Nelson M.
Mendes
O mundo,
neste princípio de século 21, certamente muito mais do que o mundo de nossos
avós, é feito de notícias. Tudo é informação; tudo é comunicação; tudo são narrativas
– como gostam os intelectuais de dizer.
Todos os
intelectuais – filósofos, cientistas, escritores, etc. – gostam também de dizer
que não existe propriamente ‘a’ realidade, mas visões dessa realidade. Tudo são
versões. A História – insistem os sábios – é a versão deixada pelos vencedores.
E que
dizer daquilo que se desenrola diante de nós? Podemos confiar em nossos olhos? em
nossos ouvidos? Podemos confiar na mídia? Podemos confiar nos políticos? nos
juízes? nos militares? nos religiosos? Podemos confiar na Internet?
Em quem
confiaríamos? Nos teóricos da conspiração?
Os
Estados Unidos, como qualquer país hegemônico na História, exercem seu poder
através de instrumentos políticos, econômicos, culturais, militares. O livro
“Confissões de um assassino econômico” mostra que os EUA, para desestabilizar
economias e impor seus interesses, recorrem a subornos, chantagens econômicas,
assassinatos de líderes; se tudo falhar, providenciam uma invasão militar.
São
incontáveis os países desestabilizados ou destruídos pelos EUA, de uma forma ou
de outra; no Oriente Médio, na Ásia, na América Latina...
Mas todo mundo
cresceu acreditando que os Estados Unidos eram uma espécie de Meca da
Democracia, o centro do “mundo livre”. Os filmes de Hollywood diziam e ainda
dizem isso. Toda a nossa mídia replicava e ainda repete isso. Os mais
conhecidos portais na Internet insistem nisso.
Versões.
Narrativas.
A
participação dos EUA no golpe brasileiro de 1964 é indiscutível: há documentos
impressos e audiovisuais provando isso; em alguns casos, os protagonistas parecem
fazer uma confissão orgulhosa de sua participação.
Também
não há mais dúvidas de que os EUA estiveram por trás do golpe
midiático/parlamentar/judicial que derrubou Dilma. E o fantoche neofascista Bolsoasno
é em grande parte uma construção estadunidense. Até o o marketeiro especialista
em fake news que assessorou Bozo – Steve Bannon – foi o mesmo que trabalhou
para Trump.
Os hindus
dizem que vivemos sob o domínio de maya – ilusão. Perfeito. Mas podemos superar
algumas ilusões. Basta pesquisar e refletir. Por exemplo: sabe qual é o lema de
Wall Street, o coração do Capitalismo? “Greed is good.” (A cobiça é boa.) E os
manuais do Neoliberalismo (o aspecto institucional do Capitalismo)
estimulam os operadores financeiros a desenvolverem seu “animal spirit”
(espírito animal).
Ou seja:
o sistema valoriza os predadores.
Mas há
outras ilusões a nos embalar. Por exemplo: a de que essa doutrina de proveta
chamada Neoliberalismo é uma espécie de antídoto para o Fascismo. Nada
mais falso. Na verdade, o Neoliberalismo foi inaugurado na Itália de Mussolini; e depois migrou para o Chile de Pinochet.
Mas o
assunto do momento é o banimento de Trump das redes sociais. Você ficou
indignado(a) com a “censura”. Acha que é muito poder nas mãos de um chefão de
uma big tech – como Jack Dorsey ou Mark Zuckerberg. Sustenta você que,
amanhã, muitos outros poderão ser censurados.
Acorde!
Milhões de usuários das redes sociais já são censurados. Alguns são
bloqueados ou banidos mesmo, no sentido estrito; outros são deixados a brincar
num cercadinho protegido por algoritmos, que determinam o que ou quem
poderá interagir com eles.
Antes
mesmo das redes sociais (no princípio chamadas de “sites de relacionamento”),
antes mesmo da Internet, os grandes jornais e as grandes redes de rádio e TV já
faziam esse filtro, já faziam propaganda disfarçada de jornalismo. É a
chamada “lavagem cerebral” – expressão, aliás, criada por um estadunidense.
E que
tipo de propaganda sempre foi feita pela mídia tradicional e, hoje, é também
feita no cyberspace? Óbvio: a propaganda das excelências do Capitalismo
e da beleza de sua doutrina atual, o Neoliberalismo.
Dorsey e Zuckerberg
jamais se preocuparam exatamente em reprimir, nas redes sociais, os discursos de
ódio, as pregações fascistas. O problema era o pensamento “de esquerda”. Tanto
os cães hidrófobos de Trump quanto os vira-latas raivosos de Bolsoasno puderam
latir e morder à vontade.
Faz parte
do esquema.
