sábado, 14 de junho de 2025

O sionazismo e o verbo "judiar"

 



Ilustração: NMM

 

O dicionário Aurélio registra duas acepções do verbo “judiar”: escarnecer e maltratar.

O verbo estava em desuso; mas está sendo resgatado pelo genocida Netanyahu.

Sem delongas, seguem condensações de textos que descrevem as atrocidades cometidas por Israel em Gaza.

Estarão disponibilizados os links dos textos originais.

Nelson M. Mendes

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Em Gaza não há presentes, se as crianças pudessem escrever ao Papai Noel apenas pediriam para morrer

06 Janeiro 2025

O artigo é de Rita Baroud, estudante palestina, publicado por Repubblica, 24-12-2024.

Em Gaza, o tempo parou de fluir. Aqui em Gaza, onde o barulho dos aviões e das explosões nunca cessa, a alegria do Natal está ausente.

Nas ruas da minha cidade não há decorações nem risadas – apenas restos de casas destruídas e sonhos desfeitos.

Gaza conhece bem a dor, mas em dezembro, no inverno, o sofrimento do povo de Gaza duplica. As famílias ficam presas entre o frio intenso e paredes em ruínas que não oferecem proteção.

As famílias vivem em tendas esfarrapadas cercadas por poças de água após as tempestades, enquanto as crianças tentam fazer fogueiras usando lixo apenas para aquecer as mãos.

Ontem à noite, enquanto caminhava pelos becos do bairro, perguntei às crianças que conheci: "O que vocês querem?" Seus rostos estavam cansados.

Mas uma menininha, de não mais de cinco anos, carregava no ombro uma caixa de papelão na qual recolhia restos de comida podre que recuperava de pilhas de lixo. Eu perguntei a ela: “O que você quer?” Ela parou por um momento e depois respondeu com uma voz suave que carregava o peso do mundo: “Gostaria de encontrar comida para alimentar meus irmãos mais novos. Meu pai perdeu membros e minha mãe foi martirizada [morta]. Eu sou responsável por eles."

Eu não pude responder. As palavras me falharam quando olhei para ela. Naquele momento, tudo parecia insignificante comparado à dor naqueles olhinhos.

Em todo o mundo, crianças escrevem cartas ao Papai Noel pedindo brinquedos e presentes. Mas em Gaza, se as crianças escrevessem alguma coisa, seria para pedir a morte, como fuga de uma vida que lhes roubou a infância e destruiu os seus sonhos.

Em Gaza, as crianças esperam que hoje seja o último dia, porque os dias que virão não trarão nada além de mais fome, medo e silêncio ensurdecedor.

Gaza existe à margem da vida, isolada de um mundo que parece tê-la esquecido completamente.

Em Gaza, tudo está paralisado: não há eletricidade, não há água potável, não há vida normal. Mas, longe deste canto do mundo, as cidades se iluminam com as cores do Natal, e as pessoas trocam presentes.

O mundo não parou nem por um momento para se perguntar: como sobrevivem dois milhões de pessoas sem horizonte? Como continuam a viver em meio à completa ausência de tudo?

Mais de 444 dias, sem respostas.

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A despedida final de uma pediatra de Gaza para seus nove filhos mortos por Israel: "Ela dedicou sua vida a salvar crianças"

28 Mai 2025

 A reportagem é de Malak A Tantesh e Lorenzo Tondo, publicada por El Diario, 26-05-2025.

Na manhã de sexta-feira, como todos os dias, a doutora Alaa al-Najjar se despediu de seus dez filhos antes de sair de casa. E como todos os dias, com a guerra em Gaza e os ataques israelenses, Al Najjar estava preocupada em deixá-los em casa e ir trabalhar.

Mas a mulher de 35 anos, uma respeitada pediatra no Complexo Médico Nasser, teve que ir trabalhar para cuidar de bebês feridos, sobreviventes dos ataques israelenses.

Algumas horas depois, os corpos carbonizados de sete de seus filhos chegaram ao hospital onde ela trabalha. Dois outros corpos estavam sob os escombros. Dos seus dez filhos, apenas um sobreviveu, junto com seu marido, Hamdi al Najjar, 40, que também é médico. Ambos estão hospitalizados.

Imagens compartilhadas pelo chefe do Ministério da Saúde de Gaza mostram os corpos queimados e desmembrados das crianças sendo retirados dos escombros da casa da família.

Relata Ali al-Najjar, irmão mais velho de Hamdi, marido de Alaa: “Soube que a casa tinha sido bombardeada, e fui para lá. Quando cheguei, encontrei meu sobrinho Adam caído na rua, sob os escombros; mas sua alma ainda estava lá. Meu irmão jazia do outro lado, sangrando profusamente na cabeça e no peito, e com o braço decepado. Ele respirava com dificuldade”.

