quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A falácia da Reforma da Previdência




Nelson M. Mendes

O “festival de mentiras que atola o Brasil” começou com Cabral I; mas talvez há algumas décadas esteja vivendo sua apoteose – que, não por acaso, coincide com os estertores finais do Capitalismo sob sua mais recente máscara, o Neoliberalismo. No futuro, os estudantes, ao serem apresentados a certos fatos históricos pelos professores, dirão: “Como era possível que nossos bisavós fossem tão estúpidos? Como se deixavam levar pelas falácias propagadas pelos que desejavam apenas a perpetuação da hedionda desigualdade socioeconômica brasileira?”

Adriano Benayon foi um dos professores, junto com o colega Pedro Rezende, que descobriu qual tinha sido a fraude, na Constituição de 1988, perpetrada por Nelson Jobim – que se vangloriava do crime, mas não dava detalhes sobre ele: Jobim havia introduzido sorrateiramente no texto constitucional um inciso para favorecer o sistema financeiro.

Benayon também explicou que em duas décadas, atravessando os governos FHC e Lula, o Brasil jogou fora, com juros e amortizações da “dívida”, 6 trilhões de reais. (Desde então, imagino que já tenha jogado pelo ralo mais uns três trilhões.)

Por essas e outras, Adriano Benayon jamais é entrevistado pela grande mídia, que é a voz do Elefante Oculto a que me refiro no texto anterior – “É a lama, é a lama”.

O alvoroço falacioso e cínico da mídia em torno da “Reforma da Previdência” proposta pelo ogro nazista me provocou ânsias por escrever um texto falando todas aquelas coisas que serão do conhecimento das crianças do futuro. Mas senti também, concomitantemente, uma aguda vontade de ver o que o professor Benayon certamente deveria ter escrito a respeito. E encontrei o texto perfeito.

Tenho o costume de editar textos, mesmo dos melhores intelectuais, antes de replicá-los no blog. Mas seria um pecado fazer isso com o texto do professor Benayon, que segue na íntegra.
Nelson M. Mendes



Artigo recolhido em:
Previdência – confundir para destruir
Adriano Benayon

Não se pode negar que privilégios colossais corroem o Brasil. Não é, porém, na Previdência Social que eles estão. E como os beneficiários das absurdas disparidades controlam a política, a “reforma” da Previdência é perversamente usada para aumentá-las, em vez de corrigi-las. Grupos financeiros, não contentes com os mercados cativos de que desfrutam, querem as contribuições sociais dos servidores: daí o teto para a previdência pública. A privatização é a meta do estupro em andamento, a ser obtido a qualquer preço, sob a direção da dupla da rua K em Washington, EUA: o Banco Mundial e o FMI.

A lógica do processo é sempre a mesma. A política econômica cria os déficits, abaixa a renda, dizima o emprego e faz aumentar a insatisfação. Isso serve de desculpa para extrair mais dinheiro dos que nada têm a ver com esses déficits. Quem se apropria dos recursos do país e os transfere para o exterior? Exatamente os que capitalizam a insatisfação para obter novas e desmedidas vantagens. Assim foi: 1) com as “privatizações”, objeto de monumental corrupção; 2) para tirar do Estado a regulação das atividades econômicas, transferida para agências advogadas dos concentradores.

Então, chega de jatos de espessa fumaça sobre os nossos olhos. É verdade que temos graves problemas. Pior: a magnitude deles leva-nos à ruína. Mas a questão é não se deixar confundir a respeito da origem do mal. Em suma, desmontar a farsa. Eis um de seus scripts: 1) as tarifas dos serviços públicos privatizados, como os telefones, a energia elétrica, o fornecimento de gás etc., são elevadas seguidamente, conforme contratos ilegais que estipulam a indexação, terminantemente negada aos assalariados; 2) os oligopólios, quase todos nas mãos de transnacionais e de suas matrizes estrangeiras, arbitram à vontade os preços dos produtos cujos mercados controlam. Em vez de remover as causas da inflação, o que faz a política econômica governada pela dupla da rua K e por banqueiros de Boston, Nova Iorque e Londres? Sob o mentiroso pretexto de combate à inflação, mantém intoleráveis taxas de juros, as quais: a) já sugam 70% das receitas somadas da União, estados e municípios; b) servem de ponto de partida para que os bancos arranquem juros astronômicos de autônomos e assalariados, pequenas e médias empresas, inviabilizando-as.

