Texto
original:
Carta de Berlim:
a indigência e a
idade mental dos Lava-Jato
Por Flávio Aguiar
11/02/2021
10:09
Texto editado
/ NMM:
Quando eu era criança, a maioria dos meus heróis provinha do cinema: Buffalo Bill, Roy Rogers, atores como Gary Cooper, Burt Lancaster, John Wayne, Kirk Douglas, Victor Mature, Humphrey Bogart, Peter Cushing, etc.
Havia heróis também que vinham da literatura: Tarzan,
Sherlock Holmes entre eles. E vinha gente dos quadrinhos, como de novo Roy
Rogers, o Zorro, o Cavaleiro Negro, Jim das Selvas… Super-heróis? Poucos:
lembro-me do Capitão Marvel e do Capitão América.
Havia os nacionais: Pedrinho, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, o
Anjo, Jerônimo; no cinema Anselmo Duarte e John Herbert. Minha infância foi
povoada de heróis e de heroísmo.
Depois eu fui crescendo. Continuei a ter heróis no meu
panteão imaginário. Mudaram um pouco de caráter: Garibaldi se misturou entre
eles. Quando explodiu nos quadrinhos e no cinema a geração multiplicada dos
super-heróis e super-heroínas eu já crescera um bocado. Meus preferidos eram o
Homem Aranha e o atormentado Surfista Prateado. Eu oscilava assim para o
universo dos anti-heróis ou heróis paralelos. Para mim foi um sinal de
maturidade.
Por isto mesmo, recentemente fiquei algo espantado ao deparar
com a foto acima, que registra o conjunto dos procuradores da Operação
Lava-Jato. Nela não comparece seu líder, mentor, inspirador, instrutor, o
ex-juiz Sérgio Moro, agora comprovadamente teleguiado, bem como os
procuradores, por “forças ocultas” desde Washington, Nova Iorque e
outras cidades.
Desde sempre desconfiei daquela turma, que boa coisa não iam
fazer no nosso país. O que logo me despertou essa desconfiança foi o empuxo
favorável que lhes deu nossa mídia mainstream, sempre tão ávida por
heróis que a ajudassem a desarticular a ação das esquerdas, em particular a
petista, nas últimas décadas. Foi assim com seu primeiro herói judiciário, o
fatídico e hoje desaparecido Joaquim Barbosa.
Quando a Operação Lava-Jato investiu contra a Petrobras, que
acabara de chegar ao fabuloso pré-sal, a ficha começou a cair. Não caiu
sozinha. Um amigo advertiu que aí deveria ter o dedo de agências
norte-americanas, como o FBI, a CIA, a National Security Agency e de organismos
quejandos terceirizados. Ao longo do tempo, não deu outra: a advertência do meu
amigo se comprovou profética.
À medida que a e os Lava-Jato galgavam os degraus do sucesso,
mais horrorizado eu ficava, até mesmo porque eu via como eram recebidos por
grande parte da mídia mainstrem mundial, nos Estados Unidos e na Europa,
também interessada em desarticular o mundo das esquerdas latino-americanas.
O pináculo daquela recepção triunfal foi o comparecimento do
procurador Deltan Dallagnol, o mesmo que posa à frente da tropa de procuradores
formada naquela foto, para receber, em Berlim, o Prêmio Anti-Corrupção 2016 da
Transparency International, hoje suspeita por seus critérios não parecerem tão
criteriosos como deveriam ser.
O então juiz Moro pontificava em encontros universitários,
inclusive aqui na Alemanha, ungido sacrossanto herói anti-corrupção. Foi recebido
com tapete vermelho pelo Instituto de Sociologia Max Weber da Universidade de
Heidelberg.
Na época, protestamos junto ao Instituto Max Weber. Houve
também protestos in loco.
