terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Old news (ou a fábrica de mentiras)








Nelson M. Mendes

O mundo, neste princípio de século 21, certamente muito mais do que o mundo de nossos avós, é feito de notícias. Tudo é informação; tudo é comunicação; tudo são narrativas – como gostam os intelectuais de dizer.

Todos os intelectuais – filósofos, cientistas, escritores, etc. – gostam também de dizer que não existe propriamente ‘a’ realidade, mas visões dessa realidade. Tudo são versões. A História – insistem os sábios – é a versão deixada pelos vencedores.

E que dizer daquilo que se desenrola diante de nós? Podemos confiar em nossos olhos? em nossos ouvidos? Podemos confiar na mídia? Podemos confiar nos políticos? nos juízes? nos militares? nos religiosos? Podemos confiar na Internet?

Em quem confiaríamos? Nos teóricos da conspiração?

Os Estados Unidos, como qualquer país hegemônico na História, exercem seu poder através de instrumentos políticos, econômicos, culturais, militares. O livro “Confissões de um assassino econômico” mostra que os EUA, para desestabilizar economias e impor seus interesses, recorrem a subornos, chantagens econômicas, assassinatos de líderes; se tudo falhar, providenciam uma invasão militar.

São incontáveis os países desestabilizados ou destruídos pelos EUA, de uma forma ou de outra; no Oriente Médio, na Ásia, na América Latina...

Mas todo mundo cresceu acreditando que os Estados Unidos eram uma espécie de Meca da Democracia, o centro do “mundo livre”. Os filmes de Hollywood diziam e ainda dizem isso. Toda a nossa mídia replicava e ainda repete isso. Os mais conhecidos portais na Internet insistem nisso.

Versões. Narrativas.

A participação dos EUA no golpe brasileiro de 1964 é indiscutível: há documentos impressos e audiovisuais provando isso; em alguns casos, os protagonistas parecem fazer uma confissão orgulhosa de sua participação.

Também não há mais dúvidas de que os EUA estiveram por trás do golpe midiático/parlamentar/judicial que derrubou Dilma. E o fantoche neofascista Bolsoasno é em grande parte uma construção estadunidense. Até o o marketeiro especialista em fake news que assessorou Bozo – Steve Bannon – foi o mesmo que trabalhou para Trump.

Os hindus dizem que vivemos sob o domínio de maya – ilusão. Perfeito. Mas podemos superar algumas ilusões. Basta pesquisar e refletir. Por exemplo: sabe qual é o lema de Wall Street, o coração do Capitalismo? “Greed is good.” (A cobiça é boa.) E os manuais do Neoliberalismo (o aspecto institucional do Capitalismo) estimulam os operadores financeiros a desenvolverem seu “animal spirit” (espírito animal).

Ou seja: o sistema valoriza os predadores.

Mas há outras ilusões a nos embalar. Por exemplo: a de que essa doutrina de proveta chamada Neoliberalismo é uma espécie de antídoto para o Fascismo. Nada mais falso. Na verdade, o Neoliberalismo foi inaugurado na Itália de Mussolini; e depois migrou para o Chile de Pinochet.

Mas o assunto do momento é o banimento de Trump das redes sociais. Você ficou indignado(a) com a “censura”. Acha que é muito poder nas mãos de um chefão de uma big tech­ – como Jack Dorsey ou Mark Zuckerberg. Sustenta você que, amanhã, muitos outros poderão ser censurados.

Acorde! Milhões de usuários das redes sociais já são censurados. Alguns são bloqueados ou banidos mesmo, no sentido estrito; outros são deixados a brincar num cercadinho protegido por algoritmos, que determinam o que ou quem poderá interagir com eles.

Antes mesmo das redes sociais (no princípio chamadas de “sites de relacionamento”), antes mesmo da Internet, os grandes jornais e as grandes redes de rádio e TV já faziam esse filtro, já faziam propaganda disfarçada de jornalismo. É a chamada “lavagem cerebral” – expressão, aliás, criada por um estadunidense.

E que tipo de propaganda sempre foi feita pela mídia tradicional e, hoje, é também feita no cyberspace? Óbvio: a propaganda das excelências do Capitalismo e da beleza de sua doutrina atual, o Neoliberalismo.

Dorsey e Zuckerberg jamais se preocuparam exatamente em reprimir, nas redes sociais, os discursos de ódio, as pregações fascistas. O problema era o pensamento “de esquerda”. Tanto os cães hidrófobos de Trump quanto os vira-latas raivosos de Bolsoasno puderam latir e morder à vontade.

