Nelson M. Mendes
Há quem não se conforme até hoje com o “pecado original”
cometido por Adão e Eva, e que resultou em que fossem ambos expulsos do
Paraíso. Outros não aceitam o Calvário de Jesus, que Ele próprio encarou com
amor e humildade, sabendo que era aquele o plano cósmico. Num dado momento, Ele
chegou a dizer: “Ou imaginas tu que Eu, neste momento, não poderia orar ao meu
Pai e Ele colocaria à minha disposição mais de doze legiões de anjos?”
(Mateus 26:53)
Na verdade, é óbvio que Cristo nem precisaria da ajuda de um
único anjo para neutralizar todos aqueles soldados romanos; mas mesmo naquele
momento de máximo sofrimento Ele quis deixar claro que tudo acontecia por operação
de uma Força maior, de que Ele próprio, o humilde homem nascido na Palestina,
era apenas um dos canais. E quis deixar claro também que reagir seria fugir à
missão que Lhe havia sido assinalada.
Hoje, no Brasil, muitos parecem acreditar que o “Mal” instalou-se. O
presidente eleito, de perfil neonazista, seria a própria encarnação do Demônio. É
o advento da Besta. Estamos perdidos, estamos condenados.
Mas será mesmo assim?
Em 1989 Lula foi derrotado por Collor, fantoche forjado pela
mídia para obstaculizar quaisquer tendências progressistas. Houve júbilo entre
os poderosos e entre aqueles que foram doutrinados a defender os interesses dos
poderosos; a Senzala mais uma vez fazia o jogo e o discurso da Casa-Grande. Mas houve também choro e ranger de dentes
entre os que viram ruir ali os sonhos acalentados durante os anos de ditadura e
durante o período híbrido
representado pelo governo Sarney.
Parecia o fim do mundo. Mas não foi. O próprio Lula
declararia, mais tarde, que não estava preparado para assumir o governo naquele
momento.
Depois tivemos Itamar, com seu Plano Real (erroneamente
atribuído a Fernando Henrique), e tivemos o próprio Fernando Henrique, que
destroçaria conquistas brasileiras históricas ao comandar o que o jornalista
(de centro direita) Elio Gaspari chamou de “privataria” – mistura de
privatização com pirataria.
Também não foi o fim do mundo.
Finalmente, depois de mil promessas de moderação e bom
comportamento capitalista, Lula foi eleito.
Havia, agora, um cheiro de “Nova Era” no ar.
E não houve nada disso. É verdade que nem os organismos
internacionais negam que os indicadores sociais melhoraram com Lula: milhões de
pessoas deixaram de passar fome; falou-se até no advento de uma “nova classe
média”. Houve especialistas norte-americanos, ancorados em seus insustentáveis
dogmas neoliberais, entusiasmados com o governo Lula – a prova, segundo eles,
de que era possível atender às demandas sociais sem mexer nos pilares do Sistema,
sem incomodar essa quimera risível chamada “Mercado”. Até Barack Obama disse
que Lula era “o cara”.
Mas a esperada Reforma não aconteceu. A “Nova Era” não se iniciou.
Lula ainda conseguiria promover a eleição e a reeleição de
Dilma. Aí a impaciência das elites chegou a tal nível que destruiu a represa
institucional: veio o golpe, ridiculamente fantasiado de impeachment,
ostentando adereços legalistas bisonhamente falsificados, e o boneco Temer
assumiu o poder.
Agora temos, para todos os efeitos, um retrocesso ainda mais
hediondo: o eleitor brasileiro escolheu “livremente” o Neonazismo, o despreparo
intelectual, a rusticidade emocional, o preconceito, a burrice; tudo, como
explicado no texto “As origens do Nazismo tropical”, fruto do medo do “Comunismo”
– medo que é, em última instância, filho do egoísmo. (O texto “Manual de autoajuda do Iludido político II” traz uma análise sobre as origens desse
pânico “anticomunista”.) O brasileiro tem de assumir, diante dos filhos e
netos, diante da História, a quase inacreditável escolha.
Será que agora é, realmente, o fim do mundo?
Krishnamurti lembra que alguém gravou num tijolo, há cinco
mil anos, mensagem de que esperava que uma certa guerra fosse a última da
história da humanidade; é claro que só podemos sorrir piedosamente da
ingenuidade do antigo escriba...
A ideia do advento de uma “Nova Era”, um novo tempo de paz e
concórdia, sempre ocorreu ao coração de sonhadores de todas as épocas. Assim
como muitas vezes foi a humanidade assombrada pela convicção de que dera-se o
advento da Besta, de que o Demônio havia instaurado no mundo o seu reinado.
Quando Paul Brunton conheceu o sábio Ramana Maharshi, fez
alguns comentários sobre a aparente negligência de Deus com relação ao aparente
primado do Mal no mundo. Ramana deu a entender que Aquele que criara o mundo sabia
muito bem como cuidar dele, e que as aparentes dores e injustiças obedeciam a
um plano cósmico acima da percepção humana.
Mas, como dissemos, há ainda quem não se conforme nem com o pecado original, nem com o Calvário de Cristo...
O brasileiro escolheu o candidato rude, despreparado, de
índole belicosa e perfil neonazista. Que lições advirão dessa escolha, desse
pecado nada original?
Neste nosso universo manifestado, tudo é relativo e ilusório.
Assim dizem os mestres; assim o confirma nosso coração. O momento mais escuro
da noite – reza o adágio – é o que antecede o despontar da aurora. E a própria
noite não é necessariamente sinônimo de mal, desespero, angústia: significa
também repouso, recolhimento, assimilação. Não há noite sem dia, ying sem yang, sombra sem luz, direita sem esquerda.
O pêndulo da História oscila tanto quanto o coração humano. E
quem é de fato capaz de saber o que é sombra e o que é luz?
Luz e sombra, na verdade, conforme metáfora proposta por
ninguém menos que Paramahansa Yogananda, partem do projetor com que o Criador
apresenta o filme cósmico...
Se o brasileiro escolheu o candidato neonazista, é porque
isso estava nos planos cósmicos. As “linhas tortas”, vistas da perspectiva do
Absoluto, são certíssimas. E podemos imaginar que estejamos novamente num
daqueles momentos de escuridão máxima que antecede a aurora. Ou podemos
recorrer a outra metáfora: quanto mais o arco é retesado, quanto mais a flecha
é puxada para trás, mais longe ela vai para a frente, na direção do futuro.
Esperemos. Trabalhemos. Meditemos.
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