segunda-feira, 18 de julho de 2022

Escolha fácil

 





 

Nelson M. Mendes

Em 2018, o Estadão publicou editorial dizendo que o eleitor brasileiro, no segundo turno da eleição, estava diante de “uma escolha muito difícil”: de um lado estava o Boçal Fascista, medíocre militar reformado, que nada fizera em quase 30 anos de vida parlamentar a não ser beneficiar-se de expedientes corruptos e destilar preconceitos e ódio; do outro, Fernando Haddad, um professor com PhD que tinha sido excelente ministro da Educação e excelente prefeito de São Paulo, a maior cidade brasileira.

Neste decisivo 2022, a escrotíssima trindade do jornalismo – Estadão, Folha e O Globo – continua fazendo o possível para desqualificar o candidato petista e relevar falhas e crimes do Boçal Fascista, que tentará a releição. O problema para a mídia corporativa, representante da “elite do atraso” (Jessé Souza), é que o Boçal Fascista não é mais surpresa, não é mais o outsider que veio para “mudar tudo o que está aí”. Não há mais ilusões, as fake news não vão funcionar. Todos sabem que o boçal carrega todas as características de um fascista au grand complet: é racista, cruel, misógino, homofóbico, etc. Além do mais, do outro lado está simplesmente Lula, um dos líderes mais queridos da história do país.

Por isso, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gregório Duvivier, João Gordo, Martinho da Vila, Marieta Severo, Zélia Duncan, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho, Antônio Pitanga e até mesmo políticos conservadores como Marcelo Ramos, Arthur Virgílio e José Aníbal estão convencidos da necessidade de eleger Lula em 2022, de preferência no primeiro turno. O novo presidente da ABI, Octávio Costa; o tucano Aloysio Nunes; o ex-governador do Maranhão, Flávio Dino, o ex-governador de Alagoas Renan Filho; e o ex-deputado federal José Genoíno concordam que nunca foi tão fácil escolher: de um lado está Bolsonaro, representando a desigualdade, a miséria, o fascismo; do outro está Lula, representando igualdade, a abundância, a democracia. Segundo a socióloga Esther Solano, “correr o risco de Lula não ganhar é inimaginável. [...] É o Brasil que está em jogo, minha vida, sua vida. Para mim, é Lula no primeiro turno [...] . Diante da fome, [...] da dor, não tem muito mais especulação possível.” A professora e filósofa Márcia Tiburi é enfática: “Quem fala em votar no Lula só no segundo turno não tem dignidade.” No próprio PDT, partido do insistente Ciro Gomes, muitos defendem o voto útil em Lula no primeiro turno, para que Bolsonaro tenha menos chances de ensaiar algum golpe e seja varrido imeditamente para o esgoto da História. A filósofa Viviane Mosé acrescenta que é preciso usar estratégias para vencer a terceira guerra mundial, que é a da verdade contra a mentira. (Nos últimos anos a  mentira venceu algumas batalhas no Brasil: Dilma sofreu um golpe, Lula foi preso, o Boçal Fascista foi eleito num avassalador aluvião de fake news.)




Existe uma tendência, forjada em décadas de propaganda, a que “ideias de esquerda” sejam consideradas retrógradas; e que os que se aventuram a aplicá-las sejam considerados sonhadores incompetentes, apegados a ideologias cheirando a mofo. Esse é o discurso que sustenta o Capitalismo, que há décadas se apresenta com os trajes do Neoliberalismo. Mas a verdade – como não custa lembrar – é que a doutrina neoliberal é em si uma farsa, engendrada para tapar precariamente o abismo a que o mundo fora levado em 1929 pelos realistas e competentes capitalistas.

Depois do famoso Crash da Bolsa, em 1929, os capitalistas ficaram mais cautelosos. Afinal, muitas fortunas, frágeis e artificiais castelos construídos com papéis, haviam desmoronado da noite para o dia. Mas a ambição, como o fascismo, está sempre no cio; e, passadas algumas décadas, os financistas novamente começaram a se alvoroçar e a pressionar os governos para dar mais liberdade ao “mercado”. Foi – digamos – a  segunda fase do Neoliberalismo, que pôde espraiar-se mundo afora livremente, graças à dissolução da União Soviética. O resultado seria uma absurda concentração de riqueza; e a crise financeira de 2008. Mas o Neoliberalismo era a vanguarda do pensamento econômico; se os fatos não endossavam a excelência da doutrina, pior para os fatos. Entretanto, muitos economistas de alto nível, como os mundialmente conhecidos Joseph Stiglitz e Paul Krugman, apontaram as falhas do projeto neoliberal, assim como a resistência do mundo financeiro a reconhecer as dimensões e o significado da catástrofe de 2008.

