Imagem: Monirul Islam
Texto original no site A Terra é Redonda
Texto
editado / NMM:
Por SALEM
NASSER
Em um
mundo onde o poder fabrica consenso e apaga cadáveres, a história de Asem e sua
tâmara é um raio de luz na escuridão.
1.
No Brasil,
os crimes julgados por um júri popular são aqueles ditos “de sangue”, em que de
algum modo se atenta contra a vida.
Um dos
maiores advogados que um dia atuaram perante júris populares, Waldir Troncoso
Peres, ensinou que a principal função do advogado de defesa era fazer com que
os jurados esquecessem que existia um cadáver!
Pois bem, muita
gente, muitos Estados tentam nos fazer esquecer que há um genocídio
em curso. São o melhor advogado do genocida.
Noam Chomsky
e outros falaram de poderes que, sob o manto da aparente
liberdade de expressão e de debate, efetivamente são capazes de jogar para a
margem toda nota discordante.
Eu já me
imaginei sentado à margem desse grande e poderoso rio, lançando nele a minha
modesta isca, tentando fisgar homens e mulheres que quisessem ver as coisas sob
outras luzes.
2.
Nos dias que
correm, podemos acreditar que as redes sociais substituíram em alguma medida os grandes meios de
comunicação.
Direi apenas
que as grandes plataformas e seus donos, de modo geral, também trabalharam, e
seguem trabalhando, para que o cadáver do genocídio não ocupe o centro da cena.
Grandes jornais e redes de televisão e rádio caminham para a obsolescência, mas continuam a cumprir um papel fundamental na definição da agenda. Se esses grandes veículos quisessem e tivessem coragem, o genocídio na Palestina seria tema de discussão cotidiana em todos os segmentos da população.
É claro que
a razão para a falta de coragem desses veículos é a mesma que explica a
covardia de elites políticas, econômicas, intelectuais, especificamente no
Ocidente e nos lugares do Sul Global que não sabem pensar autonomamente (que é
o caso do Brasil).
3.
Um dos
lugares em que se pode acompanhar a tragédia cotidiana, e épica, que se abate
sobre os palestinos, sobretudo em Gaza, é o canal Electronic Intifada. Recomendo.
Confesso que
não tenho estrutura emocional para assistir todos os dias, mas há dois ou três
dias, dei de cara com uma história que é ao mesmo tempo um retrato cristalino
do sofrimento, uma lição de resistência, de esperança, de humanidade... com
um toque de lirismo.
Os
apresentadores, Nora Barrows-Freidman e Ali Abunimah, entrevistam mais uma vez
Asem Alnabih, um dos contribuidores assíduos do site. Ele atua como porta-voz
da prefeitura de Gaza e é engenheiro e doutorando.
Ali nota de
imediato: “Asem, cada vez que falamos com você percebo como você está ficando
cada vez mais magro.”
Fala-se da
situação em Gaza, das dificuldades. Asem Alnabih se diz privilegiado, ele ainda
pode fazer uma refeição por dia, ainda tem algum acesso à energia para carregar
o celular, acesso a um pouco de água. E mais, sua mulher e seus filhos não
estavam em Gaza quando começou a guerra, e continuam fora; não sofrem,
portanto, como centenas de milhares de mulheres e crianças em Gaza.
Asem Alnabih
mencionara, no último artigo, ter combinado alguma coisa com a esposa. Indagado
a respeito, diz que propusera à mulher encontrar um modo de fazer com que os
filhos percebessem profundamente, “no fundo da alma”, o que significava a fome
por que passavam os palestinos de Gaza.
Perguntam
então qual era a história da tâmara. Ele diz algo como: “Gosto muito de
tâmaras, tinha uma única tâmara que guardei comigo por seis meses, deixava para
comer em algum momento especial. Um dia, vendo o sofrimento pelo qual minha mãe
passava e sabendo que ela gosta também de tâmaras, dei para ela. Eu tenho uma
irmã caçula, tem 17 anos, e há dois anos só faz estudar para obter seu diploma,
sem escola, sem professores, sem eletricidade… eu realmente acredito que ela é
um gênio, vai chegar muito longe… Minha mãe, vendo como minha irmã, Nasmah estudava
e se esforçava, resolveu dar a tâmara para ela. Nasmah, por sua
vez, achou que o melhor seria que seu, e meu, pequeno sobrinho, Mu`min (fiel,
crente), de 7 anos, comesse aquela única tâmara”.
Asem termina
dizendo: “Eu desejo que um dia a minha irmã Nasmah possa comer
tâmaras sem precisar contá-las!”
Perguntado
sobre o que se passa no fundo de sua alma, responde: “Eu sinto que vou morrer”.
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