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Texto editado, com 7.401 caracteres
Trump não é um raio em céu azul. O
Capitalismo está experimentando aquilo que Nelson Rodrigues chamava de
“arrancos de cachorro atropelado”: doente, ameaçado, se contorce, esperneia, e
pede socorro ao seu guardião mais fiel: o Fascismo.
Para Russell Vought., que chefiou o Escritório de Administração e Orçamento (OMB) durante o primeiro governo Trump e é novamente diretor do OMB, “estamos nos estágios finais de uma completa tomada marxista do país”. Vought fundou o Center for Renewing America, encarregado de redigir centenas de ordens executivas para serem implementadas imediatamente após a ascensão de Trump à Casa Branca. O Projeto 2025 incluía planos para reduzir de forma drástica os gastos federais.
Em 31 de janeiro de 2025, o juiz-chefe John J. McConnell Jr., do Distrito de Rhode Island dos Estados Unidos, emitiu uma ordem de restrição temporária das ações do OMB. No entanto, o governo Trump recusou-se a cumprir integralmente a ordem judicial; e figuras importantes do movimento Make America Great Again (MAGA) sustentaram que o presidente pode fechar departamentos e bloquear gastos autorizados pelo Congresso, ignorando os tribunais.
Este ataque ao chamado Marxismo Cultural estava de acordo com a Agenda 47 da campanha Trump e J.D. Vance [Vice-presidente], que visava “remover todos os maníacos marxistas que infectam instituições educacionais”.
A lógica geral foi fornecida por um documento da Heritage Foundation, em 2022, intitulado Como o marxismo cultural ameaça os Estados Unidos – e como os americanos podem combatê-lo, de Mike Gonzalez e Katharine C. Gorka. O objetivo do trabalho de Gonzalez e Gorka não é promover a investigação intelectual, mas sim um novo Macarthismo [programa de caça aos “comunistas”, na década de 1950, que alcançou até Charlie Chaplin].
A atual mobilização da classe média baixa pela direita visa inicialmente desmantelar o atual “Estado administrativo”, substituindo-o por um mais propício a um projeto neofascista. Think tanks [instituições geradoras de ideias e de estratégias políticas] e influenciadores buscam atrair a classe média baixa branca [o “pobre de direita”] para o jogo que interessa à classe capitalista bilionária.
A
ideologia neofascista do MAGA
Na definição clássica originada com os teóricos marxistas, esses movimentos e regimes fascistas têm seus fundamentos materiais em uma tênue aliança entre o capital monopolista e uma classe média baixa, referida, por C. Wright Mills, como “guarda-costas” do sistema capitalista.
Quando os escalões superiores da sociedade se veem ameaçados, eles tomam o poder do Estado através de um líder autoritário, apoiados por um exército de adeptos de baixo. A chave para o governo fascista é a privatização de grandes partes do governo, favorecendo o capital monopolista.
Essa compreensão geral do fascismo foi dominante nas décadas de 1930 e 40, estendendo-se até o final do século XX. No entanto, o fascismo foi reinterpretado na ideologia hegemônica como uma forma de autoritarismo / totalitarismo violento e afastado do capitalismo.
O neofascismo atual não deve ser entendido simplesmente em termos de suas manifestações externas, como a violência, o racismo e o nacionalismo extremados. O fascismo é sempre a substituição da democracia liberal por uma ordem política na qual reina o capital financeiro monopolista. Sua ideologia revanchista é principalmente um mecanismo para a mobilização da classe média baixa.
O principal think tank do movimento Trump não é a Heritage Foundation, mas sim o Claremont Institute, que se tornaria o principal apoio intelectual de Trump II. Seu financiamento vem de fundações bilionárias.
Em 6 de janeiro de 2021, o advogado John Eastman, membro do conselho do Claremont Institute, desempenhou o papel principal na organização do ataque MAGA ao Capitólio em Washington, DC. Ele também escreveu os memorandos principais direcionados a pressionar o vice-presidente Mike Pence a invalidar a eleição de 2020 de Joe Biden.
Michael Anton, ex-diretor-gerente de investimentos da BlackRock [a maior empresa de pirataria financeira do mundo], agora é diretor de planejamento de políticas no Departamento de Estado dos EUA, sob Marco Rubio. Foi Anton que conectou o Claremont Institute ao MAGA e à extrema direita alternativa (“alt-right”).