No Brasil, se há economistas e comentaristas econômicos alinhados ao poder econômico transnacional – adeptos, portanto, do fundamentalismo neoliberal –, há felizmente muitos pensadores econômicos honestos e independentes; como por exemplo Adriano Benayon, crítico feroz da falácia neoliberal, e um dos primeiros a anunciar a formação da bolha financeira que estouraria em 2007-2008. Mais de mil deles, como Luiz Gonzaga Belluzo e Leda Paulani, assinaram um manifesto, lançado em 14 de junho de 2022, em apoio a Lula, considerado no momento o único candidato em condições de tirar o Brasil do caos socioeconômico a que foi levado pelo Boçal Fascista eleito em 2018. O manifesto diz que “o governo de Jair Bolsonaro implantou um projeto autodestrutivo”, de “desmonte da economia nacional”. Na verdade, o Boçal Fascista foi contratado para completar o mais recente capítulo do processo de saqueio do Brasil, iniciado com o golpe contra Dilma Roussef em 2016.

Também em meados de junho de 2022, a Conferência por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional produziu um manifesto propondo o fim do Teto de Gastos (na prática, há muito tempo superado por Bolsonaro, sobretudo por conta do “orçamento secreto” e da gastança eleitoreira), a volta do Bolsa-Família, e a revisão da antirreforma trabalhista, que resultou no empobrecimento do trabalhador formal e informal. O manifesto defende ainda o fomento da agricultura familiar e orgânica, bem como a retirada de subsídios ao agronegócio, o qual produz apenas para exportação e enriquece meia-dúzia de latifundiários, num país em que 125,2 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar (incerteza sobre se terão o que comer), das quais 33,1 milhões passam fome no mais estrito e cruel sentido. Lembrando que em 2014, graças aos programas sociais, como o Bolsa-Família, bem como aos milhões de empregos gerados pelos governos petistas, o Brasil foi retirado pela ONU do chamado Mapa da Fome. A mesma ONU, em relatório publicado em meados de maio de 2022, registrou que a fome no mundo se agravara exatamente a partir de 2014! Ou seja: os governos petistas (Lula e Dilma) haviam trabalhado, tanto quanto possível, no contrafluxo da corrente neoliberal, que produzira desigualdade e fome em âmbito mundial. Escreve Eduardo Moreira em seu livro Travessia:

Mostrei no meu último livro, Economia do desejo: a farsa da tese neoliberal, como a tese [...] de que o estímulo ao lucro e à competição resulta no melhor cenário para consumidores  e empresários [...] pode ser incrivelmente sedutora do ponto de vista lógico. Mas mostrei também como os resultados verificados se distanciam muito do que a tese é capaz de prever [...]  

Descrevi [...] o caso da incrível agroindústria de leite e derivados de um assentamento do MST que visitei no interior do Paraná, onde tudo funciona priorizando a cooperação com outras cooperativas menores e condições justas de trabalho para os funcionários. O lucro é muito mais uma consequência [...] do que uma prioridade. Pensando assim, eles resistiram à maior crise do setor em décadas e transformaram [...] uma pequena agroindústria em um modelo de eficiência [...]. Nenhum livro nas prateleiras dos banqueiros vai explicar como isso é possível.

As economistas Tereza Campello e Sandra Brandão publicaram  no conservador (e até bolsonarista) jornal Folha de São Paulo, no início de junho de 2022:

Com Michel Temer e a emenda constitucional 95, que congelou os gastos sociais, teve início o desmonte da estratégia reconhecida pela ONU. O desemprego passou para a casa dos dois dígitos desde 2016, e cresceu a parcela dos trabalhadores sem direitos trabalhistas e com renda baixa e instável. A reforma trabalhista não produziu mais emprego [como prometido], mas resultou em mais precariedade e insegurança. A não correção dos benefícios do Bolsa-Família diminuiu sua capacidade de sustentar a renda dessa parcela de brasileiras e brasileiros.

