Nelson M.
Mendes
O que
faltou para que Lula vencesse no primeiro turno?
O nazineoliberalismo
ainda não foi vencido. O que faltou? Faltou informação. Faltou luz.
Já há
quase um século (!), o Nazismo propriamente dito, o original, prosperou num
ambiente de desastre socioeconômico, sim, mas também de trevas mentais,
culturais.
Quando um
corpo está submetido a um estado de hipóxia (oxigenação insuficiente – o que
pode acontecer, por exemplo, a alpinistas em altitudes muito elevadas), o cérebro
pode começar a falhar; a pessoa deixará de pensar com clareza e cometerá vários
erros.
“Querelas
do Brasil”, de Maurício Tapajós e Aldir Blanc (mais uma canção imortalizada por
Elis), diz que “o Brazil não conhece o Brasil”. A Wikipédia explica: “A canção
[...] denuncia que a elite econômica brasileira estaria suprimindo a cultura
popular do país com sua cultura amplamente americanizada [...]”.
Na
verdade, não é apenas a cultura popular que vem sendo suprimida. São décadas e
décadas de colonização, décadas e décadas de lavagem cerebral.
O
brasileiro comprou a visão estadunidense de mundo. Num estado de
permanente hipóxia cognitiva, carente de nutrição cultural (e até
nutrição stricto sensu), ele se tornou presa fácil da propaganda; tornou-se
ferrenho “anticomunista”, passou a defender valores alienígenas.
O
conceito de “comunismo” é um balaio onde cabem todos os gatos. Sempre que o
Capital Transnacional vê de alguma forma ameaçados os seus interesses, ele brande
o “fantasma do comunismo” a fim de amedrontar o pequeno-fascista; ou acusa
de “corrupção” as lideranças que estejam apenas propondo leves reformas para
amenizar o panorama de extrema desigualdade social. O texto “Manual de autoajuda do iludido político II” fala disso.
Mas a
solução não está em conquistar o povo para uma visão “esquerdista” de
mundo. No texto “Manifesto da onça”, está dito:
O caminho tem que ser
novo. É preciso esquecer expressões como “trabalho de base”, “classe
trabalhadora” e até termos como “militância”. Tudo isso foi contaminado pela
lavagem cerebral que há décadas sofre o povo brasileiro [...] Temos de colocar
de lado os velhos conceitos de “esquerda”, “direita”, as velhas táticas de luta
política.
Nos bares e cafés, podemos ouvir expressões
como “aquela comunistazinha filha da puta”, ou “essa baboseira de esquerdismo”,
e assim por diante. Na seção eleitoral, neste incrível 2 de outubro de 2022, ouvimos
um senhor, depois de discursar enfaticamente sobre o “chip na vacina”, dizer
que à noite ele participaria de um “chorinho” (roda de choro, o estilo musical)
com amigos; mas o que desejava mesmo era ouvir o chorinho da esquerda...
O
brasileiro médio foi ensinado a odiar o “comunismo”, o “socialismo”, o “bolivarianismo”
e todos os ismos que de alguma forma se abriguem sob o conceito mais
amplo de “esquerdismo”. Como gostamos de lembrar, ser de esquerda nada
mais é que desejar um mundo mais justo e igualitário; nesse sentido, Mandela,
Luther King Jr., Lula e o próprio Jesus Cristo são de esquerda. E o poder
econômico de todas as épocas invariavelmente odeia esses esquerdistas. E
convence o povo a odiá-los também, através da grande mídia. (Vide, por exemplo,
o texto “‘O caso Veja’ e o ocaso da mentira”.)
É por
isso que a mídia progressista deve evitar falar em “nós, da esquerda...”. “Esquerda”,
como foi dito, é uma espécie de mantra maligno, de maldição para muita gente. Décadas
e décadas de lavagem cerebral...
Quanto às
lideranças progressistas (estou evitando falar “de esquerda”...), o que elas
precisam é levar esclarecimento à multidão que caminha nas trevas produzidas
pela mídia. “A função do jornalismo é ocultar a notícia” – já dizia Millôr
Fernandes. A mídia progressista – ou alternativa – pode ajudar a levar
luz a cantos esquecidos. Mas o grande trabalho, neste momento de campanha
eleitoral, tem de ser feito pelos partidos políticos.
Por
exemplo: durante anos, a grande mídia, Rede Globo à frente, alimentou o mito de
“Lula Ladrão”. As narrativas não se sustentam, e seriam facilmente desmontadas
se houvesse o contraditório; mas o que há é apenas a versão da promotoria
midiática – tão arbitrária e inquisitorial quanto a versão da promotoria
propriamente dita, sob a regência ilegal do juiz Moro, no caso do processo do
triplex do Guarujá...
Então, é
preciso que o PT esclareça: Lula é totalmente inocente. Dos 26 processos
forjados contra ele, para riscá-lo da vida política, ele foi inocentado em três;
os outros esfarelaram, porque não tinham consistência jurídica. O respeitado
jurista Pedro Serrano se referiu recentemente a esses processos com uma palavra
que usamos com frequência para nos referir a eles: “fraudes”. E lembrou um
detalhe interessante, e naturalmente ignorado pela mídia: numa determinada
etapa do processo do triplex, o próprio juiz Sergio Moro declarou que não havia
provas contra Lula... Ainda assim, Lula foi condenado e ficou injustamente
encarcerado por 580 dias em Curitiba.
Posteriormente,
como relatado no texto “A travessia”, o STF foi finalmente obrigado a
reconhecer que Lula havia sido vítima de perseguição política através de
expedientes jurídicos – lawfare. Em seguida, foi a vez de um eminente
corpo de juristas da ONU dizer a mesma coisa.
Mas o
sujeito no bar não foi informado disso. Nem o eleitor adepto da teoria da
conspiração do chip na vacina. Provavelmente eles se alimentam de fakenews via
WhatsApp; ou se informam em portais que dão nó em pingo d’água para dizer que
a inocência de Lula “não é bem assim” – que ele escapou por causa de
tecnicalidades, ou porque os processos “prescreveram”, etc. Mas o mundo todo sabe
– e é o que nossos netos vão aprender na escola – que Lula foi vítima de
processos assemelhados aos do stalinismo, armados não para julgar, mas para
condenar. Aliás, foi gratificante ouvir Pedro Serrano fazer esse paralelo com o stalinismo, a que muitas vezes recorremos para frisar o caráter inquisitorial da Lava a Jato.
Tudo isso
tem que ser dito. Por algum jurista conhecido, algum intelectual respeitado,
algum artista, pelo próprio Lula. Porque muita gente, ainda hoje, está envenenada
contra Lula, e acredita que “o PT quebrou o Brasil” (outra afirmação que não se
sustenta). E, por outro lado, não foi informada pela TV, por exemplo, de que o
clã do Boçal Fascista comprou, nos últimos anos, 107 imóveis, 51 dos quais em
dinheiro vivo.
Esse tipo
de coisa tem que ser dito. Porque o povo pode ter dificuldade de entender a
importância de termos um presidente que encare seriamente e com competência os
problemas sociais, ambientais e econômicos; mas sabe que deve evitar um boçal
que, além de fascista, é ladrão.
Boa parte
do povo brasileiro, como costumamos dizer, padece de uma síndrome que mistura
fascismo congênito e ignorância. Muitas dessas pessoas estão irremediavelmente
comprometidas. Mas muitos dos que votaram no Boçal Fascista no primeiro turno
em 2022 são pessoas que estão nas trevas midiáticas. Precisam de informação, precisam
de luz. Trocando em miúdos, é isso aí.
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