Alguém
disse que não estamos no mundo a passeio. De fato, nem nossa mente racional
fica satisfeita com a ideia de que tudo é um grande acaso, que o ser humano é
um acidente da natureza, talvez um experimento que não tem dado muito certo.
Como fomos educados dentro das tradições iluministas, positivistas, científicas,
como temos todos os motivos históricos e lógicos para rechaçar as alegações e
explicações religiosas, tendemos a nos entrincheirar, sim, na tese científica
do acidente, do acaso. Mas, como aprendemos também, com essa
visão materialista, a sentir pavor da morte, somos levados a buscar
desesperadamente algum tipo de apoio quando um vírus ameaça nossa
sobrevivência.
É claro
que os religiosos fundamentalistas, convictos de que a Terra plana foi criada
em seis dias, terão lá sua explicação e solução para o problema. Mas mesmo os
fundamentalistas, mesmo os terraplanistas balançam, agora que a ameaça é séria.
E até eles, meio a contragosto, aceitam ouvir o que têm a dizer cientistas e pensadores
de modo geral.
E é claro
que, em momentos de crise, as cabeças funcionam freneticamente. “A necessidade
faz o sapo pular.” Todos querem encontrar respostas. Cada qual, naturalmente,
segundo suas inclinações, saberes, interesses e disciplinas em que militam.
Muitos se
preocupam não apenas com a saúde física, mas com a saúde psíquica da população.
Sabem que o confinamento, o tal “isolamento social”, pode ser um sério problema
para aqueles acostumados ao contato humano no trabalho, no bar, no clube, na
praia, na igreja. Uma característica bem humana, e que se acentuou nas últimas
décadas, é exatamente o gosto por “exterioridades” (aqui em todas as acepções),
como disse o sábio Sri Yukteswar. Não nos acostumamos a “olhar para dentro”, a
cultivar a flor de lótus a que se referem os textos hindus. Por isso, quando
nos faltam os estímulos externos, tudo é aridez e solidão.
Temos a
sorte de viver na época da Internet. Já há muitos anos frequentamos chats
e redes sociais. Não nos é estranho esse “parece, mas não é”, esse contato que
não é exatamente contato. Até um adjetivo que só era encontrado em círculos
mais intelectualizados foi recrutado ao vernáculo para classificar o novo
ambiente: “virtual”.
Instalada
a crise, proibido o contato real, muitos recorrem sofregamente ao contato
virtual. E não apenas para trocar afetos: para trocar informações sobre como se
defender do inimigo tão pequeno que invisível – mas nada virtual, bem real. E
para trabalhar em regime de home-office. E para procurar saber se é tudo
fruto de um crime biológico, de um acidente, se é uma vingança da
natureza ou um castigo de Deus.
Os filósofos
se pronunciam; os médicos; os pequisadores; os sociólogos; os teólogos; os
artistas; os escritores. Todos pensando em solucionar o problema e tirar dele
as úteis lições.
Mas há também
os pastores, preocupados, porque não se arrecada dízimo em templos vazios; e
muitos empresários; e membros do governo do Boçal Fascista; e o próprio Boçal
Fascista. Todos indignados com a ideia de “parar a economia” por causa de “uma
gripezinha”.
Mas a
contribuição mais interessante é a daqueles economistas ou jornalistas a quem Paul Krugman, Nobel de
Economia, se refere como “mercenários da plutocracia”; que ganham para mentir
em favor do Grande Capital e, por contiguidade, defender o moribundo
sistema capitalista.
A posição
desses analistas diante da situação mundial deflagrada pelo Coronavírus é
claramente a de quem busca saídas... para preservar o Capitalismo. O subtexto,
a tese, o tema é: “O que podemos fazer para que tudo volte a ser o que era
antes?” No fundo, continuam achando que “there is no alternative”.
“Viver é
aprender.” Na verdade, segundo sábios, profetas e filósofos de todas as épocas
e todos os lugares, a vida não serve para outra coisa.
O mundo
está aprendendo (finalmente? definitivamente?) que o Capitalismo, seja com seus
adereços liberais ou neoliberais, é feito de contradições que inevitavelmente o
levarão à morte, como previu Marx. O Capitalismo – e o vírus funciona como o
contraste injetado na veia do sistema a fim de realçar a patologia semioculta –
padece de uma espécie de câncer congênito.
Nós,
brasileiros, temos aprendido ainda outra coisa.
Por
exemplo: estamos sendo apresentados a um dos significados que o dicionário Caldas
Aulete dá ao termo catalisador: “Fig. Diz-se de alguém ou algo que, com
a simples presença, mesmo sem ação direta, estimula mudanças ou acelera um
processo”.
O brasileiro está aprendendo, antes de tudo,
que urna não é latrina; que não podemos nos deixar levar por um sujo e fétido
tsunami de fake news e ódio insensato – também provocado por absurdas mentiras.
O Boçal Fascista é o
catalisador da iluminação do brasileiro.
3 comentários:
Texto muito esclarecedor como é de costume as palavras de Nelson Mendes.
Peço autorização para compartilhar algumas linhas desse formidável texto.
Ramon Hermann
Meu amigo Ramon, compartilhe à vontade. É para isso que escrevo.
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