Com Jair Bolsonaro, o desmonte foi aprofundado. [...]

Para superar a fome novamente, o Brasil precisará voltar a crescer, é certo, mas precisará também reconstruir e aprimorar políticas públicas.

Com o Boçal Fascista, naturalmente, tudo piorou; porque ele conseguiu trazer o Brasil, na prática, para o que os economistas chamam estagflação – uma combinação nefasta de estagnação com inflação. Desemprego altíssimo, precarização do trabalho, abandono das políticas sociais, entrega das riquezas nacionais, estagnação econômica, inflação: foi a isso o que nos trouxe a famigerada Ponte para o Futuro, projeto lesa-pátria que está na própria origem do golpe contra Dilma. (O selo do desastre veio no dia 6 de julho de 2022, quando a ONU divulgou oficialmente que o Brasil havia sido novamente incluído no Mapa da Fome.) De fato, a prisão ilegal de Lula foi o segundo movimento dessa sinfonia sinistra, que previa retirar dos brasileiros o Brasil e principalmente o futuro.  Bolsonaro é o terceiro e último movimento dessa sinfonia – ou ópera bufa.

Em 31 de maio  o de 2022, foi lançado em São Paulo, num evento que contou com a participação de inúmeros artistas, o Livro “Querido Lula”, que reúne 46 das 25 mil cartas que Lula recebeu enquanto esteve ilegalmente preso em Curitiba. Nesse período Lula recebeu também inúmeros presentes e muitas visitas, dentre as quais: o sociólogo português Boaventura de Souza Santos; o filósofo e linguista estadunidense Noam Chomsky; o cantor, compositor e escritor Chico Buarque; o Nobel da Paz Perez Esquivel; o sociólogo italiano Domenico De Masi; o ator e ativista estadunidense Danny Glover; o escritor Fernando Morais; o economista Bresser Pereira; o teólogo e escritor Leonardo Boff; o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica; a ex-presidente Dilma Roussef; e – claro – muitas lideranças sociais e partidárias, como João Pedro Stédille (MST), Guilherme Boulos (MTST), Gleisi Hoffman (PT), Fernando Haddad (PT), Carlos Lupi (PDT), Vagner Freitas (CUT), etc. Lula também recebeu lideranças religiosas, como a monja Cohen e Pai Caetano de Oxóssi, dentre outras.

A verdade é que o ex-presidente Lula, apesar de toda a perseguição judicial e midiática, jamais deixou de contar com o carinho e o respeito de grande parcela do povo brasileiro. Também continuou sendo considerado mundo afora como um dos maiores líderes do nosso tempo. (O jornalista Leonardo Attuch gracejou certa vez que, se houvesse uma eleição para presidente do mundo, Lula ganharia. Acreditamos que sim, até porque, além do prestígio e do carisma, ele certamente conta com um dos menores índices de rejeição dentre todos os possíveis postulantes a um hipotético cargo de presidente mundial...)

Expressão de carinho e respeito foi a Vigília Lula Livre, coordenada pela Frente Brasil Popular, formada por movimentos sociais como o Movimento dos Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); e por partidos progressistas, com natural destaque para o Partido dos Trabalhadores (PT): diariamente dezenas de pessoas, de todas as partes do Brasil, se reuniam nas proximidades do prédio da Polícia Federal para gritar em coro, várias vezes, as saudações correspondentes ao momento do dia: “Bom dia, presidente Lula!”; “Boa tarde, presidente Lula!”; “Boa noite, presidente Lula!”. O ex-presidente confessou que, embora de sua cela não pudesse ver os manifestantes, aquelas saudações lhe incutiram grande energia moral. E, ao que se sabe, o caso é inédito na história mundial; assim como, segundo a historiadora francesa Maud Chirio, organizadora do livro “Querido Lula”, é inédito o caso de livro de cartas recebidas pelo prisioneiro, porquanto o comum é a publicação de “cartas [...] escritas por líderes encarcerados para o público”.

