Texto original:
https://aterraeredonda.com.br/dois-anos-de-desgoverno-o-que-fazer-agora/
Dois anos de desgoverno –
o que fazer agora?
Por ROBERTO
REQUIÃO*
Texto editado / NMM:
Na belíssima sequência de artigos publicada no site A Terra é Redonda, o governo foi dissecado à última vírgula. Pouco
resta, para os que chegam agora à carcaça tão competentemente descarnada.
Então, ao estilo do indigitado, perguntaria: e daí? O que fazer? Senti falta de uma animada e
incandescente discussão sobre como botar a mão na massa, agitar, mobilizar,
organizar, educar. Dar ritmo e celeridade à Revolução Brasileira.
Diriam: isso é tarefa de um partido. Perguntaria:
há partidos verdadeiramente
integrados à realidade de vida da nossa gente? Há partidos que se dediquem à
mobilização, organização e educação das massas populares?
Analistas, teóricos, cientistas sociais, filósofos
e jornalistas estão aí. Mas, cadê as massas?
Só queria saber que raios de espaço reservamos às
massas populares, aos trabalhadores brasileiros em nossos esplêndidos
diagnósticos. Quando vamos trazê-los à cena, ao protagonismo?
Já sugeri que, no contexto da formação de uma Frente
Nacional, Democrática e Popular, a Frente também se ocupasse da mobilização,
organização e educação das massas populares, em colaboração com os partidos e
demais integrantes do bloco.
A Frente não
é um partido. Mas, sendo ela a
convergência política organizada de partidos, de entidades representativas de
classes sociais, de categorias profissionais, de sindicatos e assim por diante,
deveria estabelecer uma agenda comum de debates, conferências, seminários,
cursos.
A Frente que proponho não é uma frente de oposições e muito menos uma frente eleitoral ou
essa contrafação reunindo os golpistas de 2015/16, o arrivista da ressignificação da política, os que votaram em branco ou anularam o voto em
2018, os ex-validos do bolsonarismo, os que repudiam o celerado, mas defendem
as abomináveis reformas.
É claro, uma assembleia de oportunistas,
carreiristas e adventícios assim não haverá de ter compromisso com a educação e
a organização popular, com a Revolução Brasileira, por fim. O máximo que
conseguem alcançar é a eleição de 2022 e topa tudo, e mais um pouco, para vencê-las.
(Certamente haverá quem levante a mão, peça um
aparte e me acuse de radical. Mas, o que os sensíveis senhores querem mais
radical que a reforma trabalhista, que nos fez regredir ao século XIX? que a
crueldade da reforma previdenciária? que a imposição de limites severíssimos
para os gastos em saúde, educação, saneamento, segurança? que a cessão do
pré-sal? que a emersão do submundo ao primeiro plano da vida nacional? que a
criminalização do pensamento? que a guerra contra a cultura e a civilização? que
esse morticínio que já levou mais de 220 mil vidas brasileiras, provocado por
negligência, negacionismo, incompetência, estupidez e crueldade?
Quem contribuiu para isso, de forma consciente, de
caso pensado e pesado, sem qualquer coação, merece afagos e saudações de
boas-vindas nesse lado de cá?
Quer dizer que eles não ouviram os discursos de cervejaria do nominado, suas contas de quantos assassinar, as
homenagens ao torturador, o ódio aos valores básicos da civilização, sua
absoluta, assustadora, aterrorizante falta de empatia?
Frequentemente, tenho
deblaterado a obsessão nacional pelo curto prazo. Os voos de galinha na
economia, na política e nas ideias. Macroeconomia de curto prazo, política de
curto prazo, ideias degradáveis. Uma frente eleitoral sem um programa mínimo que, entre outras
coisas, se comprometa com a revogação de todas as medidas antinacionais e
antipovo tomadas desde 2016, é mais um movimento com essa característica
de fast-food. Não leva nada. Pode até ganhar uma eleição. Mas
não muda o país.
É isso o que queremos?
(Essa história de aprender com os erros não é coisa
que se exija ou se proponha aos machões de nossa política. Primeiro, porque
nunca erram; depois, porque autocrítica é coisa para os fracos. Outra coisa: eu
acho uma graça quando buscam distanciar certa direita, dita palatável e liberal, da direita apontada como radical ou extrema. Qual
a diferença, nessa pátria nada gentil, entre uma e outra? Tivemos, em algum
momento de nossa história, alguma coisa que pudéssemos chamar de liberalismo,
aos moldes europeus, por exemplo? Lá atrás, nos primórdios do país, os
nossos liberais eram escravocratas, racistas e eugenistas.
Hoje, continuam escravocratas, racistas e eugenistas, pois o que são as reformas trabalhista,
da Previdência, o teto de gastos -e o que mais vem por aí nessa linha- que a
reintrodução da canga sobre o nosso povo? Quem matou Getúlio, quis impedir a
posse de JK e de Jango, sabotou as Reformas
de Base? Os nossos liberais. Quem
formou a orquestra do golpe de 64? Os nossos liberais. Quem
deu os argumentos sórdidos, infames para o golpe de 2015/16? Os nossos liberais. Quem
favoreceu – por omissão, palavra e obra – o voto no aludido em 2018? Os
nossos liberais. A direita é uma só, em essência; posicionem-se
seus atores no centro, no meio ou no extremo do palco haverão de ser, sempre,
inimigos das classes populares e de um país soberano, desenvolvido e justo.)
Mas, não chegaria ao ponto de dizer que nunca, em
qualquer hipótese seriam possíveis entendimentos táticos com os liberais.
Contudo, nada mais que isto: circunstâncias, eventualidades. No caminho das
transformações viscerais da realidade nacional, nas tortuosas e ásperas trilhas
da Revolução Brasileira serão o que são: inimigos do povo e da Nação.
Para concluir, voltando ao começo: não vamos dobrar
a próxima esquina, no caminho pelas transformações do país, sem a mobilização,
educação e organização das classes populares. Vamos conversar sobre isso?
*Roberto Requião foi prefeito de Curitiba, governador do Paraná e
Senador da República.
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