segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A luz, a sombra e o Brasil

Nelson M. Mendes

Há quem não se conforme até hoje com o “pecado original” cometido por Adão e Eva, e que resultou em que fossem ambos expulsos do Paraíso. Outros não aceitam o Calvário de Jesus, que Ele próprio encarou com amor e humildade, sabendo que era aquele o plano cósmico. Num dado momento, Ele chegou a dizer: “Ou imaginas tu que Eu, neste momento, não poderia orar ao meu Pai e Ele colocaria à minha disposição mais de doze legiões de anjos?” (Mateus 26:53)

Na verdade, é óbvio que Cristo nem precisaria da ajuda de um único anjo para neutralizar todos aqueles soldados romanos; mas mesmo naquele momento de máximo sofrimento Ele quis deixar claro que tudo acontecia por operação de uma Força maior, de que Ele próprio, o humilde homem nascido na Palestina, era apenas um dos canais. E quis deixar claro também que reagir seria fugir à missão que Lhe havia sido assinalada.

Hoje, no Brasil, muitos parecem  acreditar que o “Mal” instalou-se. O presidente eleito, de perfil neonazista, seria a própria encarnação do Demônio. É o advento da Besta. Estamos perdidos, estamos condenados.

Mas será mesmo assim?

Em 1989 Lula foi derrotado por Collor, fantoche forjado pela mídia para obstaculizar quaisquer tendências progressistas. Houve júbilo entre os poderosos e entre aqueles que foram doutrinados a defender os interesses dos poderosos; a Senzala mais uma vez fazia o jogo e o discurso da Casa-Grande.  Mas houve também choro e ranger de dentes entre os que viram ruir ali os sonhos acalentados durante os anos de ditadura e durante o período híbrido representado pelo governo Sarney.

Parecia o fim do mundo. Mas não foi. O próprio Lula declararia, mais tarde, que não estava preparado para assumir o governo naquele momento.

Depois tivemos Itamar, com seu Plano Real (erroneamente atribuído a Fernando Henrique), e tivemos o próprio Fernando Henrique, que destroçaria conquistas brasileiras históricas ao comandar o que o jornalista (de centro direita) Elio Gaspari chamou de “privataria” – mistura de privatização com pirataria.

Também não foi o fim do mundo.

Finalmente, depois de mil promessas de moderação e bom comportamento capitalista, Lula foi eleito.

Havia, agora, um cheiro de “Nova Era” no ar.

E não houve nada disso. É verdade que nem os organismos internacionais negam que os indicadores sociais melhoraram com Lula: milhões de pessoas deixaram de passar fome; falou-se até no advento de uma “nova classe média”.  Houve especialistas norte-americanos, ancorados em seus insustentáveis dogmas neoliberais, entusiasmados com o governo Lula – a prova, segundo eles, de que era possível atender às demandas sociais sem mexer nos pilares do Sistema, sem incomodar essa quimera risível chamada “Mercado”. Até Barack Obama disse que Lula era “o cara”.

Mas a esperada Reforma não aconteceu. A “Nova Era” não se iniciou.

Lula ainda conseguiria promover a eleição e a reeleição de Dilma. Aí a impaciência das elites chegou a tal nível que destruiu a represa institucional: veio o golpe, ridiculamente fantasiado de impeachment, ostentando adereços legalistas bisonhamente falsificados, e o boneco Temer assumiu o poder.

Agora temos, para todos os efeitos, um retrocesso ainda mais hediondo: o eleitor brasileiro escolheu “livremente” o Neonazismo, o despreparo intelectual, a rusticidade emocional, o preconceito, a burrice; tudo, como explicado no texto “As origens do Nazismo tropical”, fruto do medo do “Comunismo” – medo que é, em última instância, filho do egoísmo. (O texto “Manual de autoajuda do Iludido político II” traz uma análise sobre as origens desse pânico “anticomunista”.) O brasileiro tem de assumir, diante dos filhos e netos, diante da História, a quase inacreditável escolha.

Será que agora é, realmente, o fim do mundo?

Krishnamurti lembra que alguém gravou num tijolo, há cinco mil anos, mensagem de que esperava que uma certa guerra fosse a última da história da humanidade; é claro que só podemos sorrir piedosamente da ingenuidade do antigo escriba...

A ideia do advento de uma “Nova Era”, um novo tempo de paz e concórdia, sempre ocorreu ao coração de sonhadores de todas as épocas. Assim como muitas vezes foi a humanidade assombrada pela convicção de que dera-se o advento da Besta, de que o Demônio havia instaurado no mundo o seu reinado.

Quando Paul Brunton conheceu o sábio Ramana Maharshi, fez alguns comentários sobre a aparente negligência de Deus com relação ao aparente primado do Mal no mundo. Ramana deu a entender que Aquele que criara o mundo sabia muito bem como cuidar dele, e que as aparentes dores e injustiças obedeciam a um plano cósmico acima da percepção humana.

Mas, como dissemos, há ainda quem não se conforme nem com o pecado original, nem com o Calvário de Cristo...

O brasileiro escolheu o candidato rude, despreparado, de índole belicosa e perfil neonazista. Que lições advirão dessa escolha, desse pecado nada original?

Neste nosso universo manifestado, tudo é relativo e ilusório. Assim dizem os mestres; assim o confirma nosso coração. O momento mais escuro da noite – reza o adágio – é o que antecede o despontar da aurora. E a própria noite não é necessariamente sinônimo de mal, desespero, angústia: significa também repouso, recolhimento, assimilação. Não há noite sem dia, ying sem yang, sombra sem luz, direita sem esquerda.

O pêndulo da História oscila tanto quanto o coração humano. E quem é de fato capaz de saber o que é sombra e o que é luz?

Luz e sombra, na verdade, conforme metáfora proposta por ninguém menos que Paramahansa Yogananda, partem do projetor com que o Criador apresenta o filme cósmico...

Se o brasileiro escolheu o candidato neonazista, é porque isso estava nos planos cósmicos. As “linhas tortas”, vistas da perspectiva do Absoluto, são certíssimas. E podemos imaginar que estejamos novamente num daqueles momentos de escuridão máxima que antecede a aurora. Ou podemos recorrer a outra metáfora: quanto mais o arco é retesado, quanto mais a flecha é puxada para trás, mais longe ela vai para a frente, na direção do futuro.


Esperemos. Trabalhemos. Meditemos.


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