sábado, 30 de janeiro de 2021

O que fazer?

 

Texto original:

https://aterraeredonda.com.br/dois-anos-de-desgoverno-o-que-fazer-agora/

Dois anos de desgoverno – o que fazer agora?

Por ROBERTO REQUIÃO*

 

Texto editado / NMM:

Na belíssima sequência de artigos publicada no site A Terra é Redonda, o governo foi dissecado à última vírgula. Pouco resta, para os que chegam agora à carcaça tão competentemente descarnada.

Então, ao estilo do indigitado, perguntaria: e daí?  O que fazer?  Senti falta de uma animada e incandescente discussão sobre como botar a mão na massa, agitar, mobilizar, organizar, educar. Dar ritmo e celeridade à Revolução Brasileira.

Diriam: isso é tarefa de um partido. Perguntaria: há partidos verdadeiramente integrados à realidade de vida da nossa gente? Há partidos que se dediquem à mobilização, organização e educação das massas populares?

Analistas, teóricos, cientistas sociais, filósofos e jornalistas estão aí. Mas, cadê as massas?

Só queria saber que raios de espaço reservamos às massas populares, aos trabalhadores brasileiros em nossos esplêndidos diagnósticos. Quando vamos trazê-los à cena, ao protagonismo?

Já sugeri que, no contexto da formação de uma Frente Nacional, Democrática e Popular, a Frente também se ocupasse da mobilização, organização e educação das massas populares, em colaboração com os partidos e demais integrantes do bloco.

A Frente não é um partido. Mas, sendo ela a convergência política organizada de partidos, de entidades representativas de classes sociais, de categorias profissionais, de sindicatos e assim por diante, deveria estabelecer uma agenda comum de debates, conferências, seminários, cursos.

A Frente que proponho não é uma frente de oposições e muito menos uma frente eleitoral ou essa contrafação reunindo os golpistas de 2015/16, o arrivista da ressignificação da política, os que votaram em branco ou anularam o voto em 2018, os ex-validos do bolsonarismo, os que repudiam o celerado, mas defendem as abomináveis reformas.

É claro, uma assembleia de oportunistas, carreiristas e adventícios assim não haverá de ter compromisso com a educação e a organização popular, com a Revolução Brasileira, por fim. O máximo que conseguem alcançar é a eleição de 2022 e topa tudo, e mais um pouco, para vencê-las.

(Certamente haverá quem levante a mão, peça um aparte e me acuse de radicalMas, o que os sensíveis senhores querem mais radical que a reforma trabalhista, que nos fez regredir ao século XIX? que a crueldade da reforma previdenciária? que a imposição de limites severíssimos para os gastos em saúde, educação, saneamento, segurança? que a cessão do pré-sal? que a emersão do submundo ao primeiro plano da vida nacional? que a criminalização do pensamento? que a guerra contra a cultura e a civilização? que esse morticínio que já levou mais de 220 mil vidas brasileiras, provocado por negligência, negacionismo, incompetência, estupidez e crueldade?

Quem contribuiu para isso, de forma consciente, de caso pensado e pesado, sem qualquer coação, merece afagos e saudações de boas-vindas nesse lado de cá?

Quer dizer que eles não ouviram os discursos de cervejaria do nominado, suas contas de quantos assassinar, as homenagens ao torturador, o ódio aos valores básicos da civilização, sua absoluta, assustadora, aterrorizante falta de empatia?

Frequentemente, tenho deblaterado a obsessão nacional pelo curto prazo. Os voos de galinha na economia, na política e nas ideias. Macroeconomia de curto prazo, política de curto prazo, ideias degradáveis. Uma frente eleitoral sem um programa mínimo que, entre outras coisas, se comprometa com a revogação de todas as medidas antinacionais e antipovo tomadas desde 2016, é mais um movimento com essa característica de fast-food. Não leva nada. Pode até ganhar uma eleição. Mas não muda o país.

É isso o que queremos?

(Essa história de aprender com os erros não é coisa que se exija ou se proponha aos machões de nossa política. Primeiro, porque nunca erram; depois, porque autocrítica é coisa para os fracos. Outra coisa: eu acho uma graça quando buscam distanciar certa direita, dita palatável e liberal, da direita apontada como radical ou extrema. Qual a diferença, nessa pátria nada gentil, entre uma e outra? Tivemos, em algum momento de nossa história, alguma coisa que pudéssemos chamar de liberalismo, aos moldes europeus, por exemplo? Lá atrás, nos primórdios do país, os nossos liberais eram escravocratas, racistas e eugenistas. Hoje, continuam escravocratas, racistas e eugenistas, pois o que são as reformas trabalhista, da Previdência, o teto de gastos -e o que mais vem por aí nessa linha- que a reintrodução da canga sobre o nosso povo? Quem matou Getúlio, quis impedir a posse de JK e de Jango, sabotou as Reformas de Base? Os nossos liberais. Quem formou a orquestra do golpe de 64? Os nossos liberais. Quem deu os argumentos sórdidos, infames para o golpe de 2015/16? Os nossos liberais. Quem favoreceu – por omissão, palavra e obra – o voto no aludido em 2018? Os nossos liberais. A direita é uma só, em essência; posicionem-se seus atores no centro, no meio ou no extremo do palco haverão de ser, sempre, inimigos das classes populares e de um país soberano, desenvolvido e justo.)

Mas, não chegaria ao ponto de dizer que nunca, em qualquer hipótese seriam possíveis entendimentos táticos com os liberais. Contudo, nada mais que isto: circunstâncias, eventualidades. No caminho das transformações viscerais da realidade nacional, nas tortuosas e ásperas trilhas da Revolução Brasileira serão o que são: inimigos do povo e da Nação.

Para concluir, voltando ao começo: não vamos dobrar a próxima esquina, no caminho pelas transformações do país, sem a mobilização, educação e organização das classes populares. Vamos conversar sobre isso?

*Roberto Requião foi prefeito de Curitiba, governador do Paraná e Senador da República.


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