Ali foi quem chamou a equipe médica e levou os dois sobreviventes ao hospital. Então começou a busca por seus nove sobrinhos e sobrinhas sob os escombros.

Alaa al-Najjar correu para o local da explosão enquanto os socorristas retiravam o corpo de sua filha Revan dos escombros. Em meio às lágrimas, ela implorou que a deixassem abraçá-la uma última vez.

Fontes do Hospital Nasser, que transportaram os corpos das crianças para o necrotério, revelaram que a mãe não conseguiu identificá-los devido à extensão das queimaduras.

A médica voltou ao hospital para ver seu filho de 11 anos, Adam, e seu marido.

Alaa foi ao necrotério, abraçou seus filhos, recitou o Alcorão e rezou por eles”, diz o Dr. Ahmed al-Farra, 53, diretor do departamento infantil do Complexo Médico Nasser.

"Ela estava constantemente preocupada com os filhos enquanto estava no hospital. Quando soube que uma casa havia sido bombardeada no bairro de Qizan al-Najjar, seu coração maternal sentiu que algo estava errado", lembra Farra.

Depois de se despedir pela última vez de seus sete filhos, Alaa foi para o quarto onde seu único filho sobrevivente estava sendo tratado. "O marido dela sofreu ferimentos graves, disse Farra. “O estado do filho dela era relativamente melhor; seus ferimentos eram de moderados a graves”.

O exército israelense emitiu inúmeras ordens de evacuação e, na semana passada, ordenou que os moradores de Khan Yunis saíssem porque a cidade estava prestes a se tornar uma zona de "combate". Muitos moradores não têm para onde fugir depois de um ano e meio de conflito, durante o qual foram deslocados diversas vezes. Durante esse período, mais de 54.000 pessoas morreram em Gaza, das quais mais de 16.500 eram crianças.

Farra tem apenas um desejo: “Minha única esperança é que aqueles que morreram não sejam apenas nomes no papel. Fomos criados como qualquer outro ser humano neste mundo. E como qualquer outro ser humano, temos o direito de viver”.

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Médicos Sem Fronteiras: dezenas de palestinos são massacrados em distribuição de alimentos em Gaza

03 Junho 2025

 Dezenas de palestinos foram mortos e centenas ficaram feridos neste domingo, 1º de junho, alvejados por drones, helicópteros, barcos, tanques e soldados israelenses, enquanto esperavam para receber alimentos nos recém-criados centros de distribuição da Fundação Humanitária de Gaza, em Rafah

A informação é publicada pela Assessoria de Imprensa do Médicos Sem Fronteiras,   02-06-2025.

“Este novo sistema de entrega de ajuda é perigoso e ineficaz. Resultou em mortes e ferimentos de civis. A ajuda humanitária deve ser fornecida apenas por organizações que tenham a competência e a determinação para fazê-lo com segurança e eficácia”, afirma Claire Manera, coordenadora de emergência da MSF.

Equipes de MSF no hospital Nasser trataram pacientes em estado crítico que foram submetidos a cirurgias. A própria equipe médica teve que doar sangue.

“Os corredores do hospital estavam lotados de pacientes, porque os quartos já estavam lotados de feridos”, relatou Nour Alsaqa, da equipe de comunicação de MSF em Gaza.

“Eles pareciam arrasados e perturbados por retornarem feridos e de mãos vazias após a tentativa de garantir comida para seus filhos”, acrescentou.

Mansour Sami Abdi, pai de quatro filhos, descreveu o caos: "Disseram para levarmos a comida e depois atiraram de todas as direções. Isso não é ajuda humanitária. É mentira. Devemos ir buscar comida para nossos filhos e morrer?"

Mohammad Daghmeh, de 24 anos, lamentou: "Fui baleado às 3h10 da manhã. Estávamos encurralados; um homem tentou me tirar dali, levou um tiro na cabeça e morreu no meu peito. Tínhamos ido lá apenas pela comida”.

Esta é a segunda vez que este novo sistema de distribuição de ajuda humanitária resulta em derramamento de sangue. Em 27 de maio, na primeira tarde de distribuição em Rafah, as forças israelenses atiraram em dezenas de pessoas, enquanto quantidades totalmente insuficientes de suprimentos básicos eram distribuídas em meio ao caos.

Como resultado do cerco total imposto pelas autoridades israelenses em 2 de março, 100% de Gaza está agora em risco de fome, segundo as Nações Unidas. Mais de 2 milhões de pessoas que estão em grande parte privadas de alimentos, água e medicamentos há três meses.

MSF reforça que, juntamente com as ordens de deslocamento e as campanhas de bombardeio que matam civis, o uso de ajuda humanitária como arma pode ser considerado crime contra a humanidade.

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Em Gaza “não há apenas uma crise humanitária”, Israel enfrenta “uma crise de credibilidade”

05 Junho 2025

A reportagem é de Jorge Wemans, publicada por 7Margens, 03-06-2025.

