Nelson M. Mendes
O “festival de mentiras que atola o Brasil” começou com Cabral I; mas talvez há algumas
décadas esteja vivendo sua apoteose – que, não por acaso, coincide com os
estertores finais do Capitalismo sob sua mais recente máscara, o Neoliberalismo.
No futuro, os estudantes, ao serem apresentados a certos fatos históricos pelos
professores, dirão: “Como era possível que nossos bisavós fossem tão estúpidos?
Como se deixavam levar pelas falácias propagadas pelos que desejavam apenas a
perpetuação da hedionda desigualdade socioeconômica brasileira?”
Adriano Benayon foi um dos
professores, junto com o colega Pedro Rezende, que descobriu qual tinha sido a
fraude, na Constituição de 1988, perpetrada por Nelson Jobim – que se
vangloriava do crime, mas não dava detalhes sobre ele: Jobim havia introduzido sorrateiramente no texto constitucional um inciso para favorecer o sistema
financeiro.
Benayon também explicou que em
duas décadas, atravessando os governos FHC e Lula, o Brasil jogou fora, com
juros e amortizações da “dívida”, 6 trilhões
de reais. (Desde então, imagino que já tenha jogado pelo ralo mais uns três
trilhões.)
Por essas e outras, Adriano
Benayon jamais é entrevistado pela
grande mídia, que é a voz do Elefante
Oculto a que me refiro no texto anterior – “É a lama, é a lama”.
O alvoroço falacioso e cínico da
mídia em torno da “Reforma da Previdência” proposta pelo ogro nazista me
provocou ânsias por escrever um texto falando todas aquelas coisas que serão do
conhecimento das crianças do futuro. Mas senti também, concomitantemente, uma
aguda vontade de ver o que o professor Benayon certamente deveria ter escrito a
respeito. E encontrei o texto perfeito.
Tenho o costume de editar textos,
mesmo dos melhores intelectuais, antes de replicá-los no blog. Mas seria um
pecado fazer isso com o texto do professor Benayon, que segue na íntegra.
Nelson M. Mendes
Artigo recolhido em:
Previdência – confundir para destruir
Adriano Benayon
Não se pode negar que privilégios colossais corroem
o Brasil. Não é, porém, na Previdência Social que eles estão. E como os
beneficiários das absurdas disparidades controlam a política, a “reforma” da
Previdência é perversamente usada para aumentá-las, em vez de corrigi-las.
Grupos financeiros, não contentes com os mercados cativos de que desfrutam,
querem as contribuições sociais dos servidores: daí o teto para a previdência
pública. A privatização é a meta do estupro em andamento, a ser obtido a
qualquer preço, sob a direção da dupla da rua K em Washington, EUA: o Banco
Mundial e o FMI.
A lógica do processo é sempre a mesma. A política
econômica cria os déficits, abaixa a renda, dizima o emprego e faz aumentar a
insatisfação. Isso serve de desculpa para extrair mais dinheiro dos que nada
têm a ver com esses déficits. Quem se apropria dos recursos do país e os
transfere para o exterior? Exatamente os que capitalizam a insatisfação para
obter novas e desmedidas vantagens. Assim foi: 1) com as “privatizações”,
objeto de monumental corrupção; 2) para tirar do Estado a regulação das
atividades econômicas, transferida para agências advogadas dos concentradores.
Então, chega de jatos de espessa fumaça sobre os
nossos olhos. É verdade que temos graves problemas. Pior: a magnitude deles
leva-nos à ruína. Mas a questão é não se deixar confundir a respeito da origem
do mal. Em suma, desmontar a farsa. Eis um de seus scripts: 1) as tarifas dos
serviços públicos privatizados, como os telefones, a energia elétrica, o fornecimento
de gás etc., são elevadas seguidamente, conforme contratos ilegais que
estipulam a indexação, terminantemente negada aos assalariados; 2) os
oligopólios, quase todos nas mãos de transnacionais e de suas matrizes
estrangeiras, arbitram à vontade os preços dos produtos cujos mercados
controlam. Em vez de remover as causas da inflação, o que faz a política
econômica governada pela dupla da rua K e por banqueiros de Boston, Nova Iorque
e Londres? Sob o mentiroso pretexto de combate à inflação, mantém intoleráveis
taxas de juros, as quais: a) já sugam 70% das receitas somadas da União,
estados e municípios; b) servem de ponto de partida para que os bancos
arranquem juros astronômicos de autônomos e assalariados, pequenas e médias
empresas, inviabilizando-as.