É um curioso exercício imaginar se o Boçal Fascista, uma vez escorraçado do poder pelo voto popular, e devidamente encarcerado, para pagar pelos seus muitos crimes, receberá cartas, presentes e visitas. (Aliás, as redes sociais publicaram muitos memes dando conta de que, enquanto o presidiário Lula recebia celebridades brasileiras e estrangeiras, o Boçal Fascista, no cargo de presidente, só conseguia posar ao lado de milicianos, de artistas de extrema direita e de políticos do baixíssimo clero.)

Apesar de boçal, o fascista sabe que seu destino é a cadeia. Por isso se empenha tanto em tumultuar, colocar em dúvida o sistema de voto eletrônico, que o elegeu sucessivas vezes por quase 30 anos. O seu desejo é melar as eleições de alguma forma, de modo a obter uma prorrogação do mandato e a permanência de suas imunidades. Talvez, nas profundezas asquerosas daquela mente malévola, ele imagine que um improvável encadeamento de fatos lhe permita continuar como uma espécie de presidente vitalício...

O sonho do Boçal seria um pesadelo mundial. Por isso, jamais acontecerá. O embaixador Celso Amorim declarou: “Nunca houve golpe no Brasil sem apoio da grande mídia, da elite brasileira e dos Estados Unidos. Bolsonaro não tem nenhum dos três elementos.”

É bem verdade que a grande mídia, tradicionalmente representante do poder econômico, nunca teve simpatia por Lula; é verdade, obviamente, que essa elite econômica tampouco morre de amores pelo ex-metalúrgico; e é desnecessário dizer que os Estados Unidos preferem líderes que funcionem como despachantes ou capatazes ao sul do Equador. (O Boçal Fascista, se não fosse tão xucro e peçonhento – uma espécie de Hitler degenerado –, seria o presidente brasileiro ideal para os Estados Unidos.)

Entretanto, a grande mídia, que começou a perseguir Lula já nos anos 70 e construiu a narrativa mentirosa (em negrito, porque não há outro termo) que resultou na sua prisão em 2018, já não parece tão determinada a demolir o ex e futuro presidente. É bem verdade – mais uma vez – que a mídia corporativa gostaria de um candidato de centro-direita, um fascista “limpinho e cheiroso”. Por isso, acalentou durante algum tempo a quimera da “terceira via” (nem Lula, nem o Boçal Fascista), e tentou a todo custo inflar a imagem de Sérgio Moro, o “juiz ladrão” (segundo a  irretocável definição do deputado Glauber Braga). Mas não deu certo: o próprio ex-juiz, que não decolava nas pesquisas, terminaria desistindo da candidatura à presidência, e hoje tenta voo político mais modesto, lá no seu Paraná de origem. A motivação de Moro, mais do que ambição política, é conquistar as famosas “imunidades parlamentares” – para pelo menos adiar a prisão com que terá de pagar não só pelos crimes cometidos no âmbito jurídico, em sua perseguição inquisitorial a Lula, mas pela destruição que produziu na economia brasileira.

Mesmo a famosa Faria Lima – a nossa Wall Street – parece contar os dias para ver pelas costas o Boçal Fascista. O financista Marcelo Kayath reconhece: “O melhor presidente para o mercado de capitais e para a Bolsa foi Lula. [...] O mercado de capitais decolou. É verdade que ele se beneficiou do ciclo de commodities, mas também há um ciclo hoje e o Brasil não tem se beneficiado.”

O economista Paulo Nogueira Batista Júnior também concorda que Lula não é nenhum bicho-papão para o poder econômico-financeiro, muito pelo contrário: “Lula nunca foi hostil aos empresários e sempre foi ‘frente-amplista’.”

Lula foi melhor em todos os sentidos. Eduardo Moreira traduz em números o sucesso dos governos Lula, e, demonstrando que ninguém saiu perdendo, diz que só o ódio de classe pode explicar que setores da elite e da classe média continuem avessos ao ex e futuro presidente. (Leonel Brizola dizia que era odiado pela elite exatamente porque ousara proporcionar aos pobres melhores condições de saúde, alimentação e educação, com o projeto dos CIEPs.)

Enquanto isso, o Boçal Fascista segue apresentando provas de que é exatamente o pior presidente da História: incompetente, tosco, covarde, ignorante, machista, racista, disseminador de ódio.