Essas são as hemorragias que devem ser estancadas urgentemente. Não há déficit da Previdência. Ademais, são tão pífias e discutíveis as economias que a “reforma” produziria, que não se pode considerar senão como farsantes os que pretendem enfocar a questão sob esse prisma. Há, ademais, o fito de desferir o golpe de misericórdia no serviço público do Brasil.

Mais notável é a tentativa de sustentação moral que o sistema de poder concentrador pretende dar à “reforma”. Segundo a falaciosa campanha, ela reduziria injustiças, ao retirar privilégios de altos funcionários e de oficiais superiores das Forças Armadas. Ora, os servidores públicos com maiores salários têm pleno direito à aposentadoria integral e às pensões, nada mais devendo pagar por esses “benefícios”, pois estes têm sido pagos com sobras. Estabelecer limites de idade para a aposentadoria dos atuais servidores, mesmo que tenham contribuído por 35 anos, é discriminar contra os que começaram a trabalhar mais jovens, ou seja, os originários das camadas mais desfavorecidas. Acabar com a paridade entre ativos e inativos acelera a erosão dos proventos destes, já reduzidos, como os dos ativos, pela inflação acumulada e pela ausência de reajustes.

Para entender por que alguém crê na “reforma” emanada da rua K, há que atentar, ainda, para outra ação perversa dos concentradores. A política econômica aviltou tanto os rendimentos do trabalho, que muita gente pensa serem fantásticos os salários mensais acima de 4 mil ou 5 mil reais. Não cogitam de que 60% disso são consumidos por impostos, taxas e contribuições, sem que, em troca, haja acesso a serviços públicos gratuitos,  a educação decente, pois o dinheiro vai para os encargos da dívida. Em resumo, o sistema de poder gerou miséria generalizada, e os poucos que ela ainda não assola são vistos como privilegiados, apesar de terem a vida sacrificada por dificuldades, quando não ceifada pela violência, sempre em alta, como os preços.

Este é um dos efeitos mais terríveis da dominação globalizante: a ideia de que a miséria é o natural, e a justiça consiste em tornar todos miseráveis. Mais espetacular é que as pessoas não se deem conta da existência dos reais privilegiados. Esses residem no exterior, ou transitam entre fortalezas inexpugnáveis e ambientes inacessíveis. A mídia e os políticos amestrados encarregam-se de apresentá-los como benfeitores. Resultado: há ignorância sobre fatos como: 1) as 300 maiores empresas em atividade no Brasil têm receita líquida igual a 50% do PIB; 2) excetuada a Petrobras, ainda não de todo privatizada, esses 300 grupos quase não pagam imposto de renda de pessoa jurídica, mágica que obtêm transferindo ao exterior, como despesas, o grosso de suas receitas; 3) a arrecadação do imposto de renda das pessoas físicas é maior do que a das jurídicas; 4) na arrecadação destas, mais de 80% vêm das pequenas e médias empresas. A “reforma” tributária deixa tudo isso intocado.

Quando esses fatos são expostos a certas pessoas, elas denotam ainda mais seu temor aos concentradores e imaginam impossível limitar-lhes o poder. Muitas optam por dar de ombros à destruição do país, integrando, como cúmplices, a camada dos cooptados por vantagens equivalentes a milhões de dólares, migalhas comparadas aos trilhões dos potentados mundiais.

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