Essas são as hemorragias que devem ser estancadas
urgentemente. Não há déficit da Previdência. Ademais, são tão pífias e
discutíveis as economias que a “reforma” produziria, que não se pode considerar
senão como farsantes os que pretendem enfocar a questão sob esse prisma. Há,
ademais, o fito de desferir o golpe de misericórdia no serviço público do
Brasil.
Mais notável é a tentativa de sustentação moral que
o sistema de poder concentrador pretende dar à “reforma”. Segundo a falaciosa
campanha, ela reduziria injustiças, ao retirar privilégios de altos
funcionários e de oficiais superiores das Forças Armadas. Ora, os servidores
públicos com maiores salários têm pleno direito à aposentadoria integral e às
pensões, nada mais devendo pagar por esses “benefícios”, pois estes têm sido
pagos com sobras. Estabelecer limites de idade para a aposentadoria dos atuais
servidores, mesmo que tenham contribuído por 35 anos, é discriminar contra os
que começaram a trabalhar mais jovens, ou seja, os originários das camadas mais
desfavorecidas. Acabar com a paridade entre ativos e inativos acelera a erosão
dos proventos destes, já reduzidos, como os dos ativos, pela inflação acumulada
e pela ausência de reajustes.
Para entender por que alguém crê na “reforma”
emanada da rua K, há que atentar, ainda, para outra ação perversa dos
concentradores. A política econômica aviltou tanto os rendimentos do trabalho,
que muita gente pensa serem fantásticos os salários mensais acima de 4 mil ou 5
mil reais. Não cogitam de que 60% disso são consumidos por impostos, taxas e
contribuições, sem que, em troca, haja acesso a serviços públicos
gratuitos, a educação decente, pois o dinheiro vai para os encargos da
dívida. Em resumo, o sistema de poder gerou miséria generalizada, e os poucos
que ela ainda não assola são vistos como privilegiados, apesar de terem a vida
sacrificada por dificuldades, quando não ceifada pela violência, sempre em
alta, como os preços.
Este é um dos efeitos mais terríveis da dominação
globalizante: a ideia de que a miséria é o natural, e a justiça consiste em
tornar todos miseráveis. Mais espetacular é que as pessoas não se deem conta da
existência dos reais privilegiados. Esses residem no exterior, ou transitam
entre fortalezas inexpugnáveis e ambientes inacessíveis. A mídia e os políticos
amestrados encarregam-se de apresentá-los como benfeitores. Resultado: há
ignorância sobre fatos como: 1) as 300 maiores empresas em atividade no Brasil
têm receita líquida igual a 50% do PIB; 2) excetuada a Petrobras, ainda não de
todo privatizada, esses 300 grupos quase não pagam imposto de renda de pessoa
jurídica, mágica que obtêm transferindo ao exterior, como despesas, o grosso de
suas receitas; 3) a arrecadação do imposto de renda das pessoas físicas é maior
do que a das jurídicas; 4) na arrecadação destas, mais de 80% vêm das pequenas
e médias empresas. A “reforma” tributária deixa tudo isso intocado.
Quando esses fatos são expostos a certas pessoas,
elas denotam ainda mais seu temor aos concentradores e imaginam impossível limitar-lhes
o poder. Muitas optam por dar de ombros à destruição do país, integrando, como
cúmplices, a camada dos cooptados por vantagens equivalentes a milhões de
dólares, migalhas comparadas aos trilhões dos potentados mundiais.
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