domingo, 19 de janeiro de 2020

A metástase terminal e o pequeno-fascista





Nelson M. Mendes

Apresentação

Sei que você prefere textos superficiais e resumidos. Assim como prefere um hambúrguer a um prato balanceado.
Mas recomendamos que leia todo o texto. Ele é fruto de muita análise da cena sociopolítica brasileira (que não é essencialmente distinta da mundial), principalmente através de seu reflexo nas redes sociais, e enriquecida por observações feitas por respeitados intelectuais.
Se você quiser pesquisar mais ainda, não deixe de visitar os links espalhados pelo caminho. Alguns remetem a trabalhos deste honesto e esforçado escriba, que batizou seu blog como Satyagraha, que significa ‘apreço pela verdade’. Mas há também artigos de notáveis jornalistas, sociólogos, economistas. Haverá talvez (não sei ainda exatamente para onde me levará esse rio) referência a algum grande jurista – porque muito necessários nesses tempos de fraudes e mentiras.
Comecemos por discutir o título do texto. O dicionário do Aurélio explica que metástase vem do grego metástasis, ‘mudança de lugar’. O termo tem algumas acepções que eu ignorava; mas a que nos interessa é aquela que tem em Medicina: disseminação de um câncer pelo organismo, a partir de seu foco inicial. Quando o médico diz que há metástase, o paciente sabe que a situação é terminal.
É exatamente a situação do Capitalismo, que padece de uma espécie de câncer congênito. O bravo jornalista e político Milton Temer escreveu no Facebook em 2011, a propósito de mais um dos chiliques do sistema: “O simbólico em toda essa novela, sem dúvida, é mais uma confirmação do prenúncio de Marx quanto ao Capitalismo carregar em sua essência o germe de sua própria destruição.”
Explicada a primeira parte do título, passemos a analisar a expressão (de minha própria lavra – confesso) pequeno-fascista. A minha óbvia inspiração foi a expressão aparentada, pequeno-burguês. O pequeno-fascista é aquele indivíduo ambicioso e iludido que espera alcançar um dia o pote de ouro prometido pelo Capitalismo e, assim, oferece a própria vida para defendê-lo


A verdade que dói, mas liberta

A crise terminal do Capitalismo não é invenção deste observador. O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz  escrevia em 2011 que a crença em mercados livres só gerou concentração de renda, mesmo nos países mais ricos. E que ninguém aprendeu com a crise de 2007/08. Disse ainda que os EUA (o foco principal de sua crítica), em vez de cortar gastos com guerras e cobrar impostos justos dos ricos, economizavam em investimentos sociais, remédio que já se havia mostrado falho. Ainda assim –  acrescentou Stiglitz –  o sistema financeiro persistia no lobby pelo afrouxamento ainda maior dos regulamentos financeiros. Segundo o economista, esse seria o caminho para o abismo.

Stiglitz sugere medidas para ‘salvar’ o Capitalismo. Na opinião deste e de muitos outros observadores, entretanto, não adiantam medidas paliativas, remendos de ocasião. O Capitalismo é há muito tempo mantido vivo por aparelhos. Segundo escreveu o jornalista e ambientalista George Monbiot em meados de 2019, o problema não está no tipo de capitalismo – mas no Capitalismo em si, um sistema socialmente injusto e ambientalmente predatório.

Mesmo este escriba aprendiz e filósofo amador vem há anos, nas redes sociais, repetindo a mensagem apocalíptica: “O fim está próximo.” Com essa frase, aliás, ele começou o ensaio de 2019 A burrice do fim do mundo; mas esclareceu em seguida: “Não, não seremos salvos pelo meteoro; ou aniquilados pelo meio-ambiente vingador. (Observem que salvação e aniquilação têm o mesmo sentido.) Tudo isso deverá acontecer em algum momento. Antes, porém, a ordem mundial, predominantemente capitalista, deverá morrer devorando as próprias entranhas.”

Em 2018, no texto A Tulipa Podre, ele já havia abordado o assunto de forma mais extensa, fazendo inclusive uma contextualização histórica para mostrar que a patologia autoimune do Capitalismo já se manifestara em seus tempos de embrião, lá pelo começo do século XVII.