Em 24 de maio de 2022, a polícia do governador bolsonarista Cláudio Castro (o famigerado BOPE), associada às polícias Federal e Rodoviária Federal, promoveu o que ficaria conhecido como Chacina da Vila Cruzeiro: 23 pessoas foram executadas. Um ano antes, também no Rio de Janeiro, havia ocorrido uma operação ainda mais letal, a Chacina do Jacarezinho: 29 mortos. (Os números podem variar para mais, de acordo com as fontes.) O ativista André Constantine, negro e favelado, diz que o Estado pratica o “genocídio” do povo negro nas favelas, verdadeiros “campos de extermínio”. As chacinas se institucionalizaram de tal forma, que viraram verbetes na Wikipédia. Na descrição do episódio da Vila cruzeiro, consta que “em apenas um ano, ocorreram 39 chacinas no Estado, deixando 182 mortos”.

A truculência policial não foi invenção de Cláudio Castro ou mesmo do igualmente fascista Wilson Witzel, o governador que sofreu impeachment e de quem Castro era vice. Mas, com o Boçal Fascista no Planalto, a violência não só não foi reprimida, como na verdade foi incentivada. Os assassinos e torturadores de farda foram – para usar a palavra que nos últimos anos se enraizou no idioma – empoderados. Tanto que o ridículo e farsesco empresário Luciano Hang (o “véio da Havan”), tradicional aliado do Boçal Fascista, se sentiu à vontade para reproduzir piada que andou circulando entre as hostes bolsonaristas: “O IBOPE aumenta o número de eleitores de Lula, e o BOPE diminuiu.” (O instituto de pesquisas, de fato, deixou de existir, em sua configuração tradicional, em 2021; mas não seria por esse detalhe crono-institucional que os bolsonaristas iriam perder a piada.)

Nem havia secado o sangue na Vila Cruzeiro, e no dia 25 de maio, na cidade de Umbaúba, Sergipe, agentes da Polícia Rodoviária Federal detiveram o motoboy Genivaldo de Jesus Santos, que estava sem capacete. Genivaldo foi colocado na mala da viatura, onde morreu sufocado por spray de pimenta e gás lacrimogêneo. O Boçal Fascista, que havia elogiado o comportamento dos policiais no massacre da Vila Cruzeiro, tentou justificar a execução na câmara de gás e disse que a imprensa está “sempre ao lado da bandidagem”.

No final de maio de 2002, andaram circulando vídeos de uma certa Alfacon – escola de preparação de policiais. Num dos vídeos, o policial rodoviário Ronaldo Bandeira ensina exatamente como transformar uma viatura policial em uma “câmara de gás”. Noutro vídeo, divulgado já em 2020, o ex-policial militar Norberto Florindo Júnior diz que, nas favelas, “entrava chacinando”: matava “mãe, filho, bebê”. E justificava: “Uma vagabunda criminosa só vai gerar o quê? Um vagabundinho criminoso.”

Em tempo: o Boçal Fascista, já no cargo de presidente, fez propaganda para a Alfacon – uma espécie de versão doméstica e em ponto pequeno da famigerada Escola das Américas (School of the Americas), criada pelos Estados Unidos na década de 40 para ensinar a como dar golpes de Estado, praticar tortura e outras amenidades. (A escola ganhou fama tão ruim, que hoje está hipocritamente rebatizada como Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança.) A familícia tem relações íntimas com a Alfacon: foi numa visita à escola que Eduardo, filho do Boçal Fascista, fez a bravata de que bastariam um cabo e um soldado para fechar o STF.

Em 5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Philips foram dados como desaparecidos na amazônia. O governo federal nada fez para agilizar as buscas; o Boçal Fascista estava em visita aos EUA, para participar da Cúpula das Américas, e seria pelo menos incômodo se a notícia do assassinato do jornalista e do indigenista explodisse na imprensa internacional exatamente no momento em que se discutiam assuntos como genocídio indígena e desmatamento – fenômenos inextricavelmente relacionados às mudanças climáticas que cada vez mais assombram a humanidade nesse começo de século XXI. A notícia, convenientemente, só sairia 11 dias depois, quando a IX Cúpula das Américas já se havia encerrado. De volta ao Brasil, o Boçal Fascista, que já havia tentado atribuir a culpa às vítimas, que teriam participado de uma “aventura”, dizendo ainda que Dom Philips era “malvisto” pelos garimpeiros e madeireiros, participou de uma de suas vexaminosas motociatas exatamente em Manaus – talvez a capital mundial da emergência climática –, como que escarnecendo dos mortos, da questão indígena, da questão ambiental.

