quarta-feira, 14 de julho de 2021

João Ninguém

 




Nelson M. Mendes

 

“Dentro de todo ser humano há um vazio.”

E uma das pretensões da arte é explicar e preencher esse vazio. No Paraíso não havia poetas, músicos, pintores, escultores. Não havia nem agricultores!

Expulso do Paraíso (ainda bem!), o homem viu-se cara a cara com o Vazio. Ele contempla o sublime abismo de si mesmo; mas não sabe disso, e teme o abismo. E suas canções ecoam na voragem do tempo.

O autor destas reflexões precisa fazer uma confissão: não tenho cultura musical. Não tenho bandas de rock prediletas, comprei dois ou três discos na vida. Por isso, peço desculpas se vier a falar besteira.

Porque vou ousar dizer que João Ninguém parece ter a genealogia de um Belchior, um Raul Seixas; seria uma espécie de Renato Russo expurgado das neuroses do Planalto Central. Ele critica a nossa opção civilizatória, questiona a vida urbana alienante, insurge-se contra “a dura poesia concreta” (Caetano) de nossas esquinas. Seu violão, em alguns momentos, lembra os violeiros na linha de Renato Teixeira. Mas não há escapismo, não há romantismo rural em seu trabalho: a crítica é pertinente, bem-vinda, mas esperançosa. “O lá é aqui mesmo.”

Ao se apresentar no pátio do Teatro Popular Oscar Niemeyer, no estilo “banquinho e violão”, dentro do projeto Som na Cidade, João tinha como cenário a Baía de Guanabara e um céu carregado, que parecia ilustrar em cinzas e negros a sua lúcida vocalização.

Mas que fique claro: não há rendição ao pessimismo, ao niilismo. Uma das funções da arte, como dissemos, é preencher ou explicar o Vazio. A bordo de seu violão, João flutua sobre ele, e deixa a mensagem inestimável:

“O mundo precisa de mais pessoas mais felizes. Isso é apenas um toque.”


2 comentários:

JP disse...

Obrigado por ter assistido a minha apresentação, meu amigo. E muito obrigado pelas palavras também. Você deixou um recém-pai, já demasiadamente emotivo, ainda mais emocionado. ♥️🙏

Amanda Respicio disse...

Fantástica colocação! Muito bom o texto!