O Capitalismo, pois, vem aos tropeços e soluços desde o nascimento. Em 1929, a crise foi quase fatal. O Liberalismo (a indumentária institucional do Capitalismo) fracassara rotundamente. A Grande Depressão provocou miséria e suicídios. Então, conhecidos próceres do Liberalismo, como Mises, Friedman e Hayek, reuniram-se às pressas em Paris, em 1938, para forjar a nova teoria econômica que garantiria sobrevida ao cambaleante Capitalismo. Surgiu então uma doutrina econômica de proveta, artificial: o Neoliberalismo... Pela nova doutrina – vejam só – o Estado era chamado a intervir; porém a favor do Mercado.

Em A burrice do fim do mundo, escrevi: “Quando um organismo entra em falência, ele começa a devorar-se a partir da periferia, para preservar os órgãos essenciais. Na ordem mundial capitalista, a periferia somos nós, o terceiro mundo.”
A tradição é que os países mais fortes sangrem ou devorem os mais fracos.
Parece ao leitor linguagem muito crua e simplória? Bem este é o país em que as pessoas acreditam em mamadeira erótica, kit-gay, Friboi do Lulinha e muitas outras fake news; o país em que, segundo ouviu um médico amigo num congresso, 50% da população têm deficiências cognitivas resultantes da desnutrição na primeira infância... É por isso, aliás, que é tão fácil manipular o público, segundo o sociólogo Jessé de Souza: “Ele é tornado imbecil pela mídia comprada direta ou indiretamente para fazer esse papel. Para você apoiar a destruição do Estado via captura do orçamento para o rentismo e a privatização dos serviços que o Estado presta, você tem que ser rico ou otário.”

O economista Pedro Rossi (nem todo economista é mercenário a soldo do Capital Transnacional), dizia, em entrevista de 2017, basicamente o seguinte: há uma crença fundamentalista de que o Estado atrapalha o crescimento. Isso é totalmente falso; e já se busca um pós-capitalismo, com a ressignificação do Estado. Sob o Neoliberalismo, a desigualdade é vista como natural – e só cresceu no Brasil e no mundo. A continuidade de políticas neoliberais exigiu um golpe e vai exigir um futuro governo autoritário. (O economista estava sendo profético!) Finalmente, Rossi pontificou: “Neoliberalismo e Democracia são incompatíveis.”

