segunda-feira, 21 de novembro de 2011

USP – o campus visto das redes sociais

Nelson Mendes

Faz algum tempo que não tenho andado muito sintonizado com as notícias freneticamente despejadas pela mídia, até porque, como todos estamos cansados de saber, um dos objetivos dessa overdose de notícias é, como disse Millôr Fernandes... ocultar a notícia. “ O blog “Comunidade Niterói” fala disso: "A mídia realça o acessório, o detalhe, o pitoresco, o mórbido. Enquanto o povo se diverte, ou tem a sensação de estar sendo informado, os poderosos continuam movendo secretamente os cordéis e, entre gargalhadas de escárnio, manipulando milhões de pessoas.” O linguista Noam Chomsky referenda essa afirmação, ao apresentar a primeira das 10 estratégias de manipulação midiática: “O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes.”

Um dos efeitos colaterais dessa “alergia” ao excesso de informações frívolas e ‘diversionistas’ é um certo alheamento mesmo em relação ao que de fato possa ser interessante ou importante. Essa atitude mental, essa intolerância ao lixo tóxico midiático é o que explica por que demorei a tomar conhecimento do protesto dos estudantes na USP. As informações me foram chegando a conta-gotas, e mais pelo caminho enviesado das redes sociais do que propriamente pela mídia tradicional. Isso poderia ter sido muito bom (a independência da internet tem sido saudada como a luz brilhante no fim do túnel do obscurantismo midiático); mas, curiosamente, as primeiras manifestações que vi tinham teor altamente conservador e, até, neomacarthista... Como eu não tinha muita informação sobre o assunto, fiz alguns comentários em que basicamente recomendava cautela na análise dos fatos. Reproduzo um ‘patchwork’ com trechos de minhas primeiras manifestações a respeito:

“Eu não sei exatamente o que está acontecendo na USP. Mas, a priori, eu ficaria cauteloso quanto a emitir uma opinião simplista e possivelmente preconceituosa [...] Dizer que foi tudo simplesmente uma bandalha de maconheiros arruaceiros só atende ao reducionismo conveniente a uma certa postura ideológica que já estamos cansados de conhecer. [...] Os estudantes [...] deram inadvertidamente munição para que o conservadorismo hidrófobo fizesse a festa, colocando no mesmo balaio todas as rebeldias, tanto as malucas quanto as sensatas e necessárias.”

Entretanto, possivelmente minha participação mais singular sobre a questão tenha sido na página de um amigo que se referiu ao movimento na USP como coisa de “esquerdopatas xaropes”. Como se dizia no tempo em que brasileiros eram torturados e mortos simplesmente por serem delatados como “esquerdistas”, eu “grilei” com aquela expressão arrasadoramente simplista. E expressei meu incômodo. Depois de questionar o próprio termo “esquerdopata”, indagando se ele teria sido inventado por Mainardi, Reinaldo Azevedo ou Olavo de Carvalho, eu concluí:

“Atribuir o movimento dos estudantes aos ‘esquerdopatas xaropes’ não é simplificar demais a questão, não? Não é trair um preconceito contra tudo o que tenha ‘cheiro’ de esquerda? Não é demonstrar a lavagem cerebral de quem nasceu sob o silêncio da ditadura e cresceu sob a influência de uma mídia adrede preparada para defender os interesses daquilo que Adriano Benayon chamou de ‘oligarquia financeira anglo-americana, que controla a grande mídia e os formadores de opinião que a esta têm acesso?’ “


Darcy Ribeiro costumava brincar com aqueles que viam em Jango Goulart, pachorrento e abastado fazendeiro, um “comunista”, quando tudo o que ele queria era que mais pessoas tivessem propriedades e consumissem! Mas uma certa direita míope e raivosa não consegue ver o óbvio e não consegue transigir um milímetro. Como na fábula, o escorpião é incapaz de evitar picar o sapo que o poderia levar em segurança para o outro lado do rio.

E toca a financiar os zumbis do neomacarthismo, como Jabor, Mainardi, Casoy e Olavo de Carvalho, para que encenem fantasmagorias a fim de apavorar a classe média e fazer com ela passe a defender idéias contrárias a seus próprios interesses, arrastando nisso o andar ainda mais abaixo. É a senzala fazendo o discurso da casa-grande.