Seu Grande Irmão do Norte nele sempre mandou e desmandou: um
fantoche perfeito. De quebra, ajudou a quebrar a economia brasileira e abriu
caminho para o Anjo da Morte que ocupa o Palácio do Planalto, tudo com ajuda
daquela meninada de Curitiba.
Meninada? Pois é. Esta foi outra ficha que me caiu, enquanto
eu lia as primeiras mensagens por eles trocadas, nas reportagens da Vaza-Jato,
no The Intercept. Eles - e havia também elas - se achavam
inatacáveis, invulneráveis e até, arrisco dizer, invisíveis e inaudíveis, logo
neste século em que tudo é escutável, registrável, em que não é mais possível
guardar segredos - pelo menos para quem usar um computador ou um celular de
qualquer tipo.
Em muitas de suas brincadeiras, as crianças podem se tornar
muito cruéis, pois ainda não sabem medir nem controlar a força que são capazes
de ter. Os Lava-Jatos, adultos, sabem a força que têm; mas se comprazem em
atormentar e manifestar desprezo pelos “objetos” que examinam, acusam e
pré-julgam. Moro não age de modo diferente, embora tenha um estilo algo
distinto: é igualmente tosco nos seus pensamentos, mas é menos espalhafatoso,
embora seja tão cruel quanto a rapaziada que monitorava, industriava. dirigia e
liderava.
Vejam bem: ele não está naquela foto. Para mim ela foi muito
reveladora. Dallagnol acabou de entrar na casa dos quarenta anos; cresceu
exatamente quando a febre dos super-heróis explodia no cinema e na televisão. A
primeira coisa que me veio à mente foi outra foto, aquela em preto-e-branco,
d’Os Intocáveis, a série de televisão estreada em 1959 e que entrou pelos anos
sessenta a dentro. A semelhança é muito
grande; pois se os “intocáveis” de Curitiba não portam armas na
sua foto, eles se comportam como se as tivessem.
Mas fui adiante. O modelo narrativo que os burladores da
justiça, sediados em Curitiba, quiseram impor para si mesmos, e para o mundo,
remete ao universo dos super-heróis, dotados de super-poderes. Isto me mostrou que,
ao lado dos ensebados e sebosos leões-de-chácara do campo de concentração em que
estão querendo transformar o Brasil, há aqueles que simplesmente não cresceram
mental nem emocionalmente. Continuam a agir como adolescentes encantados pela
auto-imagem arrogante e narcisista que construíram para si mesmos, e que os
torna de fato invulneráveis - não aos olhares externos, e sim aos sentimentos
humanos mais comezinhos, como a compaixão e a solidariedade para com terceiros.
No seu mundo não há “terceiros” com forma humana, somente
inimigos. E só reconhecem solidariede em relação à confraria espúria que
criaram.
Embora ajam com desenvoltura e até esperteza, tornaram-se
verdadeiros “mentecaptos”, na acepção profunda da palavra. Tiveram a mente
capturada pela auto-imagem que forjaram para explicar suas atitudes
arbitrárias, cruéis, violentas, colocando-os com a sensação de estarem acima do
bem e do mal, e do comum dos mortais. São os seus próprios super-heróis, tudo
podem, a si tudo consentem: amputaram de suas almas o largo e brumoso oceano
dos “sentimentos do mundo”, fechando-se em seus casulos, onde, acreditam, são belas
crisálidas desabrochando em borboletas. Quando, na verdade, se transformaram em
horríveis vermes devoradores de carniça: sobretudo a própria.
No filme “Sitting Bull”, depois de aniquilar o 7o. Regimento
de Cavalaria, comandado pelo Custer, o grande chefe Touro Sentado recebe um
jovem oficial da cavalaria norte-americana. Diz ele: “Quando os brancos ganham
uma batalha, eles chamam de vitória; quando nós ganhamos, eles chamam de
massacre”. Nunca mais consegui torcer pela cavalaria americana. Acho que os “boys”
de Curitiba nunca viram este filme. Se vissem, não gostariam.
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