Lula e
Donald Trump (Foto: ABR | Reuters)
Texto de Reynaldo Aragon com 31.267 caracteres
Texto editado / NMM com 5.833 caracteres:
O governo
Trump, ao decidir classificar cartéis de drogas latino-americanos como
organizações terroristas, tenta repetir, em nova escala, o Plan Colombia, dos
anos 1990, que serviu para o avanço dos Estados Unidos na região sob a bandeira
do combate às drogas.
O objetivo
estratégico é provocar incidentes diplomáticos calculados que empurrem
governos-alvo para um rompimento unilateral. Essa ruptura forneceria a
Washington o pretexto jurídico e político para acionar seu arsenal de medidas
coercitivas sem restrições impostas por convenções ou tratados internacionais.
Essa
“doutrina da provocação” combina pressão econômica e campanha para apresentar o
país como conivente com o crime organizado transnacional.
A melhor
defesa brasileira será não aceitar a provocação, fortalecendo simultaneamente
sua autonomia material e informacional.
Tudo começa
pela pressão econômica: tarifas injustificadas visam provocar reações que
possam ser vistas como “evidência” de que o Brasil não quer cooperar. Em
seguida, grupos criminosos são classificados como “terroristas”, o que coloca o
Brasil diante de um dilema: aceitar influência de agências norte-americanas na
segurança interna ou ser acusado de “proteger terroristas”. Finalmente, ONGs,
estudos acadêmicos patrocinados e declarações de parlamentares estrangeiros passam
a difundir a narrativa de que o Brasil é leniente com o crime organizado e
conivente com redes transnacionais.
Se a
provocação for bem-sucedida, o Brasil não apenas enfrentará sanções e
restrições, mas será transformado, aos olhos da opinião pública global, no
“culpado” de um colapso diplomático cuidadosamente arquitetado por Washington.
O poder
coercitivo dos Estados Unidos contra países e empresas opera com alcance
extraterritorial, através de dispositivos como o IEEPA, o Kingpin Act, o
Magnitsky Act, o Patriot Act e outros instrumentos.
O Brasil
precisa negar o estopim, buscar parcerias alternativas, evitar a tutela externa
e construir, nos campos jurídico e jornalístico, uma narrativa que impeça a
captura reputacional que transforma prudência soberana em “conivência”. Sem
essa preparação, o arsenal de Washington não precisa ser plenamente acionado
para produzir o efeito desejado: bastam anúncios e insinuações para que o
mercado faça o trabalho.
A escalada é
desenhada para induzir o Brasil a reagir de forma emocional e romper canais
diplomáticos, entregando aos Estados Unidos a justificativa política e jurídica
para manter ou ampliar o cerco.
O Brasil precisa preparar respostas
calibradas, evitando o conflito, e simultaneamente fortalecer sua autonomia
econômica, tecnológica e informacional.
A
antecipação é a chave para neutralizar a doutrina da provocação. A leitura
integrada de certos sinais permite ao Brasil não apenas antecipar movimentos,
mas também agir para desmontar narrativas, reforçar parcerias estratégicas e
criar redundâncias econômicas e tecnológicas.
Washington
precisa construir consenso interno e externo de que essas medidas são legítimas
e inevitáveis. Esse trabalho é realizado por think tanks, ONGs, empresas de
consultoria, veículos de imprensa, universidades e especialistas independentes.
A operação
começa com um enquadramento linguístico. Termos como “paraíso de organizações
criminosas transnacionais”, “ponto cego da segurança hemisférica” ou “elo
vulnerável no combate ao narcotráfico” são repetidos em relatórios, entrevistas
e painéis internacionais, criando uma base semântica que associa
automaticamente o país a risco e omissão. Em seguida, entram os “estudos de
caso” e “investigações”, muitas vezes produzidos em colaboração com agências ou
órgãos dos EUA, mas publicados por entidades que se declaram independentes.
Essa
narrativa é amplificada por redes sociais e pela mídia tradicional.
A guerra
informacional também se manifesta na diplomacia pública, em discursos na ONU,
OEA e outros foros multilaterais. Paralelamente, vazamentos seletivos para a
imprensa reforçam a imagem de que o Brasil está no epicentro de um problema que
exige resposta internacional.
O objetivo é
saturar o espaço informacional. Quando esse estágio é atingido, qualquer
resposta brasileira que questione as medidas passa a ser interpretada como
prova adicional de resistência a “cooperar” contra um inimigo comum.
Neutralizar
a doutrina da provocação exige mais do que respostas técnicas. A primeira linha
de defesa é separar a cooperação legítima de tutela extraterritorial. O Brasil
deve evidenciar, com dados e exemplos verificáveis, que colabora no combate ao
crime organizado transnacional, mas em termos soberanos.
O Brasil
deve apresentar indicadores concretos de combate a redes criminosas, para
mostrar que rejeitar a presença militar ou operações diretas dos EUA não significa
ser “leniente” com o narcotráfico.
A eficácia
dessa contra-argumentação depende de consistência e repetição. Ela deve estar
presente em discursos oficiais, entrevistas, documentos técnicos, relatórios
internacionais e articulações diplomáticas, de modo a saturar o espaço
informacional com uma versão factual e coerente dos fatos. Só assim o Brasil
pode impedir que a narrativa de Washington se consolide, justificando medidas
coercitivas.
A defesa
contra a doutrina da provocação deve ser simultaneamente diplomática,
econômica, tecnológica e informacional. É necessário ampliar alianças regionais
e com parceiros não alinhados a Washington — no BRICS, na União Africana, na
ASEAN e em países do Oriente Médio.
Na frente
econômica, a estratégia exige a diversificação de mercados de exportação e
importação. É igualmente essencial ampliar o uso de moedas locais e sistemas de
pagamentos alternativos ao dólar.
No campo
tecnológico, é preciso buscar a parcerias estratégicas, fortalecer a
ciberdefesa, incentivar a produção local de semicondutores, gerar mecanismos de
redundância para data centers, energia e comunicações, garantindo operação
contínua mesmo diante de bloqueios ou restrições impostas por fornecedores
estrangeiros.
A dimensão
informacional é o elo integrador dessa estratégia. É preciso investir em
inteligência estratégica para desativar narrativas adversas antes que se
consolidem.
A cruzada
antidrogas de 2025 reativa, portanto, com instrumentos mais potentes, o Plan
Colombia. O objetivo de Washington é levar o Brasil ao rompimento, abrindo
caminho para sanções, tarifas, controles tecnológicos e isolamento
reputacional. A resposta brasileira inteligente é não aceitar a provocação.
Deve manter a iniciativa diplomática, diversificar parceiros e rotas, separar
cooperação legítima de tutela extraterritorial e mostrar que tem capacidade
para combater o crime. Evitando-se o rompimento, o projeto dos EUA de
intensificar as pressões sobre o Brasil
emperra no custo político e econômico doméstico dos próprios Estados
Unidos.
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