Em 2019, Anton enfatizou a necessidade de uma guerra contra toda a esquerda, ganhando elogios de Trump. Em 2020, no seu livro, The Stakes: America at the Point of No Return, ele propôs que a imigração deveria idealmente ser interrompida por completo, enquanto a cidadania em virtude do simples nascimento nos Estados Unidos, mesmo que de pais não americanos, deveria cessar imediatamente. O livro de Anton, no entanto, é mais conhecido por sua defesa explícita de um regime no qual a presidência se tornaria uma “forma de monarquia absoluta” ou “governo de um homem só”. Quando eleito, Trump se declararia César [célebre imperador romano].
Anton popularizou o livro de John Marini Unmasking the Administrative State. Marini e Anton argumentam que é necessário que Trump esmague o Estado administrativo e o substitua por um governo mais centralizado.
Anton declarou que, para vencer, “precisamos de blogueiros, criadores de memes, trolls do Twitter, artistas de rua, comediantes, propagandistas, teólogos, dramaturgos, ensaístas, romancistas, jornalistas e relações públicas desonestos, e intelectuais” – bem como de Trump e de capitalistas de direita. O papel de Anton, em um artigo de 2019, foi trazer o Bronze Age Pervert [ou apenas BAP, pseudônimo de Costin Vlad Alamariu, influenciador de extrema direita] para atrair jovens brancos desencantados ao movimento neofascista. BAP caracterizou os intelectuais, os pensadores de esquerda e a população em geral como “homens-insetos”. A solução estava no fisiculturismo masculino e no cultivo da imagem dos heróis gregos da Idade do Bronze. BAP enfatiza a pureza ariana e justifica o racismo, a misoginia, o antissemitismo, a homofobia e ataques vis a diversas populações em todos os lugares. Anton ressaltou a importância dos ataques do BAP aos “homens-insetos” e aos “tempos de insetos”, incorporando seus pontos de vista dentro do MAGA.
Um estudo do próprio BAP ataca “modos de vida pré-arianos, o retorno do socialismo, da maloca, do feminismo” e “seitas marxistas satânicas”. O feminismo é visto como uma abominação, uma tentativa de “retornar ao matriarcado pré-ariano”. Ele acrescenta: “A justiça social é um parasitismo nojento”. As cidades de hoje, sujeitas a ondas de imigrantes, são “povoadas por hordas de zumbis parecidos com anões”. Ele afirma abertamente: “Eu acredito no Fascismo ou em algo pior”. Por todas essas razões, Trump deve ser apoiado em sua conquista do governo. “O Estado administrativo dominado pelos “homens-insetos” deve ser esmagado para criar uma nova “ordem primordial”.
Anton foi encorajado a ler BAP pelo Curtis Yarvin, um neofascista próximo a Anton e ao Vice-presidente J.D. Vance. Vance chama Yarvin de “minha influência política número um”. Yarvin, ex-programador de computador, é defensor de um “Iluminismo Sombrio” ou movimento neorreacionário (“NRx”),e da ideia de que o presidente pode se estabelecer como um “CEO nacional” ou mesmo “ditador”, substituindo o sistema legal e os tribunais. Os americanos, ele insiste, “terão que superar sua fobia de ditador”.
Yarvin nega que seja um verdadeiro fascista, caracterizando-se como um defensor da ditadura (ou da monarquia), já que tem desprezo absoluto pelas massas. No entanto, afirma ironicamente: “Francamente, Hitler se parece muito comigo” – mas, ele reconhece, é mais talentoso e mais malvado.
Yarvin forneceu o plano geral para uma presidência imperial de Trump. Ele argumenta que o poder real é mantido por pessoas que controlam a mídia e as universidades, constituindo a “Catedral”. A Catedral só pode ser derrubada por um monarca ou ditador, atuando como CEO. Uma vez eleito, afirmou Yarvin, Trump poderia expurgar a burocracia federal, alegando que o mandato eleitoral lhe permitia transgredir a lei e subjugar os tribunais e o Congresso. As grandes corporações de mídia e as universidades devem ser fechadas. Como Anton, Yarvin declarou sobre o presidente: “Você vai ser César”.
Anton afirmou que as universidades são “más”, uma posição fortemente apoiada por Christopher F. Rufo. Rufo transformou a teoria crítica de raça (CRT) e programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) em concepções tóxicas na mente do público. Rufo associa CRT e BLM (Black Lives Matter) ao anticapitalismo e ao racismo reverso.
O editor
da Claremont Review of Books, Charles R. Kesler, tem sido uma figura importante na
promoção da noção MAGA de uma Guerra Fria Civil entre a direita e as
chamadas forças dominantes da esquerda. O termo “woke”, invertido pela direita
desde 2019, tem sido usado pela mídia conservadora para se referir de forma
depreciativa a todas as causas políticas e culturais progressistas contemporâneas,
como as lutas por justiça social e contra o racismo.
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