No Jewish News os editoriais são relativamente raros e nunca avançaram qualquer crítica ao Governo ou ao exército israelense. O editorial de 3 de junho marca um primeiro distanciamento crítico, ainda que tênue.

A razão desta posição fundamenta-se no facto do “Hamas ter afirmado esta semana que pelo menos 27 pessoas foram mortas e 90 feridas” pelo exército israelense “enquanto aguardavam ajuda supervisionada pela nova Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apresentada por Israel como um instrumento de distribuição de ajuda alimentar em Gaza. Mas é acusada por vários países ocidentais e observadores independentes de ter como objetivo ajudar Israel a atingir os seus objetivos militares, contornando a ONU e excluindo os palestinos.

A nova Fundação Humanitária de Gaza é apoiada pelos EUA e iniciou a distribuição de alimentos no dia 26 de maio. Mais de meia centena de palestinos foram mortos pelo exército israelense e centenas feridos durante três operações de distribuição de alimentos, de acordo com informações veiculadas pelo Ministério da Saúde de Gaza, dirigido pelo Hamas.

“Transparência não é uma ameaça”

Perante a impossibilidade de obter uma visão dos acontecimentos a partir de fontes independentes e imparciais, o Jewish News defende que: “Autorizar a entrada de jornalistas em Gaza permitiria obter relatos precisos sobre o novo sistema de distribuição de ajuda, e se está, ou não, a ser manipulado.”

O jornal acrescenta: “Queremos ver Jeremy Bowen na BBC, relatando no local os moradores de Gaza a receberem a ajuda organizada por Israel. Transparência não é uma ameaça, é uma tábua de salvação, um separador de águas.”

O editorial não aceita a permanente desculpa israelense sobre a inexistência de condições de segurança para os jornalistas trabalharem: “Os correspondentes de guerra não são estranhos ao perigo. Se Israel quer que o mundo veja a verdade, deve deixá-los vê-la”.

De acordo com várias investigações, desde 7 de outubro de 2023, o exército israelense matou em Gaza mais 230 jornalistas e profissionais de mídia. Estes números superam em muito o total de jornalistas que morreram durante toda a Segunda Guerra Mundial. O ataque sistemático e mortal a jornalistas em Gaza está descrito e documentado, por exemplo, no The Reporting Graveyard, um relatório do jornalista Nick Turse para a Universidade de Brown (EUA).

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Gaza, a influenciadora que desafiou as bombas com um sorriso foi morta em um ataque das forças militares israelenses

26 Mai 2025

 A reportagem é de Alessia Candito, publicada por La Repubblica, 26-05-2025.

“Tento levar um pouco de alegria às crianças, para que elas se esqueçam da guerra por um tempo.” Com onze anos, Yaqeen Hammad explicou em um de seus últimos vídeos por que, depois de vinte meses de bombas e quase três de cerco total, ela ainda tentou afastar crianças como ela da angústia e do horror. Dentro e fora de Gaza, aquelas pílulas do Instagram de alegria impensável se tornaram virais. Mas agora, a menina que desafiou as bombas com um sorriso é apenas mais uma vítima da ofensiva israelense "Tanques de Gideão", que custou a vida de outros vinte menores em uma uma escola.

"Yaqeen, minha irmãzinha, minha alma, foi morta", escreveu seu irmão Mohamed, um dos poucos sobreviventes, ele próprio um trabalhador humanitário, que vivia em simbiose com ela.

Yaqeen Hammad (Foto: Reprodução/Instagram)


Yaqeen, da pequena ONG palestina, tornou-se nas redes sociais uma propagadora de esperança e resiliência num contexto em que abrigos, escolas e hospitais são bombardeados por Israel.

Com seus vídeos de Gaza, Yaqeen se tornou uma das testemunhas mais conhecidas da tragédia das crianças na Faixa de Gaza. Os vulneráveis, por excelência.

Somente desde 18 de março, quando Israel violou o cessar-fogo, 950 pessoas morreram, de acordo com a Unicef. Um milhão de pessoas, quase metade da população da Faixa, diz a Save the Children, estão sofrendo de fome, enquanto a ajuda continua bloqueada nas travessias. Medicamentos e terapias não chegam há meses.

Yaqeen, em alguns vídeos, ainda é vista entre os escombros, usando o colete da ONG ou uma jaqueta à prova de balas, grande demais para ela, distribuindo refeições e roupas.

“Em Gaza nada é impossível”, ela comentou teimosamente. E sob as bombas, entre os escombros de prédios, escolas e hospitais, ela falou de esperança, do futuro.

Mas agora ela é mais uma vítima de uma ofensiva que já custou a vida de pelo menos 15.000 crianças (ou 20.000, considerando os desaparecidos sob os escombros) e feriu gravemente mais de 175.000. “Esta guerra”, disse o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança, “é um exemplo trágico de brutalidade humana”. E Yaqeen é mais uma vítima.

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