Faz parte do esquema.

Uma informação: só em 2018 o FBI resolveu classificar de “terroristas” os ativistas ensandecidos de direita, como os supremacistas e neonazistas (praticamente indiscerníveis). Até então, só islâmicos, negros e ecologistas recebiam eventualmente o rótulo de “terroristas”.

Mas eis que Trump, depois de mais uma suja campanha baseada em fake news, não consegue se reeleger. Mesmo o crédulo e obtuso povo americano estava cansado de Fascismo, mentiras, empobrecimento. (O império está no fim, com ou sem Trump – mas isso é outra história.) Trump fez o que se espera de um capitalista selvagem: estilhaçou o verniz da liturgia democrática e deixou emergir o monstro fascista. Recusou-se a aceitar a derrota e disse que tinha havido fraude eleitoral. (Já vimos esse filme no Brasil.)

Finalmente, Trump instigou sua matilha neofascista a invadir o Capitólio, para melar a certificação da vitória de Joe Biden.

Algo parecido só havia acontecido no século 19 – e os invasores eram ingleses. Os estadunidenses, que adoram invadir ou destruir (literal ou institucionalmente) parlamentos e palácios presidenciais mundo afora, ficaram muito ofendidos com a invasão do “solo sagrado”, que foi como um dos palhaços da GloboNews se referiu ao Capitólio.

Os “heróis da democracia universal” (os estadunidenses, ainda na definição do palhaço global) não gostaram. Nem o Partido Republicano (o partido de Trump) gostou. Até Zuckerberg, que sempre favoreceu o Fascismo, achou melhor colocar uma coleira num dos monstros que ajudara a criar; e Trump foi expulso da festa digital.

Quais são as novidades nessa história toda? 1) a invasão do Capitólio por cidadãos estadunidenses; 2) o banimento virtual de um legítimo e destacado representante do mais puro capitalismo selvagem.

Mas repetimos: censura sempre houve. Qual é a dúvida? A mídia é a voz do poder econômico. As instituições trabalham a favor da perpetuação do sistema. Se você quer saber o que realmente está acontecendo, e que perspectivas de mudança existem, não pode se contentar com as informações que circulam na superfície dos mainstreams da comunicação: a mídia corporativa, o WhatsApp, o Facebook, o Twitter, o Instagram, o Telegram, etc. É possível encontrar informação confiável em todas essas plataformas; mas isso requer pesquisa, reflexão e bom senso.

Você ainda não está convencido.

Há alguns anos, você acreditou na Rede Globo: o Mensalão era “o maior escândalo da história da Repúbica”, como disse o poderoso chefão do jornalismo global, Ali Kamel. Na verdade, essa história mal contada, se de fato aconteceu como foi apresentada pela mídia ávida por derrubar Lula, estaria no máximo na 18ª colocação entre os maiores escândalos brasileiros, segundo o Instituto Avante Brasil...

Mas você acreditou também que Dilma era uma “ladra comunista” e que merecia o impeachment.

E acreditou no Moro, no Dallagnol, e em toda aquela vergonhosa farsa: Lula era ladrão e tinha de ser preso. O mundo todo sabe que Lula foi vítima de uma fraude jurídica. O internacionalmente respeitado professor Boaventura Santos diz que Moro e Dallagnol não podem sair impunes dos crimes jurídicos que cometeram, a serviço do Grande Capital, para impedir que Lula pudesse ganhar a eleição de 2018, vencida afinal pelo Boçal Fascista; com a ajuda do marketeiro de Trump.

Quer mais?

Muita gente acreditou que o fantoche fascista (Bolsoasno) vinha para mudar; era antissistema. (Pode rir.) Mas muita gente acredita também que a vacina contra a Covid-19 vai alterar nosso DNA, vai nos fazer virar jacaré ou coisa parecida... Você está rindo?

A fábrica de mentiras não para. Há umas poucas décadas, fumar era uma coisa chique. Muita gente achava que era fantasia aquela história de que cigarro podia provocar câncer e muitas outras doenças. “Cientistas” eram pagos para dizer que o tabaco era inofensivo. Duvida? Converse com os mais velhos a respeito.

Portanto: não precisamos ter peninha de Trump, que foi banido das redes sociais. Nem precisamos ficar preocupados por não termos mais a possibilidade de ouvir o que o bilionário fake tem a dizer; porque o seu discurso é aquele que flui permanentemente pelo fedorento mainstream da comunicação global.

E lembramos: o que flui não é informação: é propaganda. Como costumo dizer, mentira institucionalizada.

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