De fato, sabe-se que não há caso na História de pais que tenha realmente se desenvolvido sem a interferência direta do Estado. Não é preciso mencionar as potências europeias a partir das grandes navegações; não é preciso retroceder até Roma, ou mais ainda. Basta recordar o que aconteceu ainda ontem, quando da devastadora crise de 1929, mencionada acima. Causada pelo Mercado, foi em parte solucionada pelo Estado: o presidente Roosevelt, com o New Deal, soergueu o país – antes mesmo que os teóricos do Neoliberalismo decretassem que o Estado deveria, sim, atuar para ajudar o Mercado, principalmente quando ele se machucasse com suas irresponsáveis travessuras. Em seguida, os EUA experimentariam outro grande impulso ao seu desenvolvimento: a Segunda Guerra, quando a indústria do país foi chamada a participar do “esforço de guerra”. Produzir armas é um grande negócio.
A ideia de incompatibilidade entre Democracia e Neoliberalismo pode soar a muitos iludidos como horrenda heresia; mas é só afastar um pouco a cortina de tradicionais mentiras midiáticas – e acadêmicas! – , para vermos o que se esconde nos bastidores.
Na verdade, o Neoliberalismo cresceu na estufa do Fascismo. O Grande Capital via no Fascismo uma proteção contra o ‘comunismo’ (um sistema que jamais existiu de fato no mundo, conforme você aprendeu no link acima). Por isso, grandes corporações e bancos financiaram o nazifascismo. O ícone neoliberal Friedich Hayek apoiou explicitamente Hitler; e seu par Ludwig von Mises não só foi conselheiro econômico do governo fascista de Engelbert Dollfuss, na Áustria, como disse que o nazifascismo “salvou a civilização europeia”.
Mussolini tinha neoliberais de carteirinha no seu ministério. “Queremos retirar do Estado todos os seus poderes econômicos. Basta de ferroviários estatais, carteiros estatais, seguradores estatais. Basta deste Estado mantido à custa dos contribuintes e pondo em risco as exauridas finanças do Estado italiano.” Quem disse isso foi o próprio Mussolini, em discurso de 1922. Foi Mussolini que inventou as privatizações!
Os pequenos-fascistas gostam de considerar o Nazismo “de esquerda” porque a doutrina de nefasta memória e persistente presença não pode, obviamente, ser “coisa direita”. O próprio Hitler se irritava com a associação do Nazismo ao Socialismo; mas há hoje legiões de zumbis brasileiros dispostos a discutir isso até com especialistas alemães... Embora, por uma questão de obediência cultural, esses zumbis não consigam deixar de condenar o Nazismo stricto-sensu, aquele que matou milhões, etc., no fundo de suas alminhas pequenas são fascistas perfeitos: pequenos-fascistas. Eles farão qualquer coisa para evitar mudanças. Exatamente como gosta o Grande Capital. Que o mundo continue obscenamente desigual – mas livre do ‘Comunismo’. Ser “de esquerda” é o pior dos crimes. Embora “ser de esquerda” signifique apenas pensar no outro. Como fizeram Gandhi, Luther King, Mandela, Jesus Cristo...
O pequeno-fascista tem “a fé fundamentalista de que, pela varinha de condão da Meritocracia, jogando o jogo de cartas marcadas do Capitalismo”, conseguirá um dia participar do banquete de que só recebe migalhas; por isso ele rejeita o pobre, os líderes populares, e “se identifica” com mafiosos como Eduardo Cunha, o qual, segundo faixa carregada por multidão de imbecis há poucos anos, “é corrupto, mas está do nosso lado”. O pequeno-fascista luta pela preservação do sistema que o oprime, e foi ensinado a demonizar a ideia de esquerda – que, entretanto, é apenas uma espécie de versão, no universo sociopolítico, da reação que corresponde a cada ação, segundo a terceira lei de Newton. Ele foi doutrinado também a considerar a “corrupção” o grande mal, de modo a não ver que o grande problema é a desigualdade socioeconômica. “Ora, o Brasil tem problemas muito mais sérios – a começar por políticas em que os interesses brasileiros são colocados abaixo de interesses externos; os interesses do povo, abaixo dos interesses das elites; os interesses do Trabalho, muito abaixo dos interesses do Capital.
Platão dizia que as “desonestidades e canalhices da espécie humana” renascem sob qualquer regime, como as “cabeças de uma hidra”. Mas deixemos de lado o ceticismo do velho filósofo. A própria Democracia, essa deusa grega (há quem diga que é mais antiga), cegamente venerada até hoje, não está conseguindo controlar o espírito animal do homem; até porque (sei que você vai ficar chocado – mas a verdade liberta) os operadores econômicos são explicitamente estimulados, nos manuais do Neoliberalismo, a desenvolverem esse espírito animal. Por isso, um pensador do nosso tempo, Jean Ziegler, diz que “a democracia representativa está esgotada”. Ziegler descreve um filme que todo mundo conhece: em todo o mundo há uma descrença na política porque pelo menos desde 1991, após o fim da URSS, o Capitalismo expandiu-se, produzindo riqueza porém concentrando-a em poucas mãos. “A desigualdade é vergonhosa.” É o poder econômico transnacional quem manda; o povo pode não perceber isso claramente, mas constata que não consegue muita coisa com seu voto. O poder do Capital explica a descrença nas instituições e na política.
É claro que não é sustentável uma situação em que a fortuna pessoal dos 36 indivíduos mais ricos do mundo, segundo a Oxfam, é igual à renda dos 4,7 bilhões de pessoas mais pobres . Os problemas se evidenciam. Mas o sistema segue incutindo nas massas a ideia de que é tudo natural, que assim operam as científicas leis de mercado. E a extrema direita corre a arranjar bodes expiatórios para os problemas contemporâneos. O fascismo latente se alvoroça.

O Capitalismo está devorando não apenas corpos, consciências e instituições, como a própria Democracia. Com sua voracidade ecologicamente insensível, poderá destruir o próprio planeta.
A esperança, segundo Ziegler e muitos outros pensadores contemporâneos, está na sociedade civil; nos jovens; nos movimentos alternativos.
Para preservar o sistema agonizante, os economistas mentem. Parafraseando Pessoa: mentem tão completamente, que chegam a crer verdade aquilo que têm em mente. Martin Wolf, editor do Financial Times, afirma que as universidades ensinam os estudantes de economia a “manipular equações baseadas em suposições irrealistas”. Ou seja: existe a teoria, uma fantasmagoria com adornos científicos; o trabalho é fazer a realidade ajustar-se ao molde teórico. O nome disso é fundamentalismo econômico; mas FRAUDE é nome ainda mais adequado.