Esse conservadorismo raivoso, essa ‘paúra do comunismo’, como falou um amigo, tem raízes rastreáveis lá no macarthismo, na guerra fria, na "aliança para o progresso", no trabalho sujo da grande imprensa ontem, hoje e sempre. Mercenários intelectuais como Olavo de Carvalho se dedicam a realçar, com as lentes made in USA, da marca McCarthy, qualquer sinal de “comunismo”, “socialismo” “esquerdismo”, seja nas escolas, nas universidades, na mídia, nas instituições de qualquer natureza. Muitas pessoas, sobretudo aquelas que cresceram hipnotizadas pela produção cultural americana, enxergam na inofensiva e solitária joaninha, vista através de tais lentes, um monstro de apavorantes características jurássicas ou alienígenas... Mas não apenas as pessoas mais velhas, que sofreram na pele a radioatividade macarthista e coisas tais se mostram aterrorizáveis pelas prestidigitações dos mercenários neomacarthistas: muita gente jovem mostra o mesmo comportamento, e repete um discurso que já ficaria feio na boca de um radical de extrema direita! Matheus Pichonelli, no artigo “Ocupação patética, reação tenebrosa”, tenta explicar a reação de muitos jovens ao episódio da USP:

“Muitos usaram as redes sociais para despejar os argumentos mais covardes contra o universo estudantil, sobretudo o sistema público de ensino. Mas o que mais estranha não é ver senhores engravatados pedindo punição exemplar aos ‘aloprados’. Para a reitoria, o governador e os empresários que querem se apropriar do espaço público para obter lucros privados, parece mais que óbvio o interesse em deslegitimar não só ocupações estapafúrdias, como foi o caso, mas também esmagar a voz, quiçá para sempre, do movimento estudantil.

O que é estranho dessas reações é que elas partem de quem muito cedo na vida já se apropriou do discurso dos pais, herdado do regime militar; e que, portanto, veem na obediência, no não-engajamento, na docilidade, na adaptação a um mundo já pronto o único caminho possível. Tenho, para isso, uma tese de botequim: a de que minha geração, nascida em meados dos anos 80 e criada nos 90, foi o maior baby boom de bundões que o Brasil já testemunhou; crescemos com medo da violência, das doenças sexualmente transmissíveis e do outro (do favelado ao muçulmano) e, por este motivo, decidimos nos enclausurar em bolsões de segurança (o shopping, a escola particular e os condomínios fechados) para poder nascer e morrer em paz, sem grandes objetivos na vida a não ser aceitá-la.”

Foi Ricardo Boechat, em cometário na Band News FM, quem melhor resumiu o assunto,na minha opinião. A seguir, uma edição bem ‘radical’ e enxuta de sua fala:

“A USP tem um campus gigantesco aqui em São Paulo. A insegurança era um problema seríssimo. Diante do clamor público a USP assinou um convênio e Polícia Militar passou a atuar dentro do campus da universidade. No mundo inteiro a segurança nos ambientes universitários é feita por polícias universitárias. É assim na Europa, é assim nos Estados Unidos. No caso, como a prioridade é segurança, é melhor ter a PM do que nada. Mas a USP, se fosse uma cidade, seria o sétimo maior orçamento do Brasil, que é de 3 bilhões e seiscentos milhões de reais. Então a USP pode perfeitamente equipar-se com uma polícia universitária adequada.

O que foi o elemento deflagrador disso tudo? Foi a ação da PM prendendo três estudantes que estavam fumando um baseado. A discussão sobre a maconha é uma discussão global, tem gente séria questionando a razoabilidade da criminalização da maconha. O que aconteceu? Garotada cheia de testosterona... vamos mudar o mundo, ocupa Wall Street ... O que eles fizeram? Foram pro pau, ocuparam a reitoria e, ao fazê-lo, cometeram também os erros muito típicos. É um momento da vida, isso é assim. É claro que a desocupação tinha que acontecer. No mérito, eu não apóio o que aquela garotada fez. Mas eu prefiro uma juventude que briga. Eu prefiro uma juventude que se revolta, uma juventude que erra, a uma juventude que se acomoda.”



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