sábado, 1 de junho de 2019

O Capitalismo está morto


Ousemos declarar o capitalismo morto –

antes que ele nos destrua

O sistema econômico é incompatível com a sobrevivência da vida na Terra. É hora de criar um novo

Por George Monbiot


Texto original:


Texto editado / NMM:


Quando encontrei este artigo, no site da Carta Maior, imediatamente me lembrei de textos que eu próprio escrevi, como Manual de autoajuda do iludido político I, Manual de autoajuda do iludido político II, Manual de autoajuda do iludido político III, A tulipa podre, A burrice do fim do mundo e alguns outros.
O tema é a falência do Capitalismo, que há muito tempo é mantido vivo por aparelhos.
NMM



Durante a maior parte da minha vida adulta, lutei contra o "capitalismo corporativo", o "capitalismo do consumo" e o "capitalismo de compadrio". Demorei muito a perceber que o problema não era o adjetivo, mas o substantivo. Eu não via uma alternativa clara: nunca fui um entusiasta do comunismo de estado.

Dizer “o capitalismo fracassou” no século 21 é como dizer “Deus está morto” no século 19: uma blasfêmia secular. Mas é o sistema, e não qualquer variante do sistema, que nos está nos levando inexoravelmente ao desastre. Não é preciso apresentar uma alternativa definitiva para dizer que o capitalismo está fracassando. Entretanto, isso exige o esforço de desenvolvimento de um novo sistema.

As falhas do capitalismo
surgem de dois de seus elementos definidores.

O primeiro é o crescimento infinito; que, em um planeta finito, leva inexoravelmente à calamidade ambiental. Alguns argumentam que, à medida que o consumo muda de bens para serviços, o crescimento econômico pode ser dissociado do uso de recursos materiais. Jason Hickel e Giorgos Kallis descobriram que, embora no século 20 o consumo de recursos materiais não tenha crescido tão rapidamente quanto o crescimento econômico, no século 21 o crescente consumo de recursos até agora foi igual ou superior à taxa de crescimento econômico. Evitar a catástrofe ambiental parece impossível enquanto houver crescimento econômico. O crescimento verde é uma ilusão.

Um sistema baseado no crescimento infinito não pode funcionar sem periferias e externalidades. À medida que a escala da atividade econômica aumenta e o capitalismo passa a ter impactos sobre tudo, todo o planeta se torna a periferia da máquina lucrativa.

Isso nos leva ao cataclismo em uma escala inimaginável. As sociedades podem se
recuperar de guerra, fome,  epidemia ou crise econômica; mas não da perda de solo, de uma abundante biosfera e de um clima habitável.

O segundo elemento definidor é a suposição bizarra de que alguém tenha direito a uma fatia da riqueza natural do planeta tão grande quanto possa pagar. Esse confisco, essa economia baseada em saques contínuos no espaço e no tempo, causa a disputa pelo controle exclusivo de bens não reprodutíveis, a miserabilização de pessoas, a tradução do poder econômico em poder político.

Recentemente, no New York Times, o Nobel em Economia Joseph Stiglitz procurou distinguir o bom capitalismo, que chamou de "criação de riqueza", do mau capitalismo, que chamou de "apropriação de riqueza" (da qual se extrai renda). Entendo a distinção. Mas do ponto de vista ambiental, a criação de riqueza é apropriação de riqueza. O crescimento econômico, intrinsecamente ligado ao uso crescente de recursos materiais, significa subtrair riqueza natural tanto dos sistemas vivos quanto das gerações futuras.

É verdade que o capitalismo e o crescimento econômico levaram à prosperidade um grande número de pessoas, ao mesmo tempo em que destruíram a prosperidade daqueles cuja terra, mão-de-obra e recursos foram tomados para alimentar o crescimento em outros lugares. Grande parte da riqueza das nações ricas era – e é – construída sobre a escravidão e a expropriação colonial.

Assim como o carvão, o capitalismo trouxe muitos benefícios. Mas, como o carvão, causa hoje mais mal do que bem. Assim como encontramos meios de gerar energia melhores e menos prejudiciais do que o carvão, precisamos encontrar meios de gerar bem-estar melhores e menos prejudiciais do que o capitalismo.

Não há como voltar atrás: a alternativa ao capitalismo não é nem o feudalismo nem o comunismo de estado. O comunismo soviético tinha mais em comum com o capitalismo do que os defensores dos dois sistemas gostam de admitir. Ambos são (ou eram) obcecados pelo crescimento econômico. Ambos estão dispostos a infligir níveis surpreendentes de danos na busca desse e de outros fins. Ambos prometeram um futuro em que precisaríamos trabalhar apenas algumas horas por semana, mas, ao contrário, exigem um trabalho brutal e sem fim. Ambos são desumanizantes. Ambos são absolutistas, insistindo que o Deus deles é o único e verdadeiro.

Então, como seria um sistema melhor? Não tenho a resposta completa e não acredito que alguém tenha. Mas acho que vejo um esboço surgindo. Parte deste esboço é traçada pela civilização ecológica proposta por Jeremy Lent, um dos maiores pensadores de nosso tempo. Outros elementos vêm da economia do donut de Kate Raworth e do pensamento ambiental de Naomi KleinAmitav GhoshAngaangaq AngakkorsuaqRaj Patel e Bill McKibben. Parte da resposta está na noção de “suficiência privada, luxo público”. Outra parte surge da criação de uma nova concepção de justiça baseada neste princípio simples: toda geração, em toda parte, deve ter o mesmo direito a desfrutar da riqueza natural.

Acredito que nossa tarefa seja identificar as melhores propostas de muitos pensadores diferentes e transformá-las em uma alternativa coerente. Como nenhum sistema econômico é apenas um sistema econômico, e se intromete em todos os aspectos de nossas vidas, precisamos de muitas mentes, de várias disciplinas – econômica, ambiental, política, cultural, social e logística – trabalhando em colaboração para criar uma maneira melhor de nos organizar, que atenda às nossas necessidades sem destruir nosso planeta.

Nossa escolha se resume a isso. Paramos a vida para permitir que o capitalismo continue, ou paramos o capitalismo para permitir que a vida continue?

*Publicado originalmente no The Guardian | Tradução de Clarisse Meireles

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