Em 1929, às vésperas do Crash, o economista Irving Fisher garantiu que tudo ia às mil-maravilhas na Bolsa. Em 2008, foi a vez de as famigeradas agências – oráculos para os os comentaristas econômicos brasileiros – avalizarem a pujança daquela construção de nuvens chamada mercado financeiro. Mais de 10 anos depois, ainda sofremos os efeitos da “crise financeira internacional” – talvez um dos últimos soluços do capitalismo terminal. Mas os economistas não desistem: mentem. Mentem completamente.

Os jornalistas mercenários replicam as mentiras. E uma multidão de pequenos-fascistas participa animadamente do jogral.

Mas os mercenários não mentem apenas a favor; eles mentem – e como! – contra. É preciso desqualificar os contestadores, os oposicionistas. Aqui em Bananópolis, então, com seus milhões de analfabetos funcionais e pequenos-fascistas, a tática funciona que é uma beleza.
Acusar políticos progressistas de corrupção é um velho expediente da direita para desviar a atenção dos verdadeiros problemas e manter o status quo.
A Lula e família, por exemplo, foram atribuídas quiméricas riquezas; mas nenhuma prova foi apresentada. Em compensação, os atos de corrupção explícita e o enriquecimento ilícito, de nomes do DEM, PMDB e PSDB foram solenemente ignorados pela mídia e pela justiça.
Prestidigitação é isso: enquanto o mágico chama a atenção do público para detalhes sem importância, um elefante se materializa no fundo do palco.”

“O elefante escondido nos bastidores é o Poder Econômico Transnacional. Você não o vê porque ele é mantido oculto pela mídia, cuja função, segundo o saudoso Millôr Fernandes, é ‘ocultar a notícia’.”
Enquanto a mídia dá pirotécnico destaque à corrupção de varejo, e praticamente todas as instituições (incluindo as religiosas) endossam a cínica cruzada moralista, a “grande corrupção” (como escreveu o também saudoso Pedro Porfírio há quase uma década), aquela praticada pelos mundos corporativo e financeiro – essa fica nas sombras. Além do mais, o mundo corporativo goza frequentemente de estímulos fiscais; ou pode praticar sossegadamente a sonegação, mesmo, independentemente das políticas dos governos amigos. Pior ainda é a corrupção legalizada, expressa no comprometimento de metade do Orçamento Federal para o serviço de uma misteriosa e jamais auditada “dívida” pública, regida por uma indecente taxa de juros Selic. Aliás, foi para facilitar a vida dos banqueiros na questão da “dívida” pública que Nelson Jobim perpetrou uma fraude no texto constitucional, como relatou o jornalista Sebastião Nery.
“Sim, o Elefante não consome apenas minério, madeira, água, gente; como símbolo da hipertrofia cancerosa do Capitalismo, o paquiderme é voraz consumidor de dinheiro. E frenético evacuador de mentiras.”
E as mentiras são vorazmente consumidas pelo cidadão que já foi chamado de vários nomes – coxinha, bolsominion, pobre de direita – e que eu chamo de analfascista e, mais recentemente, de pequeno-fascista. A doutrinação só funciona porque, como expliquei já no 1º Manual de autoajuda do iludido político, a índole do pequeno-fascista é uma mórbida mistura de egoísmo e ignorância – psicopatia e oligofrenia.
O sociólogo Jessé de Souza é bem explícito a respeito: “ Essa baixa classe média fascista existe no Brasil há cem anos. O movimento fascista brasileiro, o Integralismo, tinha 500 mil inscritos; é a mesma canalha que apoia o Bolsonaro.”