O Boçal Fascista, como se sabe, foi em grande parte construído pela mídia; que, a serviço da “elite do atraso”, havia também, décadas antes, construído outro canditado “antissistema”, que vinha para “revolucionar”: Fernando Collor, o “caçador de marajás”. (Recentemente Collor protagonizou cena ridícula, ao gritar repetidas vezes, num evento em Maceió, o nome do Boçal Fascista. Depois se soube que o BNDES decidiria perdoar 70% da dívida do grupo Collor.)

Num país com milhões de analfabetos (funcionais ou de fato) e milhões de pessoas com problemas cognitivos relacionados à desnutrição na primeira infância (talvez as principais preocupações do saudoso Brizola), é natural que as massas sejam hipnotizadas pelas prestidigitações políticas e midiáticas. Elas não conseguem entender certos problemas, não conseguem ir à essência das coisas. Mas todos conseguem entender a canalhice, a desumanidade, a crueldade.

O núcleo duro de apoiadores do Boçal Fascista (que gostamos de chamar de “fascistas congênitos”) não se deixa impressionar pelas demonstrações de psicopatia dadas pelo boçal. Eles o elegeram sabendo de todas as suas nefandas características; talvez até por causa delas.




Mas os eleitores menos convictos, que foram ludibriados pela mídia e pelas fake news veiculadas pelas redes sociais – esses podem eventualmente ficar chocados com certas atitudes do Boçal Fascista. Por exemplo: quando ele, no auge da pandemia de Covid-19, imitou pacientes na agonia da falta de oxigênio (problema que afetou particularmente Manaus, em razão da negligência criminosa do governo federal), alguns eleitores entenderam que aquilo era a gota d’água: como o presidente podia ser tão insensível, debochar daquela maneira do sofrimento alheio?

Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips tiveram naturalmente efeito devastador, internacionalmente, na imagem há muito em putrefação do Boçal Fascista. O núcleo duro, entretanto, não foi muito afetado pelo caso; ele não está preocupado com índios, floresta, mudança climática.

Até que, no dia 10 de julho de 2022, em Foz do Iguaçu, o bolsonarista Jorge José Guaranho invade a festa particular em que o militante petista Marcelo Arruda comemorava seus 50 anos, e, depois de gritar “Aqui é Bolsonaro!” e “Luladrão!”, mata a tiros o aniversariante.

O Boçal Fascista, como não poderia deixar de ser, tentou negar o caráter político do episódio, e resumir tudo a “uma briga entre duas pessoas”. Nos dias subsequentes, procurou inclusive fazer contato com irmãos bolsonaristas da vítima, na esperança de que eles, numa coletiva de imprensa, pudessem apresentar dos fatos uma versão que não comprometesse o Psicopata do Planalto. Pamela Silva, viúva de Marcelo, objetou: “Os irmãos de Marcelo não estavam na festa [...]”

A História tem desses turning points: aquele fato que dispara um gatilho, aquele lance que dá nova configuração ao tabuleiro.

Depois do assassinato de Marcelo Arruda, a popstar Anitta, que tem dezenas de milhões de seguidores nas redes sociais, publicou no Twitter: “Eu havia falado aqui nas redes que não apoiaria Lula nas eleições por querer algo novo [...] Mas a postura extremamente agressiva e antidemocrática dessa gente não me deixa outra opção. É ‘Lula-lá’... [...]” A cantora faz agora campanha para que Lula vença no primeiro turno.

A jornalista Hildegard Angel comentou o crescimento da candidatura Lula, agora anabolizada (ou anittabolizada) pelo apoio da cantora de projeção internacional: “É uma onda forte, um tsunami de amor ao Brasil [...] arrebatando todos nós.”

Um tsunami, como previu Dilma Roussef, que não deixará pedra sobre pedra.








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