirável o perfil da enorme parcela do povo brasileiro que se viu representada por Bolsonaro. Esse “brasileiro médio” é o que chamo de “pequeno-fascista”.

Entretanto, faltou ao sociólogo mencionar um aspecto fundamental da eleição do Boçal Fascista: o de que ele representava, também, a negação do comunismo – velho fantasma com que a propaganda ocidental há décadas assusta as massas ignorantes e egoístas.

Bolsonaro foi eleito não apenas porque milhões de brasileiros viram nele o espelho de sua própria morbidez, de sua própria estupidez; mas também porque ele era a alternativa ao PT e às esquerdas, de modo geral.

NMM

 

 

 

Levará décadas para compreender o que aconteceu naquele nebuloso ano de 2018, quando escolheram, para presidir o país, Jair Bolsonaro. Bolsonaro é a materialização do lado mais nefasto, mais autoritário e mais inescrupuloso do sistema político brasileiro. Mas ele é uma expressão bastante fiel do "brasileiro médio", do típico cidadão do nosso país.

 O “brasileiro médio” é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência... em quase tudo). É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto.

 Os avanços civilizatórios se materializaram em legislações, em políticas públicas, em diretrizes educacionais para escolas e universidades. Mas, quando se trata de valores arraigados, é preciso muito mais para mudar padrões culturais de comportamento.

 O machismo foi tornado crime, mas ele sobrevive no imaginário da população, no cotidiano da vida privada, nas relações afetivas e nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, nas piadas diárias, nos comentários entre os amigos “de confiança”, nos pequenos grupos onde há certa garantia de que ninguém irá denunciá-lo.

 O mesmo ocorre com o racismo, com o preconceito em relação aos pobres, aos nordestinos, aos homossexuais.

 Se houve avanços, foi menos por superação cultural do preconceito do que pela pressão exercida pelos instrumentos jurídicos e policiais.

 Mas, como sempre ocorre quando um sentimento humano é reprimido, ele é armazenado de algum modo. Ele se acumula, infla e, um dia, encontrará um modo de extravasar.

 O “brasileiro médio” viu em um candidato a Presidência da República essa possibilidade de extravasamento. Eis que ele tinha a possibilidade de escolher, como seu representante e líder máximo do país, alguém que podia ser e dizer tudo o que ele também pensa, mas que não pode expressar por ser um “cidadão comum”.

Agora esse “cidadão comum” tem voz. Ele de fato se sente representado pelo Presidente que ofende as mulheres, os homossexuais, os índios, os nordestinos. Ele tem a sensação de estar pessoalmente no poder quando vê o líder máximo da nação usar palavreado vulgar, frases mal formuladas, palavrões e ofensas para atacar quem pensa diferente. Ele se sente importante quando seu “mito” enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais.

 O “brasileiro médio” não entende patavinas do sistema democrático. É essa ignorância política que o faz ter orgasmos quando o Presidente incentiva ataques ao Parlamento e ao STF.

 O “brasileiro médio” gosta de hierarquia, ama a autoridade e a família patriarcal, condena a homossexualidade, vê mulheres, negros e índios como inferiores e menos capazes, tem nojo de pobre, embora seja incapaz de perceber que é tão pobre quanto os que condena.

 Ao assistir o show de horrores diário produzido pelo “mito”, esse cidadão não é tocado pela aversão, pela vergonha ou pela rejeição do que vê. Ao contrário, ele sente aflorar em si mesmo o Jair que vive dentro de cada um, que fala exatamente aquilo que ele próprio gostaria de dizer, que extravasa sua versão reprimida e escondida no submundo do seu eu mais profundo e mais verdadeiro.

 Esse brasileiro não vai pra rua para defender um governante lunático e medíocre; ele vai gritar para que sua própria mediocridade seja reconhecida e valorizada, e para sentir-se acolhido por outros lunáticos e medíocres que formam um exército de fantoches.

 Poucas vezes na nossa história o povo brasileiro esteve tão bem representado por seus governantes.


2 comentários:

Isabelle disse...

Sensacional este texto.Sofri muito quando "perdi"algumas amizades que se revelaram Bolsonarista,levou algum tempo para eu entender o mau caratismo dessas pessoas.Hoje sou grata por ter me livrados dos tais usando apenas a verdade.Guardei o nome de todos porque a história me diz que um dia vão tentar distorcer suas atitudes para amenizar sua culpa,então eu estarei lá e esfregarei em suas caras de gado robõ toda a verdade!!!

Damaris Bueno
psicopedadoga,consultora juridica,escritora,cidadã brasileira.

CCOB disse...

Conhecia essas pessoas desde sempre,elas nunca me enganaram.
No fundo são dignas de pena, elas não tem ideologia, não se enquadram nem a esquerda, ao centro ou esquerda.
Uma vez um velho amigo direitista me falou a respeito de uma pessoa dessas:
"Carlos tome cuidado com a fulana, ela não é quem aparenta ser"!!

Ou seja meu amigo de direita, me aconselhou a ter cuidado!!

Eu já desconfiava, depois disso fiquei ainda mais reticente com aquela "amizade".
Agora essa pessoa finalmente colocou pra fora toda aquela sua potencialidade, todo o seu ódio, preconceito, enfim eles desabrocharam com Bolsonaro, que foi um grande jardineiro, fazendo brotar as flores do inferno.
Bolsonaro então tem esse mérito, de nos mostrar esses seres rastejantes, que sempre existiram, mas se camuflavam.
E digo a você que foi uma grande coisa, pois a cobra depois de descoberta, perde seu perigo.

26 de setembro de 2020 09:53