Como foi dito, a verdade dói – mas liberta. Jessé não poupa o pequeno-fascista. Ele explica que foi a melhoria de vida dos mais pobres que fez aflorar o atávico ódio escravagista na elite e nas classes médias. Esse ódio ao pobre, talvez mais latente que explícito em boa parte da baixa classe média (reduto do pequeno-fascista), é uma das razões da eleição de Bolsonaro: muita gente comprou o velho discurso do “combate à corrupção” e votou em mais um farsante moralista, assumidamente “exterminador” de pobres e “comunistas”. Diz ainda Jessé que a imprensa, tradicional representante do poder econômico, ajudou a eleger o fantoche neonazista; mas previu que ela sentiria o peso do cerceamento das liberdades democráticas.
Só recapitulando, para que as coisas fiquem mais claras: O Capitalismo padece de câncer congênito; e o capitalismo financeiro é a metástase terminal. Esse capitalismo é transnacional; destrói, desumaniza, escraviza; arrota cinicamente a democracia que devora sempre que ela é obstáculo à sua ganância. Bolsonaro é o representante da metástase capitalista no Brasil.
Entendeu agora o papel que você cumpriu quando bateu panela para derrubar Dilma e teve a impensável coragem de votar num boçal nazista, escolhido para fazer o papel sujo a serviço do sistema moribundo?
O artigo da professora Leda Paulani pode ajudá-lo.
Não entendeu ainda? Não entendeu que você, seu pai e seu avô são doutrinados desde a infância para odiar a “esquerda”, o “comunismo”, a achar que o Capitalismo é a solução definitiva, que chegamos ao “fim da História”? A doutrinação é feita pelo Capital Transnacional, através da Fábrica de Zumbis: “A máquina de fabricar zumbis é tão eficiente que eles julgam que realmente é vida e informação aquilo que é automatismo e desinformação. Acreditam-se independentes e informados porque veem televisão, leem revistas semanais e frequentam a Internet.  E seguem vomitando nas redes sociais aquilo que lhes foi inoculado desde que eram inocentes demais para sequer desconfiar de que algo pudesse estar errado.”
Há uma tradição, no Brasil, de perseguições a qualquer governo ou político que tenha um viés social. Getúlio, Jango, Brizola, Lula e Dilma foram algumas das principais vítimas dessa tradição.
A tática é associar a pessoa à “corrupção”; ou ao “comunismo”. De preferência, as duas coisas. Nos EUA dos anos 50, muitos anônimos e famosos, como Charles Chaplin, Orson Wells e o cientista Robert Oppenheimer foram acusados de “comunistas”. O Brasil – é claro – importou essa política persecutória, que ficou conhecida como Macarthismo. Lá como cá, jamais se conseguiu provar qualquer acusação; mas, lá como cá, muitos tiveram suas vidas destruídas.
Lá como cá, não apenas a polícia e a justiça atuaram na operação que ficou também conhecida como “caça às bruxas”: a mídia teve papel fundamental na lavagem cerebral da população, de modo a estimular as delações; criou-se um stalinismo à americana, assim como haveria entre nós um stalinismo à brasileira.
Na década de 50, seu avô foi levado pela mídia, um dos principais setores da Fábrica de Zumbis, a acreditar que o Palácio do Catete, onde se abrigava Getúlio, estava imerso num “mar de lama”. Na década de 60, seu pai acreditou que João Goulart era simultaneamente “corrupto” e “comunista”... Na segunda década dos anos 2000, foi a sua vez de fazer o que a elite espera de um pequeno-fascista: acreditar que o PT estava “roubando” e “quebrando” o Brasil. Já na década anterior, na verdade, todo mundo – avô, pai, filho – havia torcido fanaticamente para que o PT naufragasse em mais um dos escândalos forjados: o Mensalão. Mas o governo resistiu. Anos depois, a sucessora de Lula, no segundo mandato, seria atropelada por um impeachment fraudulento, para que a elite pudesse manipular à vontade o fantoche Temer. O pequeno-fascista delirou.
Mas era necessário neutralizar Lula, que poderia concorrer novamente em 2018 e era o favorito disparado nas pesquisas. Então o poder econômico mobilizou Moro Imoral, os procuradores de pelo em ovo, e armou-se contra Lula uma fraude judicial que só tem paralelo em julgamentos como os promovidos pela Santa Inquisição, os realizados sob o Nazismo, o Stalinismo. o Macarthismo. 122 notáveis juristas escreveram um livro – “Comentários a uma sentença anunciada – o processo Lula” – para provar que o processo contra Lula era uma fraude. Mas prevaleceu a narrativa divulgada pela mídia desonesta e decadente.
A mídia mentirosa sempre apresentou a corrupção como causa das mazelas brasileiras. E em geral infla a imagem de um espantalho anticorrupção que irá servir aos interesses do Grande Capital. Em 1989 foi Collor; em 2018, o inacreditável Bolsonaro. O pequeno-fascista sempre adere à farsa.
Mas agora a  decepção com o Boçal Nazista é grande: os machos-analfas não conseguiram comprar suas armas, a precarização do trabalho é maior do que nunca, a economia se arrasta. O pequeno-fascista, agora, voltou à cantilena de que “político é tudo igual”. Mas, no fundo de sua mente deformada pela lavagem-cerebral, deve pensar: “Pelo menos tiramos o PT.” (Mais uma vez peço perdão ao leitor pela facada psicanalítica. A verdade dói, mas liberta.)
O Capital Transnacional, que também não está muito satisfeito com monstrengo desastrado que construiu, já há tempos vem pensando em novos fantoches: o juiz criminoso Sérgio Moro, o apresentador manipulador Luciano Huck, quem sabe algum pastor bilionário, que vai atrair hordas de um tipo especial de pequeno-fascista: o evangélico... O pequeno-fascista compra todas as farsas e farsantes. Porque o poder econômico sabe como manipular o medo que ele tem do ‘comunismo’, assim como sua ganância, seu egoísmo, o desprezo e terror que lhe inspiram os mais pobres. O pesadelo do pequeno-fascista é que uma onda de miseráveis o arraste de sua precária praia de triviais satisfações mundanas ao oceano insondável da pobreza. Em momento algum ele pensa em construir uma nova sociedade, um mundo feito de solidariedade, cooperação, empatia.
Ou seja: o pequeno-fascista é um soldadinho perfeito do exército do Capital Transnacional, que promove uma permanente guerra contra inimigos singulares e indefectíveis: o Tempo, a Mudança, a História.