Uma
informação: só em 2018 o FBI resolveu classificar de “terroristas” os ativistas
ensandecidos de direita, como os supremacistas e neonazistas (praticamente
indiscerníveis). Até então, só islâmicos, negros e ecologistas recebiam
eventualmente o rótulo de “terroristas”.
Mas eis
que Trump, depois de mais uma suja campanha baseada em fake news, não consegue
se reeleger. Mesmo o crédulo e obtuso povo americano estava cansado de Fascismo,
mentiras, empobrecimento. (O império está no fim, com ou sem Trump – mas isso é
outra história.) Trump fez o que se espera de um capitalista selvagem: estilhaçou
o verniz da liturgia democrática e deixou emergir o monstro fascista.
Recusou-se a aceitar a derrota e disse que tinha havido fraude eleitoral. (Já
vimos esse filme no Brasil.)
Finalmente,
Trump instigou sua matilha neofascista a invadir o Capitólio, para melar
a certificação da vitória de Joe Biden.
Algo
parecido só havia acontecido no século 19 – e os invasores eram ingleses. Os
estadunidenses, que adoram invadir ou destruir (literal ou institucionalmente)
parlamentos e palácios presidenciais mundo afora, ficaram muito ofendidos com a
invasão do “solo sagrado”, que foi como um dos palhaços da GloboNews se referiu
ao Capitólio.
Os “heróis
da democracia universal” (os estadunidenses, ainda na definição do palhaço
global) não gostaram. Nem o Partido Republicano (o partido de Trump) gostou. Até
Zuckerberg, que sempre favoreceu o Fascismo, achou melhor colocar uma coleira
num dos monstros que ajudara a criar; e Trump foi expulso da festa digital.
Quais são
as novidades nessa história toda? 1) a invasão do Capitólio por cidadãos
estadunidenses; 2) o banimento virtual de um legítimo e destacado representante
do mais puro capitalismo selvagem.
Mas
repetimos: censura sempre houve. Qual é a dúvida? A mídia é a voz do poder
econômico. As instituições trabalham a favor da perpetuação do sistema. Se você
quer saber o que realmente está acontecendo, e que perspectivas de mudança
existem, não pode se contentar com as informações que circulam na superfície dos
mainstreams da comunicação: a mídia corporativa, o WhatsApp, o Facebook,
o Twitter, o Instagram, o Telegram, etc. É possível encontrar informação confiável
em todas essas plataformas; mas isso requer pesquisa, reflexão e bom senso.
Você
ainda não está convencido.
Há alguns
anos, você acreditou na Rede Globo: o Mensalão era “o maior escândalo da
história da Repúbica”, como disse o poderoso chefão do jornalismo global, Ali
Kamel. Na verdade, essa história mal contada, se de fato aconteceu como foi
apresentada pela mídia ávida por derrubar Lula, estaria no máximo na 18ª
colocação entre os maiores escândalos brasileiros, segundo o Instituto Avante
Brasil...
Mas você
acreditou também que Dilma era uma “ladra comunista” e que merecia o
impeachment.
E acreditou
no Moro, no Dallagnol, e em toda aquela vergonhosa farsa: Lula era ladrão e
tinha de ser preso. O mundo todo sabe que Lula foi vítima de uma fraude
jurídica. O internacionalmente respeitado professor Boaventura Santos diz que
Moro e Dallagnol não podem sair impunes dos crimes jurídicos que cometeram, a
serviço do Grande Capital, para impedir que Lula pudesse ganhar a eleição de
2018, vencida afinal pelo Boçal Fascista; com a ajuda do marketeiro de Trump.
Quer mais?
Muita
gente acreditou que o fantoche fascista (Bolsoasno) vinha para mudar; era
antissistema. (Pode rir.) Mas muita gente acredita também que a vacina contra
a Covid-19 vai alterar nosso DNA, vai nos fazer virar jacaré ou coisa
parecida... Você está rindo?
A fábrica
de mentiras não para. Há umas poucas décadas, fumar era uma coisa chique. Muita
gente achava que era fantasia aquela história de que cigarro podia provocar
câncer e muitas outras doenças. “Cientistas” eram pagos para dizer que o tabaco
era inofensivo. Duvida? Converse com os mais velhos a respeito.
Portanto:
não precisamos ter peninha de Trump, que foi banido das redes sociais. Nem
precisamos ficar preocupados por não termos mais a possibilidade de ouvir o que
o bilionário fake tem a dizer; porque o seu discurso é aquele que flui permanentemente
pelo fedorento mainstream da comunicação global.
E
lembramos: o que flui não é informação: é propaganda. Como costumo dizer,
mentira institucionalizada.
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