4 comentários:

CCOB disse...

Está bem claro o que ocorre, o problema foi a esquerda ter flertado com isso, ao invés de enfrentado quando foi governo.
Agora chegamos no limite, ou enfrentamos de forma clara a não confundir as pessoas, ou pereceremos de vez.

Aníbal Bragança disse...

Nelson, seu artigo é cirúrgico ao apontar as razões de nossa situação atual, mas é também de uma grande amplitude, tanto de abrangência espacial quanto histórica. Parabéns!
Agora é preciso ir além dos convertidos, para tentar reduzir a ignorância dos bolsominions, ao menos.

Unknown disse...

Como me situar nesse cenário? Nasci, fui alimentada, educada e vivo em berço neo-fascista. Mas carrego comigo um profundo amor e respeito à vida e, portanto, tenho um senso e sede de justiça insaciáveis. Tanto que vertem lágrimas inúteis dos meus olhos ao ler um artigo raio-X tão transparente como esse. Tenho lido, assistido material, consultado amigos econo mistas e especialistas em comportamento e desenvolvimento humano, bem como me inteirado das ferramentas e métodos que tem sugestionado e manipulado a psiquê das massas. Pelo que sei até agora, tudo em seu texto corresponde, com fidelidade, ao panorama real da linha do tempo humano. Me parece tão pouco o que tenho feito. Falando com amigos, parentes, participando discussões
em grupos, redes sociais, dando aos meus filhos o espaço amplo para expressão e material para que desenvolvam sensos e se tornem autodirigidos, não fantoches, como eu fui, durante trinta de todos os meus anos. Compro do pequeno produtor que passa na minha porta, procurando favorecer aos pequenos em detrimento das grandes redes de fornecimento, queridas pelo sistema. Reciclo. Minimalizo consumo. Me posiciono, sobretudo quanto à política religiosa. Perdi muitos amigos e até relações com parentes por isso, mesmo com o zelo de não ser reativa e não responder à altura aos ataques pessoais (tática de oposição suja por falta de argumentos factuais). Me parece pouco. Por vezes inútil. Não, não é reconhecimento que me falta, pois já não sou condicionada à isso. Mas gostaria mesmo de saber o que mais posso fazer pra ir na contramão do ciclo de autodestruição acelerado em que entramos, nós, humanos, egoicamente destruidores das outras espécies também. Eu gostaria de um conselho. Grata pelo trabalho e esforço intensos, tempo, dinheiro, capital intelectual e, bem possivelmente, relações interpessoais investidos, dos quais resultou esse texto perfeito e outros materiais de sua autoria! Quando as pessoas olham para um fruto saboroso, lindo, cheiroso e nutritivo, nunca pensam no tamanho do esforço da árvore. Muitas vezes não degustam corretamente, descartam e ainda cortam a árvore, subnutridos de empatia com a vida que são. Muito grata!

Leonardo Carneiro da Cunha disse...

Excelente!